Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A despedida de Tom Jobim e o antigo jornalismo boêmio

(Foto: Arquivo Nacional)


Acabei de passar por acaso pelo vistoso prédio da Avenida Brasil, 500, hoje nobremente ocupado por um hospital federal de referência. E, de repente, deu um frio na espinha.
Não sei vocês, mas eu sei com absoluta certeza onde estava e o que fazia há exatamente 25 anos: no dia 8 de dezembro de 1994 eu estava ali, no sexto andar do prédio da Avenida Brasil, 500, o paraíso na terra para qualquer jovem jornalista, a redação do Jornal do Brasil, na honrosa companhia de Tárik de Souza, Marcus Veras e outros amigos e mestres, ajudando a escrever o caderno especial dedicado a Tom Jobim, morto naquela manhã.
Como não havia ainda internet nem tempo para pesquisa, lembro que escrevi de cabeça – toquei de ouvido – um texto sobre Tom e seus parceiros, algo como “Perfeito letrista das próprias canções, Tom Jobim nunca se furtou a dividir com parceiros variados sua produção musical. O primeiro deles foi Alcides Fernandes, com quem compôs, entre outras, Solidão, cantada por Nora Ney e regravada por Caetano Veloso. Alcides era marido de uma empregada de sua família, do Morro do Cantagalo…”, e aí eu passava pelo baterista Juquinha, por Dolores Duran, Billy Blanco, parava mais longamente nas parcerias fundadoras com Vinicius de Moraes e Newton Mendonça, destacava Aloysio de Oliveira e voltava a parar longamente em Chico Buarque, de Retrato em branco e preto a Piano na Mangueira, até desaguar nos mais jovens Cacaso e Ronaldo Bastos, no seu gosto por poesia que o fez musicar Bandeira e Pessoa.
Escrevi, também de ouvido, outro artigo sobre as muitas trilhas que Tom compôs para cinema e televisão, tradição que começara, no entanto, no teatro, em Orfeu da Conceição. Escrevi outra matéria sobre a reação de amigos, familiares e artistas; lembro particularmente de Nana Caymmi e Tônia Carrero arrasadas, e de uma frase que pincei de uma entrevista que fizera com Tom semanas antes, por ocasião do lançamento de Antonio Brasileiro: ele queria “morrer em português, porque era mais bonito”, isso sem fazer ideia de que ele estava doente e que não voltaria mais da viagem que faria no dia seguinte para Nova York. Sua assessora de imprensa e amiga, Gilda Mattoso, dizia que, embora ele não tivesse morrido em português, seria velado ali ao lado, no bairro, no seu amado e brasileiríssimo Jardim Botânico.
Trabalhamos muito naquele dia 8 de dezembro. E saímos de lá, já tarde da noite, dez ou onze, ainda emocionados, e fomos beber ao Tom em um de seus territórios, o Baixo Leblon. Ficamos até o dia amanhecer num Jobi ainda antes da reforma, ainda botequim, e eu só lembrava daquela sua parceria com Chico, a introdução à Turma do Funil ambientada justamente no Baixo Leblon: “quando é tão densa a fumaça que o tempo não passa e a porta do bar já fechou, quando ninguém mais tem dono, o garçom tá com sono e a primeira edição circulou…”
Ao amanhecer do dia 9 de dezembro de 1994, numa manhã tão da Zona Sul (“Eu quero morrer num dia de sol / Na plenitude da vida / Tão bela e querida / Que acaba amanhã”) saímos do bar, atravessamos a rua e compramos o Jornal do Brasil no jornaleiro do Tom, a banca Piauí. Naquele momento em que “não há mais saudade, nem felicidade, nem sede, nem nada, nem dor”.
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Hugo Sukman
é jornalista.