Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

A simulação desencantada

Antes de iniciar a leitura, quero compartilhar alguns detalhes com os leitores deste Observatório. Primeiro, e de maneira proposital, trata-se de um texto teórico e meio longo. Com várias citações bibliográficas, sem as quais seria difícil construir aquilo que chamo de ‘Uma breve introdução à economia política do signo em Jean Baudrillard’. Mas, com paciência e determinação, acredito, alguns chegarão ao final. Ou, mande logo para a impressora, pois ainda existem pessoas que gostam de papel. Para amaciar o tempo e levá-los adiante, eu pego carona nas palavras de Hygina Moreira Bruzzi, uma das maiores estudiosas no Brasil da filosofia, sociologia, poesia, fotografia, virtualidade e a ‘pós-modernidade’ em Baudrillard: ‘A letra não mata o espírito. A letra dá à luz o prazer da leitura’.

Segundo, além de homenagear o pensador que inspirou o filme Matrix – mesmo ele não concordando com a idéia –, a proposta é ir um pouco além e resgatar parte das idéias de um ser-humano (gosto mais dessa palavra que expressa um traço de união) que tematizou de modo radical a questão do simulacro na sociedade atual. Os parágrafos a seguir, com várias modificações, estão presentes num dos capítulos teóricos de um livro que estou trabalhando já algum tempo sobre um programa da TV brasileira, o Linha Direta, da Rede Globo de Televisão. E, por último, despertar a reflexão, convidar as pessoas para conhecer o universo e o legado de um autor que escreveu mais de 50 livros, que foi contestado e massacrado dentro da própria roda acadêmica e mídia, e demonstrou uma impressionante capacidade em diagnosticar o panorama da sociedade contemporânea, com seu ‘melancólico’ aparato tecnoestrutural, que ‘estimula’ os menos avisados à condição do delírio, à desinformação, à deformação, à satisfação e o padrão consumista, o vazio e à simulação desencantada.

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Jean Baudrillard nasceu em 20 de julho de 1929 em Reims, França, numa família de trabalhadores rurais. Faleceu agora em março de 2007 com 77 anos. Começou a lecionar em 1966 na Universidade de Paris X-Nanterre, onde, juntamente com Henri Lefebvre, completou sua tese de sociologia. Em 1968, publica o livro O sistema dos objetos, influenciado por outro – Sistema da moda, de Roland Barthes. Em 1969, já inserido no grupo de Barthes (Ecole des Hautes Etudes) escreve um importante artigo também sobre a questão dos objetos e a função do signo na revista Communications. Seguem-se outros livros: A sociedade de consumo (1970), For a political economy of the sign (1972), O espelho da produção (1973) e Seduction (1979). Rompe com o marxismo já no começo da década de 1970, tornando-se no meio acadêmico, intelectual e político um ‘ideológico inclassificável’, principalmente depois de publicar A transparência do mal: ensaios sobre os fenômenos extremos.

Após a metade da década 1980, coincidentemente em seguida a morte de Barthes, assume uma postura bem mais independente em suas análises, não se ligando a grupos ou qualquer corrente de pensamento. Vira um livre-pensador e o ‘iconoclasta do sistema’. Ao voltar dos Estados Unidos, na França escreve América (1986) – que deu origem ao excelente documentário adaptado, com texto e direção de João Moreira Sales e Nelson Brissac Peixoto, realizado em 1989 pela extinta TV Manchete – livro no qual afirma ser os Estados Unidos a realização da utopia da modernidade, e o restante do mundo a versão dublada com legenda no reino das imagens. Isso faz lembrar outro estudo interessante. De autoria de outro francês. Observador atento, Alex de Tocqueville, há quase dois séculos, realizou uma viagem semelhante e escreveu um dos melhores livros de ciência política, adotado em quase todas as universidades do mundo: A Democracia na América (1835-40), ao analisar a sociedade americana, após a guerra da independência em 1776.

Jean Baudrillard e o seu estilo provocante e desafiador, postura profética e apocalíptica, seja em conferências e/ou entrevistas – várias aqui no Brasil – chegou ao auge com as afirmações de que a Guerra do Golfo (1991) não aconteceu. Argumentou que as transmissões televisivas do evento não eram o seu atestado de verdade, credibilidade e com a manipulação das imagens não se podia saber qual dos lados foi vitorioso. Segundo Baudrillard, essa guerra foi um ‘acontecimento fantoche’. De outra maneira, podemos imaginar que essa guerra foi uma ‘guerra pós-moderna’. Destituída de ‘razão’, ‘vazia’ e ‘simulacral’. Pois a ‘pós-modernidade’ é o tempo/espaço líquido – termo usado por Zygmunt Bauman – caracterizada pelo desaparecimento das grandes narrativas, das ideologias, plugada/ligada pelo excesso e a rapidez das informações, pela estrutura corporal da ‘carne sem ossos’ na confusão entre o real e o imaginário, e a falta de ‘limites’ instrumentais da razão da modernidade, ou seja, a razão da modernidade e a razão contemporânea não dão conta de interpretar as referências e transparências, o mundo dos acontecimentos e as várias manifestações da(s) contemporaneidade(s). Pois vivemos num mundo plural, híbrido, contaminado, fragmentado em constante rotação e (des)rotação. Em fluxo filtrado, contínuo e descontínuo, confuso e aparente. Fugaz.

Nos dizeres de Omar Calabrese, habitamos uma ‘Idade Neobarroca’, na qual tudo é clássico e barroco, moderno e romântico ao mesmo tempo. Confluímos para um mix/mistura do humano e o tecnológico, operacional e pragmático. O reino da ilusão e da desilusão. O reino da morte da própria realidade. Detalhe: Baudrillard sempre recusou o título ‘pós-moderno’. Vamos dizer que desejasse ser conhecido como um ‘contemporâneo’. Outro detalhe, que não posso esquecer de mencionar: no final do texto tem uma lista com os principais livros do pensador, publicados por várias editoras no Brasil e Portugal.

Sociedade do espetáculo

Jean Baudrillard é considerado por muitos o ‘sociólogo das maiorias silenciosas’ e o ‘filósofo da catástrofe e extinção do real e do social’, por conseguinte um pensador que trabalhou em torno da crítica da ‘pós-modernidade’, envolvendo toda uma reflexão sobre a tecnologia e suas implicações. Desta maneira, Baudrillard estabelece um novo foco: a reprodução. Em contraste com o paradigma modernista de criação e produção, confirmando o estado de espanto da sociedade contemporânea e a máxima de que não mais existe uma forma crível e aceitável de explicação das coisas em uma era da racionalidade proposital.

O seu objeto de estudo se compõe da análise da sociedade contemporânea enquanto sociedade de consumo, produtora de mitos e estruturas excludentes. A base do pensamento de Jean Baudrillard é construída sob um exame complexo e objetivo dos tempos atuais, em que o ser humano se afasta cada vez mais do mundo real e natural, e se concentra no mundo das imagens da televisão e dos meios de comunicação de massa.

De formação marxista, Baudrillard faz uma reavaliação crítica de alguns postulados escritos por Karl Marx no século 19. Nesta revisão e atualização do pensamento proposto pelo pensador alemão, o autor destaca que o mundo atual é construído a partir de uma nova cultura de massa, na qual as tecnologias da reprodução pautadas nos signos e nas imagens são os elementos ativos de todo o processo. No final da década de 1960, não podemos esquecer também as influências das idéias do também pensador francês, o situacionista Guy Debord, a partir do livro A sociedade do espetáculo, publicado em 1967, ao apontar que a forma assumida pelas mercadorias, e que substituiria todas as outras no processo de dominação ideológica, seriam as imagens.

É neste novo contexto, o mundo regido pela imagem e o incessante consumo delas, que se impõe a Baudrillard uma série de reflexões, revisões e atualização no pensamento proposto por Marx. Baudrillard principia da máxima do pensador germânico de que o econômico (infra-estrutura) é que determina todos os outros elementos sociais (superestrutura). O modo de produção é a base de todo o sistema. Onde o valor de uso das mercadorias é diretamente proporcional à utilidade e satisfação das necessidades dos indivíduos. O valor de uso constitui o ‘suporte material’ do valor de troca. O valor de troca, subordinado ao valor de uso, estaria relacionado ao mercado, ou seja, a sua ‘forma de mercadoria’, por extensão é por assim dizer o seu ‘preço’ enquanto mercadoria no mercado, em relação às outras mercadorias existentes, as quais também tiveram trabalho humano socialmente necessário para consumá-las.

A reavaliação crítica de Baudrillard parte do valor de uso para a criação de outros tipos de valores. Já não bastam os valores de uso e troca para mensurar os objetos (as mercadorias) em relação à nova realidade contemporânea. Existe algo, além disso, pois o objeto também tem o valor de símbolo, logo o objeto também possui valor de signo, pleno de sentido e significado. O mundo das trocas agora não somente acontece a partir de ‘permutas’ meramente econômicas de mercadorias e manufaturas, mas também, e quase na sua totalidade, num ‘novo mundo’ de trocas simbólicas, dominado por signos, imagens e representações. Cabe aqui ressaltar que, a partir das reflexões da semiologia e da semiótica, as imagens estão sempre em lugar das coisas e não nas coisas: esse detalhe caracteriza e reforça o seu caráter simbólico. Neste ‘novo mundo’, os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, são os elementos que fazem esta mediação e trocas de signos e símbolos. De maneira apocalíptica, a resistência, como aponta Baudrillard, parece estar somente num ‘ato de recusa’ em participar deste sistema do mundo contemporâneo.

Quatro lógicas distintas

Para avançar a reflexão é pertinente observar a distinção feita por Baudrillard em relação aos objetos, sob o enfoque de quatro lógicas distintas: 1) A lógica das operações práticas e necessidades individuais (valor de uso); 2) A lógica do mercado (valor de troca); 3) A lógica das trocas simbólicas acontecidas no dia-a-dia (valor de símbolo) e 4) A lógica da representação, diferenciação e status (valor de signo). Um outro aspecto que deve ser ressaltado é esta palavra ‘status‘, que é derivada do latim ‘statutum’, e se refere a ‘estatuto’, ‘sustentação’, ‘ficar de pé’, ou estar numa situação diante dos olhos do mundo e dos outros; num sentido mais amplo, o ‘statutum’ seria uma espécie de ‘documento’ que organiza os princípios de uma sociedade. Por extensão, ‘status’ é considerado também um tipo de posição diferenciada e favorável numa determinada sociedade; uma consideração, um renome, um prestígio, uma posição que representa a maneira como nos sentimos em relação às outras pessoas, os quais também não deixam de significar como os outros se sentem em relação a nós. Logo, o ‘status social‘, refere-se a um tipo de prestígio publicamente atribuído a posições e trabalhos específicos dentro da sociedade.

Na sociologia de Max Weber, determinados grupos sociais, seus estilos e padrões de vidas diferenciados pressupõem também um sistema de valores, crenças e consumos diferenciados. Todavia, na contemporaneidade, o que realmente importa é o ‘status social‘ relacionado ao prestígio atribuído à posição social. É algo semelhante à mesma matriz romana para ‘Estado’, para definir uma espécie de posição relativa de alguém na sociedade. Eis um elemento singular no novo conjunto de ideologias que diferencia e iguala ao mesmo tempo.

Diferencia, pois existem poucos que detêm muito (por exemplo, os capitalistas, que vivem uma situação financeira favorável e controla a riqueza circulante), e iguala, porque também todos querem e procuram este status, o qual pode ou não ser pré-fabricado pelas ideologias dominantes (para contagiar os vários públicos-alvos, ávidos de consumo), partindo do pressuposto psicológico que todo ser humano também é movido pelo desejo e a procura de prestígio, status e diferenciação em relação aos demais.

Não podemos esquecer que, no mundo atual, muitos trabalham de maneira ávida, não somente pelo dinheiro em si, a manutenção de suas famílias, etc., mas e principalmente por uma incontrolável vontade de ter status, ser conhecido, reconhecido, famoso, visível, consumado, ser lembrado como ‘imagem’ de sucesso. Este é o reino da imagem em sua forma plena: a sua ostentação e o seu valor de status e prestígio. Adam Smith já preconizava que o prazer proporcionado pela riqueza reside em exibi-la aos outros.

De acordo com as teorias propostas por Baudrillard, as quatro lógicas apresentadas anteriormente equivaleriam às questões da utilidade, do mercado, do presente e do status. Reitero que, no livro For a critique of the political economy of the sign, ele enumera estas lógicas como: primeiro, o objeto torna-se um instrumento; na segunda, um bem; na terceira, um símbolo; e na quarta, um signo. Sendo as mercadorias (objetos) tudo ao mesmo tempo, ou seja, contêm em si todas as quatro lógicas apresentadas (aqui coexistem as influências de Saussure e os estruturalistas – Jakobson, Althusser, Benveniste e até Bourdieu, etc.). Renovo que além do objeto possuir um valor de uso, a base de todos os outros valores, valor de troca e valor de símbolo, ele possui também uma capacidade de representação e significar status (valor de signo).

Em outras palavras, estes objetos são produzidos não somente para saciar uma necessidade humana (o início de tudo), muito mais: para diferenciar e significar um status, prestígio, um estilo de vida, uma ideologia, incorporando-se aí as suas funções psicológicas (o reino das escolhas do indivíduo) e culturais (o reino da sociedade). Neste estágio, as marcas, imagens e grifes valem mais que as próprias mercadorias. Transformam-se em novos signos, sendo este o novo fator de diferenciação, status e valorização que distingue todo o sistema de trocas econômicas. Em termos ideológicos, o discurso assume também outros rumos. Para Baudrillard esta nova sociedade consumista é também a sociedade do discurso da denúncia do próprio consumo.

Um novo código

Baudrillard aponta também que esta nova sociedade possui um novo código. Código entendido a partir do livro Informação, linguagem, comunicação, de Décio Pignatari, como a própria língua, ou um novo sistema de símbolos que convencionada, representa e transmite uma mensagem entre uma fonte (emissor) e um destino (receptor). Os novos meios de comunicação, dentro desta nova sociedade, estabelecem ‘ligação direta’ consigo mesmo, e põem em funcionamento um novo sistema de símbolos, o elemento vital que perfaz uma nova economia política, pautada na troca de valores simbólicos e distribuição, que são atualizadas de forma permanente pelos seus vários discursos, sujeitos a algumas interrogações.

Entretanto, fechados, pela sua precisão, busca de perfeição e a reivindicação de um ‘efeito de realidade’ advinda das imagens produzidas, perfazendo um cerco bem fortalecido, um bunker, alheio e ‘inimigo direto’ de toda e qualquer crítica. Desta maneira, são os símbolos formados e criados, principalmente pelas imagens, que põem em funcionamento um novo valor de troca entre as pessoas em seus diálogos diários. Eis o princípio de uma novíssima construção social da realidade consubstanciada pela troca mediática, e não somente pelo mundo da vida real e natural.

Pois bem, vamos dizer também que esta nova sociedade possui uma nova linguagem, a partir deste novo código. E este novo código é híbrido. Podemos chamá-lo de código com informações e natureza digital-analógico. Somatória de termos e quantidades do digital: constituída por dígitos, unidades que se manifestam separadamente, como o alfabeto, sistema numérico, notas musicais, etc., como observa e destaca Pignatari, ‘todo tipo de cálculo que implique contagem é digital’, mais as mensagens do tipo analógico: os gráficos, as régua de cálculos, matrizes, etc. A amálgama e absorção das características do sistema analógico pelo digital, conduzindo a criação de computadores e sistemas híbridos mais potentes e modernos, aumentaram a velocidade da informação, permitindo uma visão ‘mais elaborada’ em seu conjunto.

Nesta fusão dos sistemas de códigos, sabemos que o analógico está mais próximo do mundo físico que do mundo mental. O sistema analógico contém em si (de forma implícita) a idéia de modelos, de mediação, mensuração, imitação e sistemas combinatórios, aproximando-se do simulacro, algo criado e controlável, repartidos em unidades do sistema digital. Para Baudrillard este novo código está relacionado com o código binário do DNA, a tecnologia da informática, as imagens bidimensionais e digitais da televisão, a telefonia moderna (em suas várias bandas e a internet) e as inovações e gravações do áudio. Em suma, este novo código é a tecnologia da informação. Nesta fase, o código supera a era do signo lingüístico. Pois, a sua reprodução é de outra ordem, não diretamente do signo enquanto representação, e sim do novo código mediático, que já é a cópia da cópia, apagando aí todos os aspectos do original (a realidade).

Exemplos deste estágio são a realidade virtual, o holograma e as comunicações globais que utilizam as fibras óticas. Aqui, a infração ao código é a própria simulação. É o estágio além da fronteira da realidade, e, sua conseqüência é o total desaparecimento do real. A origem das coisas não parte de sua gênese (a própria realidade natural), mas sim através de combinações, fórmulas, gráficos, sinais codificados e matrizes de números, apagando o limite dos seus opostos e antônimos. Baudrillard observa que vivemos nesta era do novo código, a qual traz as suas conseqüências nefastas nas mudanças rápidas em suas formas simbólicas e materiais, amparadas cada vez num mundo dominado e manipulado pelo exagero das imagens apresentadas pelas agendas e ilhas de edições da mídia.

Transestética

Após os anos de 1980, Baudrillard assume uma concepção mais radical, a partir das conseqüências da difusão do novo código nas sociedades modernas contemporâneas. Neste momento e situação, relembramos que, o código para Baudrillard já está relacionado a todo o sistema bidimensional da computadorização e digitalização existente nos establishments dos países mais desenvolvidos, o qual permite uma perfeita reprodução do objeto ou situação acontecida. Desta maneira acontece o que ele chama de ‘infração do código’, viabilizando ultrapassar as barreiras do real: eis o princípio da hiper-realidade.

Baudrillard sustenta que a contínua produção das mercadorias sociais, mais precisamente produção de imagens sociais ou signos (as novas mercadorias), produz e reproduz uma economia política não mais e somente de mercadorias (manufaturas), e sim uma economia política do signo, sendo ele o elemento que operacionaliza todas as trocas sociais. Logo, todo o processo de produção, distribuição e manipulação dos signos produzidos em geral, como automóveis, imagens das pessoas, presidentes, artistas, marcas, etc., instiga a formação de um novo tipo de opinião pública. Nesta nova etapa da Indústria Cultural, toda ela operacionalizada pelo significante, não existe mais barreiras referenciais em relação ao signo.

Segundo Baudrillard, no livro Tela Total: mitos-ironias da era do virtual e da imagem

‘O significado e o referente foram abolidos para o único proveito do jogo de significantes, de uma formalização generalizada na qual o código já não se refere a nenhuma ‘realidade’ subjetiva ou objetiva, mas à sua própria lógica’.

Ocorrendo uma espécie de substituição, dissolução e indistinção do que seja o Verdadeiro e o Falso: a tecnologia dos meios de comunicação de massa não consegue mais reproduzir uma realidade pré-existente, ao contrário, produz o real.

A contemporaneidade é um produto das inter-relações de todas as mídias: a televisão, o vídeo, o cinema, o DVD, a música, a telefonia, o rádio, os jornais e revistas impressas, a fotografia, a internet, o plasma, etc. A produção de sentidos já não passa pelo olhar humano, a própria câmera de televisão incumbe por si só de fazer o olhar. Parecendo que todos os acontecimentos do mundo são dirigidos a elas. Cabendo então a elas (as câmeras de TVs) sua função primordial: produzir as imagens, o espetáculo por inteiro, ocasionando uma inversão de valores, uma mistura sem igual no reino da representação.

Baudrillard apresenta-nos um argumento convincente do seu efeito, em A ilusão vital:

‘Substituímos a transmutação dos valores por sua comutação, sua transfiguração recíproca por sua indiferença mútua e sua confusão. No fundo, sua transdesvalorização. A conjuntura contemporânea de reabilitação de todos os valores e de sua comutação indiferente é a pior de todas. Até mesmo a distinção do útil e do inútil não pode mais ser colocada, devido ao excesso de funcionalidade que leva à sua contaminação – é o fim do valor de uso. O verdadeiro se dilui frente ao mais verdadeiro – é o reinado da simulação. O falso é absorvido pelo demasiado falso para ser falso – é o fim da ilusão estética. E a perda do mal é ainda mais dolorosa que a do bem, a do falso mais dolorosa ainda que a do verdadeiro’.

Seria uma situação transestética, de implosão, na qual a arte perde o seu poder como fenômeno próprio, seu poder de reação, suas normas e juízos de valores.

Neste contexto, a reabilitação do valor esbarra na sua própria estratégia fatal, pois ele vai além de si mesmo. Coexistindo um só caminho, como aponta Baudrillard, no mesmo livro citado anteriormente:

Só podemos opor ao destino do valor o destino da forma. Todas as formas se degradaram sucessivamente em valores, tal como as diversas formas de energia se degradam sucessivamente em calor. Degradação na estética como valor, na moral como valor, na ideologia como valor. Mas os próprios valores se degradam, terminando por se confundirem no seio de um universo fractal, aleatório e estatístico, na indiferença e na equivalência, segundo uma aceleração perpétua semelhante ao movimento browniano das moléculas. Perdemos assim o valor de uso; depois o bom e velho valor de troca volatilizado pela especulação, e estamos a caminho de perder até mesmo o valor-signo em proveito de uma sinalética indefinida, perder até mesmo toda uma lógica diferencial do signo para uma circulação logicial indiferenciada. Mesmo o signo não é mais o que era. Entropia física, entropia metafísica: todo valor é colocado sob o signo da entropia, como toda diferença sob o signo da indiferença’.

O novo código, que já opera por todo o mundo, inclusive nos países menos desenvolvidos, é o fator contaminante da forma. O seu desdobramento:

‘À hipótese desencantada do valor, opõe-se então a hipótese encantada da forma. Pois se todos os valores parecem em vias de desaparição devido a um processo irresistível, as formas, pelo menos em sonho, parecem indestrutíveis. E a armadilha está em querer salvar os valores a qualquer preço, quando a perda fundamental seria a das formas’.

Simulacro e simulação: a precessão dos simulacros

De acordo com as idéias e a ontologia de Platão, convencionou-se que a palavra simulacro é uma cópia de uma cópia. Neste particular e na disposição estética geral, observa-se que esta cópia da cópia contém menos verdade associada ao objeto e matriz em questão. Muito mais que uma cópia da cópia, esta evita um contato direto com sua fonte e razão conceitual: a própria realidade.

O livro Simulacros e Simulação foi escrito no final da década de 1970 e princípios da de 1980. A tradução do francês para a edição em língua portuguesa de Portugal é de 1991. Num conjunto de ensaios, Baudrillard aborda a questão do hiper-real e suas implicações na perda do referencial por parte da humanidade, através de modelos e modelagem, de uma realidade sem origem nela mesma. O ensaio mais importante e influente é o primeiro: ‘A Precessão dos Simulacros’ (na tradução do francês original para o português de Portugal). Outro, não menos importante e referência teórica, chama-se ‘Implosão do Sentido nos Media’.

Passemos à exposição e reflexão desses dois textos teóricos. De acordo com o ensaio nativo, a humanidade vive hoje num tempo em que já não se exige que os signos tenham algum contato verificável com o mundo que supostamente representam. Esta passagem no livro é fundamental, como afirma Baudrillard:

‘Já não existe o espelho do ser e das aparências, do real e do seu conceito. Já não existe coextensividade imaginária; é a miniaturização genética que é a dimensão da simulação. O real é produzido a partir de células miniaturizadas, de matrizes e de memórias, de modelos de comando – e pode ser reproduzido um número indefinido de vezes a partir daí. Já não se tem de ser racional, pois já não se compara com nenhuma instância, ideal ou negativa. É apenas operacional. Na verdade, já não é o real, pois já não está envolto em nenhum imaginário. É um hiper-real, produto de síntese irradiando modelos combinatórios num hiper-espaço sem atmosfera. Nesta passagem a um espaço cuja curvatura já não é a do real, nem a da verdade, a era da simulação inicia-se, pois, com uma liquidação de todos os referenciais – pior: com a sua ressurreição artificial nos sistemas de signos, material mais dúctil que o sentido, na medida em que se oferece a todos os sistemas de equivalência, a todas as oposições binárias, a toda a álgebra combinatória. Já não se trata de imitação, nem de dobragem, nem mesmo de paródia. Trata-se de uma substituição no real dos signos do real, isto é, de uma operação máquina sinalética metaestável, programática, impecável, que oferece todos os signos do real e lhes curta-circuita todas as peripécias. O real nunca mais terá oportunidade de se produzir – tal é a função vital do modelo num sistema de morte, ou antes de ressurreição antecipada que não deixa já qualquer hipótese ao próprio acontecimento da morte. Hiper-real, doravante ao abrigo do imaginário, não deixando lugar senão à recorrência orbital dos modelos e à geração simulada das diferenças’.

Esta discrepância e estranha capacidade dos atuais meios de comunicação de massa, sempre recorrente aos modelos produtivos, fazem com os signos percam a sua capacidade de representação das coisas. Eles se tornam signos vazios e constroem as simulações, dentro de um processo contínuo de produção e circulação de signos, sendo o seu último estágio histórico o das simulações. Assim o simulacro é o oposto da representação, pois ele parte da negação radical do signo como valor, e aniquila todo tipo de referência. Como ressalta Baudrillard: ‘Enquanto a representação tentar absorver a simulação interpretando-o como falsa representação, a simulação envolve todo o próprio edifício da representação como simulacro’. Aqui os signos não têm nenhum contato verificável e verdadeiro com o mundo representado.

Baudrillard apresenta as passagens e estágios sucessivos da imagem até chegar a condição de simulacro. Partindo de uma evolução das sociedades primitivas (para Baudrillard, aquelas em que o real e os signos estão perfeitamente relacionados) até o estágio atual, caracterizado pela reprodução incessante de signos e informação.

Inicialmente, no plano da história, o signo é ‘reflexo de uma realidade profunda’ (esta fase de acordo com alguns estudiosos seria o estágio da fundação e função de linguagem referencial e/ou científica, postuladas por Jakobson). Aqui a imagem é uma representação perfeita. Uma aparência, guardando vestígios básicos e sagrados com o objeto o qual representa. É o signo por excelência. Num segundo momento, ‘a imagem mascara e deforma uma realidade profunda’. Ela é um malefício (domínio da má aparência). Baudrillard em algumas entrevistas correlaciona esta etapa à questão da ideologia e falsa consciência, a qual impede que as pessoas deixem de ver o seu verdadeiro estado de alienação e exploração. No terceiro estágio, o signo ‘mascara a ausência de realidade profunda’ e ‘finge ser uma aparência’, tornando-se o domínio da sedução e fascinação exercida por meios artificiais.

Podemos pensar num exemplo apresentado por Baudrillard noutro ensaio do mesmo livro para esta terceira ordem: o desprezo dos iconoclastas pelas imagens divinas, a qual acreditavam que estas próprias imagens (pelo fato de existirem) legitimavam a ausência da própria divindade. O último estágio, o signo ‘não tem relação com qualquer realidade: ela é o seu próprio simulacro puro’. É a primazia do simulacro. Esta nova ordem do signo, baseia-se na…

‘Produção desenfreada de real e de referencial, paralela e superior ao desenfreamento da produção material: assim surge a simulação na fase que nos interessa – uma estratégia de real, de neo-real e de hiper-real, que faz por todo o lado a dobragem de uma estratégia de dissuasão’.

Outra maneira de pensar o simulacro

Uma outra interpretação pode ser feita a partir de uma pergunta da jornalista Cristina Mateo, da revista espanhola AjoBlanco, no final da década de 1990, para Jean Baudrillard, numa matéria intitulada ‘Os intelectuais nunca existiram’, retirada da internet, com tradução de Rosa Castelo. Na íntegra:

Cristina Mateo: Em ‘Simulacros e Simulação’, 1978, diz que o real não se pode representar e que são os signos que o constroem, as ‘simulações’. Fala de diferentes ‘ordens de simulacro’ num processo onde a crescente circulação dos signos se converte em domínio e, posteriormente em substituição do real, o seu último estágio é ocupado pelas simulações. Acredita que países do sul da Europa – Espanha em concreto, ainda em processo de elaboração da identidade – terá alcançado essa Terceira Ordem de simulacro, ou ainda mantém uma relação entre o real e os seus signos?

Jean Baudrillard: A minha teoria de simulação indica uma evolução desde o que se poderia chamar sociedades primitivas (aquelas em que o real e os signos estão perfeitamente relacionados) até uma ordem que denominaria como ‘Primeira Ordem’ (os séculos XV a XVIII) onde os signos se referem a um significado determinado pela classe, o prestígio e o status. Chega-se assim a uma ‘Segunda Ordem’ de simulacro que se dá a partir da Revolução Industrial, caracterizada pela reprodução do signo, sem se referir a ele, baseado na lei do valor comercial. Finalmente temos a ‘Terceira Ordem’ de simulacro, que é a nossa sociedade, onde os signos já são pura simulação (tecnologia de informação, genética). Daí que não vejo porque razão Espanha e Itália, onde os meus trabalhos estão traduzidos e conhecidos, não façam parte dessa terceira ordem. E por isto é complicado falar de simulacro nos países do Terceiro Mundo.’

Entretanto a tradução do livro de Baudrillard para o português já faz mais de uma década e a tecnologia da informação e a genética estão, atualmente, bastante evoluídas no Brasil. Tanto no uso da internet, projeto genoma humano, e, também na utilização de imagens simuladas no aprendizado de pilotos de aviação, e em alguns programas televisivos, como o Linha Direta da Rede Globo de Televisão. Mesmo assim, na resposta podemos observar que na ‘Terceira Ordem’ apontada por Baudrillard não existe mais representação e domínio das aparências, mas um reino absoluto da simulação.

Este é o reino da sociedade contemporânea, pautada na produção em série de imagens e signos sem nenhuma razão justificada na realidade, onde o objeto é preterido pela imagem, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real. Esta tem sido a história do mundo ocidental. Desde a perda da aura imagética da obra de arte no curso do tempo – como aponta Walter Benjamim – até a era de sua reprodutibilidade técnica, a cultura da humanidade tem perseguido este simulacro perfeito como a própria realidade.

E, hoje, como este simulacro e hiper-real estão presentes no mundo das comunicações sociais? Na sua grande totalidade na programação da televisão, a qual desempenha um papel fundamental ao simular através das imagens o mundo dos acontecimentos, através de informações e notícias, significando o mascaramento da diferença entre o real e o imaginário, entre o ser e a aparência. Elas potencializam o simulacro, o qual é passado como se fosse o real. A TV como a fotografia e a policromia embelezam, enfeitam, espetacularizam o real. Fabricam um hiper-real, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. Acresce-se a isto cada vez mais no plano técnico e artificial, instrumentos intensificadores do hiper-real, a utilização da internet, sites, e-mails, telefones e programas de edição e simuladores em computadores num contínuo show de simulação do espaço hiper-real e espetacular, que mexe com o desejo de consumo de todos.

Este hiper-real simulado é fascinante, pois é o real intensificado na forma, cor, tamanho e propriedades. Parece um mundo de sonhos, que existe para nos servir, e que nos modela através da publicidade com suas imagens sedutoras. O mais certo neste ambiente é que entre as pessoas estão a tecnologia e as suas mensagens, notícias, suportes e imagens criadas. Na sua totalidade, a mediação não é mais feita de homem para homem, e sim a partir destes meios, ou seja, de simulações. A função dos meios de informação agora não é somente informar, mas também refazer o mundo a sua maneira e voz, é hiper-realizar o mundo e transformá-lo em espetáculo.

O povo tasaday

Um exemplo bastante grotesco de como atua o simulacro a partir da televisão é a história da criança que nunca tinha visto uma galinha na vida. Esta criança fora criado até os seus cinco anos num grande centro urbano e nunca tinha ido à zona rural. Num belo final de semana, os pais levaram-na para passear pelo interior do país. Assim que a família chega ao hotel fazenda foram para um imenso quintal. Após alguns minutos, a criança retorna de forma animada e afirma para sua mãe: ‘Venha ver a novidade, venha ver a novidade!’. ‘O que foi?’ Perguntou a mãe. A criança de imediato responde: ‘Mamãe, venha depressa, acabei de ver um Knorr’. Este é o ponto nevrálgico da implosão do signo lingüístico: o signo galinha confunde-se com a própria manufatura, o caldo de carne Knorr. A isto, Baudrillard chama de implosão do sentido causado pela mídia no signo.

O signo verdadeiro (galinha) perde o seu sentido original, e é ultrapassado pelo seu simulacro (a mercadoria caldo de carne Knorr divulgado na TV), a qual tem uma figura (imagem) de uma galinha branca (carijó) num fundo amarelo. Esta imagem mental (a galinha no fundo amarelo) é o fator contaminador, no nosso exemplo, do processo de implosão do signo lingüístico. Eis a realidade virtual.

Concomitantemente, e em resposta à percepção do desaparecimento do real há uma tentativa compensatória de manufaturá-lo, numa hipérbole do que seja verdadeiro, válido e aceito como experiência vivida; dita de outra maneira, o culto à experiência imediata, à realidade crua e intensa, não é a contradição do regime do simulacro, mas o seu efeito simulado.

Baudrillard apresenta um exemplo para sustentar essa hipótese: em 1971, o governo da República das Filipinas decidiu devolver uma pequena tribo de índios Tasaday à floresta virgem, local onde viviam anteriormente durante oito séculos sem contato com o resto das outras espécies, longe, portanto, da influência de outras civilizações. Para Baudrillard, a ciência, querendo proteger o povo Tasaday da sua própria fome destrutiva por conhecimento, na verdade está intercedendo, estendendo e provando o seu poder, embora pareça renunciar a ele. Ao operar a transformação dos Tasaday num modelo em escala, ou simulação de uma civilização primitiva, pré-científica – o outro universal da ciência –, a ciência tanto retira o olhar dos Tasaday quanto os recaptura sem remorsos como representação:

‘O índio assim devolvido ao ghetto, no sepulcro de vidro da floresta virgem, volta a ser o modelo de simulação de todos os índios possíveis de antes da etnologia. Esta dá-se assim o luxo de se encarnar para lá de si própria, na realidade ‘bruta’’ destes índios inteiramente inventados por ela – selvagens que devem à etnologia o serem ainda selvagens: que reviravolta, que triunfo para esta ciência que parecia votada a destruí-los. Claro que esses selvagens são póstumos: gelados, criogenizados, esterilizados, protegidos até à morte, tornaram-se simulacros referenciais e a própria ciência se tornou simulação pura’.

Hiper-realidade

A partir desse exemplo, Baudrillard generaliza ao constatar que toda a vida contemporânea foi desmontada e reproduzida num escrupuloso fac-símile. Entretanto, a disposição de tudo isto está longe a calmaria da satisfação ou indiferença; ao contrário, confirma o que falamos antes ‘uma produção desenfreada de real e de referencial’, de modo que a simulação toma a forma, não de irrealidade como querem crer todos, mas de objetos e experiências manufaturadas que tentam ser muito mais reais do que a própria realidade, nos termos de Baudrillard, ‘hiper-reais’. Mais precisamente: ‘hiper-real é a realidade mais real que ela própria’.

O reino da hiper-realidade implementa uma espécie de colapso de todos os opostos reais na constituição de valor e validades dos sentidos, especialmente na esfera política. As idéias de Baudrillard contidas no livro reafirmam que, estando todo o espectro político dominado pela lógica do simulacro, mesmo os antagonismos mais inveterados, como o Capitalismo e o Socialismo, são anulados pela dependência entre seus termos; a autoridade depende da subversão, assim como esta retira daquela energia. Ao que parece, nenhum evento pode abalar ou desestabilizar os modelos de relação política que precedem e interrompe o curso e a interpretação dos sentidos e palavras desses eventos.

Baudrillard exemplifica de maneira extrema com um atentado a bomba num determinado local, que pode ser tanto manifestação e obra de extremistas de esquerda, de provocadores de extrema direita ou de centristas desejosos de desacreditar o extremismo político. Todas as respostas são pré-fabricadas e programadas, igualmente disponíveis e podem ser ativadas de imediato. O ponto resultante é o fato de o poder e a sua eficácia já não serem assimétricas (um grupo tem o poder e o outro carece dele; dado grupo se beneficia de certa situação e outro padece com ela), mas se distribuírem de maneira uniforme pelo espectro político através do modelo da simulação.

No mundo das comunicações sociais, isto nos remete por assim dizer à fase moderna da história das comunicações sociais, onde o detentor do saber é originado no emissor e a verdade é referendada pelo conhecimento e rotinas produtivas com suas objetividades, imparcialidades, métodos e modelos técnicos utilizados na escritura de uma narração informativa, que num futuro imediato transformar-se-á no atributo maior que é a notícia. E assim sucessivamente, alimentando a própria rotina, também um modelo a ser cumprido diariamente, semanalmente, semestralmente, anualmente, onde para cada tempo e espaço delimitados por uma data comemorativa, efeméride, feriado religioso, dia de santo, aniversário da cidade, campeonato de futebol, que se repetirá novamente todos os anos, impondo um modelo a ser copiado, ensinado e maquiado, pois tudo se constitui num mundo igual, onde os fatos sempre acontecem da mesma maneira. Aqui os modelos precedem os fatos:

‘É que estamos numa lógica de simulação, que já nada tem a ver com uma lógica dos factos e uma ordem das razões. A simulação caracteriza-se por uma precessão do modelo, de todos os modelos sobre o mínimo facto – os modelos já existem antes, a sua circulação, orbital como a bomba, constitui o verdadeiro campo magnético do acontecimento. Os factos já não tem trajetórias próprias, nascem na interseção dos modelos, um único facto pode ser engendrado por todos os modelos ao mesmo tempo. Esta antecipação, esta precessão, este curto-circuito, esta confusão do facto com o seu modelo (acabam-se a falta de sentido, a polaridade dialética, a eletricidade negativa, a implosão dos pólos antagônicos), é sempre ela que dá lugar a todas as interpretações possíveis, mesmo as mais contraditórias – todas verdadeiras, no sentido em que a sua verdade é a de se trocarem, à semelhança dos modelos dos quais procederem, num ciclo generalizado’.

Portanto, neste ciclo incessante e generalizado, todos se beneficiam com uma infração ao código, porque assim o código é consolidado. Nesta situação, os opostos se transformam um no outro; no dizer de Baudrillard, ele ‘implode’, produzindo…

‘uma causalidade flutuante em que a positividade e a negatividade engendram uma à outra e se intercambiam, onde já não há ativo ou passivo’, em que ‘todo ato termina, no final do ciclo, tendo beneficiado a todos e sido disseminado em todas as direções’.

Tentativas-fantoches

O produto deste caldeirão de ansiedade generalizada tem como alvo de conflito nem tanto o poder, mas os signos de poder e o que assombra os participantes deste jogo não é o medo de perder o poder, mas o temor que o próprio poder esteja prestes a desaparecer. Esta situação e reflexão são fundamentais, numa longa citação de Baudrillard:

‘A única arma do poder, a sua única estratégia contra esta deserção é a de reinjetar real e referencial em toda a parte, é a de nos convencer da realidade social, da gravidade da economia e das finalidades da produção. Para isso usa, de preferência, o discurso da crise mas também, por que não o do desejo. ‘Tomem os vossos desejos pela realidade!’ pode ouvir-se como último slogan do poder, pois num mundo irreferencial, até a confusão do princípio de realidade e do princípio de desejo é menos perigosa que a hiper-realidade contagiosa. Fica-se entre princípios e aí o poder tem sempre razão. Enquanto a ameaça histórica lhe vinha do real, o poder brincou à dissuasão e à simulação, desintegrando todas as contradições à força de produção de signos equivalentes. Hoje, quando a ameaça lhe vem da simulação (a de se volatilizar no jogo dos signos) o poder brinca ao real, brinca à crise, brinca a refabricar questões artificiais, sociais, econômicas, políticas. É para ele uma questão de vida ou de morte. Mas tarde demais. Daí a histeria característica do nosso tempo: histeria da produção e da reprodução do real. A outra produção, a dos valores e das mercadorias, a dos bons velhos tempos da economia política, desde há muito não tem sentido próprio. O que toda uma sociedade procura, ao continuar a produzir e a reproduzir, é ressuscitar o real que lhe escapa. É por isso que esta produção ’material’ é hoje, ela própria hiper-real. Ela conserva todas as características do discurso da produção tradicional mas não é mais que a sua refração desmultiplicada (assim, os hiper-realistas fixam numa verossimilhança alucinante um real de onde fugiu todo o sentido e todo o charme, toda a profundidade e a energia da representação). Assim, em toda parte o hiper-realismo da simulação traduz-se pela alucinante semelhança do Real consigo próprio’.

Por conseqüência, este anseio da perda do poder, geram os vigorosos encontros com a realidade, na forma do perigo ou da crise, mesmo que os próprios encontros dessa espécie atuem para estabilizar ainda mais o controle na simulação. Baudrillard relembra o episódio onde J.F. Kennedy foi assinado porque ainda havia a possibilidade de que ele viesse a possuir um poder real; por outro lado, Lyndon Johnson, Richard Nixon, Gerald Ford e Ronald Reagan, que habitam o reino do simulacro, requerem/requereram ‘tentativas-fantoches’ de assassinato, necessitam da ameaça de morte para velar o fato de que eles mesmos não passam de fantoches simulados. O princípio de provar o real simulacional, permitindo-lhe entrar em contato com o seu negativo potencialmente desastroso ocorre em toda parte do sistema:

‘A ideologia não corresponde senão a uma malversação da realidade pelos signos, a simulação corresponde a um curto-circuito da realidade e à sua reduplicação pelos signos. A finalidade da análise ideológica continua a ser restituir o processo objetivo, é sempre um falso problema querer reinserir a verdade sob o simulacro’.

TV-verdade

Seguindo a sua trilha, Baudrillard tece reflexões sobre o fim do panóptico, a suprema máquina descrita por Bentham, usada para controlar todos os lados, linhas, dimensões e voltas do real de um determinado lugar. Num desdobramento do panóptico, Baudrillard apresenta a experiência da TV-Verdade que foi implementada em 1971 com os Louds ao longo de sete meses, com mais de trezentas horas de filmagem direta, mostrando os dramas do cotidiano de uma típica família americana (de certa forma um programa precursor e ‘correspondente’, nos dias atuais, aos reality shows, como a Casa dos Artistas e Big Brother Brasil).

Interessante observar como Baudrillard é taxativo ao comentar que pelo próprio fato desta família se escolher como uma típica família americana, com domicílio na Califórnia, três garagens, cinco filhos, dona de casa, nível social médio, ela já se caracteriza como hiper-real e transmissora do ‘american way of life’ (estilo de vida americano). Convém relembrar, neste momento, o livro ‘América’ escrito em 1986, onde Baudrillard relata a viagem feita aos EUA, e como a sua ‘xenofobia’ disseca a cultura americana, intitulando-a como uma cópia sem modelo, o avesso do sonho e da realidade, o simulacro total: a única sociedade primitiva moderna. Em outras palavras, a utopia da modernidade.

Pois bem, voltemos a questão dos Louds: até que ponto a presença da TV-verdade e a retransmissão das imagens da família impõem critérios, onde o essencial gira na interrogação dos dois pólos a serem vistos: trata-se da verdade desta família ou da verdade da TV? Baudrillard responde de uma forma longa sobre os princípios ativos e passivos deste processo bastante complexo:

‘É a TV que é a verdade dos Louds, é ela que é verdadeira, é ela que torna verdadeiro. Verdade que não é a verdade reflexiva nem a verdade perspectiva do sistema panóptico e do olhar, mas a verdade manipuladora, do teste que sonda e interroga, do laser que explora e que corta, das matrizes que conservam as vossas seqüências perfuradas, do código genético que manda nas vossas combinações, das células que informam o vosso universo sensorial. Foi essa verdade que a família Loud se submeteu pelo médium TV, neste sentido, trata-se de facto de uma aniquilação (mas tratar-se-á ainda de verdade?). Fim do sistema panóptico. O olho da TV já não é a fonte de um olhar absoluto e o ideal do controle já não é o da transparência. (.). Outra coisa se passa quando com os Loud: ‘você já não está a ver TV, é a televisão que o vê a si (viver)’ ou ainda: ‘você não está a ouvir. Não entre em Pânico, é não entre em Pânico que o ouve a si’ – viragem do dispositivo panóptico de vigilância (vigiar e punir) para um sistema de dissuasão onde é abolida a distinção entre o passivo e o activo. Já não há imperativo de submissão ao modelo ou ao olhar. ‘Vocês são o modelo!’ Vocês são a maioria!’ Esta é a vertente de uma sociedade hiper-realista, em que o real se confunde com o modelo, como na operação estatística, ou com o medium, como na operação Loud. Este é o estádio ulterior da relação social, o nosso, que já não é o de persuasão (a era clássica da propaganda, da ideologia, da publicidade, etc.), mas o da dissuasão: ‘Vocês são a informação, vocês são o social, vocês são o acontecimento, isto é convosco, vocês têm a palavra, etc.’’’.

Este curto-circuito da vida na TV – do meio e da mensagem, mistura química impenetrável, de acordo com Baudrillard –, nos indica que todos somos Louds submetidos a esta violência inescapável. A este agente exterior forte, ativo e eficaz que nos olha, manipula-nos, informa-nos e nos aponta o zênite do que seja real e faça sentido. O comando agora é externo, o que ocasiona a própria implosão dos sentidos. Nisto reside o começo da simulação, nebulosa, onde emissor e receptor, principio ativo e passivo se misturam, passando a inexistir, mesmo diante da mais moderna conceituação de razão, a noção de limite, onde o atômico do real está excluído. É a etapa da criação artificial do real, a crueldade da desreferencialidade do mundo dos acontecimentos. Seria o princípio da desinformação da informação? A potencialização deste até o status final da contaminação?

Baudrillard ilustra essa relação entre a desinformação e a manipulação, fazendo lembrar as declarações que dera na época da Guerra do Golfo (1991):

‘Muitos outros acontecimentos (a crise petrolífera, etc.) nunca começaram, nunca existiram, senão como peripécias artificiais – abstract, substituição (‘Ersats’ em alemão) e artefactos de história, de catástrofes e de crises destinadas a manter um investimento histórico sob hipnose. Todos os media e o cenário oficial da informação existem apenas para manter a ilusão de uma acontecionalidade, de uma realidade dos problemas, de uma objetividade dos fatos. Todos os acontecimentos devem ser lidos ao contrário, ou apercebemo-nos (os comunistas ‘’no poder’ em Itália, a redescoberta póstuma, retro, dos goulags e dos dissidentes soviéticos, como a redescoberta, quase contemporânea, por uma etnologia moribunda, da ‘diferença’ perdida dos selvagens) de que estas coisas acontecem demasiado tarde, com uma história de atraso, uma espiral de atraso, que esgotaram o seu sentido com muita antecipação e vivem apenas de uma efervescência artificial de signos, que todos estes acontecimentos se sucedem sem lógica, numa equivalência total das mais contraditórias, numa indiferença profunda pelas suas conseqüências (mas é que já não têm mais: esgotam-se na sua promoção espetacular) – todo o filme da ’actualidade’ dá assim a impressão sinistra de kitsch, de retro e de pornô ao mesmo tempo – isto sem dúvida que todos o sabem e, no fundo, ninguém o aceita. A realidade da simulação é insuportável – mais cruel que o Théâtre de la Cruauté de Artaud, que era ainda o ensaio de uma dramaturgia da vida, o último sobressalto de uma idealidade do corpo, do sangue, da violência de um sistema que já estava a ganhar, no sentido da reabsorção de todos os problemas sem um vestígio de sangue’.

Implosão do sentido nos media

É de conhecimento de todos a importância da comunicação como um elemento imprescindível na realização e força fundamental na constituição e coalizão da sociedade, onde homem, sociedade e a própria comunicação estão indissociavelmente ligados enquanto partes ativas do conjunto de acontecimentos, conhecimentos e relações de um processo maior o qual chamamos de História.

O legado do homem das cavernas, a comunicação, possibilita todo um processo de conhecimento grupal e coletivo: uma comunhão e compartilhamento. Todavia, fica a pergunta: o que o homem sempre comunicou? Informação. Nesse panorama, pela etimologia define-se o termo ‘informação’, o qual origina-se do latim ‘formatio‘, como os elementos que dão forma, informam e organizam as coisas no mundo. Também neste panorama, a comunicação caminha junto com a informação. Estabelece-se uma sintonia de igualdades, de tornar comum e compartilhar algo organizado. A partir da transmissão deste algo organizado e apreendido pelas civilizações primitivas institui aquilo que os sociólogos chamam de ‘cultura humana’.

Esta emancipação cultural do homem, num primeiro momento, é a apropriação do aprendizado e, em seguida, a legitimação que serve para integrar os significados e entendimentos já interligados ao processo. Torna-se algo objetivo a partir da comunicação, pois informa a outrem os conhecimentos adquiridos. A cultura humana torna-se um processo cheio de sentidos. Um processo de comunicação.

Este deveria ser o objetivo da comunicação: a partir do conhecimento da realidade e da idéia de processo, comunicar, informar, ser transmitida e acionada para logo em seguida ser recuperada, entendida. A comunicação como um processo indistinto, onde emissor e receptor, faces da mesma moeda, plenos em capacidade, intervenção e interação, respondendo um ao outro, num contínuo feedback, realizando os caminhos que a mensagem deve seguir para alcançar a sua meta: a própria comunicação.

Infelizmente, no mundo atual acontece o contrário. Nos dizeres de Baudrillard:

‘Sejamos claros quanto a isso: se o Real está desaparecendo, não é por causa de sua ausência – ao contrário, é porque existe realidade demais. Este excesso de realidade provoca o fim da realidade, da mesma forma que o excesso de informação põe um fim na comunicação’.

Três hipóteses

O desdobramento é que vivemos num cativeiro em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido, o qual acarreta uma deflação do sentido, uma implosão de conteúdo. Baudrillard apresenta três hipóteses:

1. Ou a informação produz sentido, mas não tem a potência para compensar a perda brutal de significado em todos os domínios. Mesmo que se injete mais mensagens e conteúdos, a dissipação acontece numa velocidade bem maior. Aqui o problema está nos meios. Deve-se adequar os meios para alcançar os sentidos do entendimento e reflexão;

2. Ou a informação não tem nada a ver com o significado. Ela é operada por um modelo operacional, instrumental, onde uma espécie de código prevaleceria, deixando de lado qualquer traço de relação significativa entre a inflação de informação e a deflação do sentido.

3. Ou, pelo contrário, a correlação é tão grande e necessária que o sentido e conteúdo são anulados pela própria informação. Aqui a perda de sentido é a própria dissolvência da informação e da mídia em geral. Em outras palavras: a informação e a mídia destroem os sentidos.

Baudrillard escolhe esta terceira hipótese, e observa…

‘Esta é a hipótese mais interessante, mas vai contra as acepções recebidas. Em toda a parte a socialização mede-se pela exposição às mensagens mediáticas. Está dessocializado, ou é virtualmente associal, aquele que está subexposto aos media. Em toda a parte é suposto que a informação produz uma circulação acelerada do sentido, uma mais-valia de sentido homólogo à mais-valia econômica que provém da rotação acelerada do capital. A informação é dada como criadora de comunicação, e apesar do desperdício ser enorme, um consenso geral pretende que existe, contudo, no total, um excesso de sentido, que se redistribui em todos os interstícios do social – assim como um consenso pretende que a produção material, apesar dos seus disfuncionamentos e das suas irracionalidades, resulta ainda assim num aumento de riqueza e de finalidade social. Somos todos cúmplices deste mito. É o alfa e o ómega da nossa modernidade, sem o qual a credibilidade da nossa organização social se afundaria. Ora o facto é que ela se afunda, e por este mesmo motivo. Pois onde pensamos que a informação produz sentido, é o oposto que se verifica’.

A explicação, de acordo com as idéias de Baudrillard do porquê a informação engole avidamente a comunicação, o social e os próprios sentidos, são de duas ordens:

1. A comunicação, atualmente, ao invés de se fazer comunicar, pelo contrário, enfraquece-se na sua própria encenação da comunicação. Neste sentido a comunicação é como um sonho em vigília, é a própria simulação. Tudo é reciclado e chantageado pela palavra, a qual é encenada por um tipo de energia que tem no princípio o modelo, o qual põe fim ao real. Sendo inútil, portanto, saber quem vem em primeiro lugar, a comunicação ou o simulacro, pois aqui o processo é circular, a simulação, o hiper-real, mais real que o próprio real, portanto anulando o próprio real.

2. O pano de fundo desta encenação dita anteriormente é a implosão e a própria desestruturação do real. Aqui Baudrillard, observa que a questão central não é mais a extensão macro da implosão do sentido ao nível micro do signo. E esta análise deve ser feita utilizando uma perspectiva culturológica, onde as transformações acontecidas ligam-se cada vez mais as inovações comunicativas, as quais produzem novas modalidades de percepções interligadas à tecnologia de mídia. Traduzindo, este é o postulado máximo do teórico das comunicações de massa Herbert Marshall MacLuhan: o meio é a mensagem (para MacLuhan, em qualquer tipo de comunicação a mensagem transmitida sempre é influenciada pelos meios empregados para transmiti-lo). Operando desta maneira a neutralização dos conteúdos pela forma e pelo meio.

Como destaca Baudrillard:

‘O acto de pôr em causa o estatuto tradicional não se fica pelos próprios media, característica da modernidade. A fórmula de MacLuhan Médium is message, que é a fórmula-chave da era da simulação (o médium é a mensagem – o emissor é o receptor – circularidade de todos os pólos – fim do espaço panóptico e perspectivo – esse é o alfa e o ómega da nossa modernidade) esta mesma fórmula deve ser considerada no limite em que, depois de todos os conteúdos e as mensagens se terem volatilizados no médium, ser o próprio médium que se volatiliza enquanto tal. No fundo é ainda a mensagem que dá ao médium as suas cartas de apresentação, é ela que dá ao médium o seu estatuto diferente, determinado, de intermediário da comunicação. Sem comunicação, também o médium cai na indiferença característica de todos os nossos grandes sistemas de juízo e de valor. Um único modelo, cuja eficácia é imediata, gera, simultaneamente a mensagem, o médium e o ‘real’. Numa palavra, Médium is message não significa apenas o fim da mensagem mas também o fim do médium. Já não há media no sentido literal do termo (refiro-me sobretudo aos media electrônicos de massas) – isto é, instância mediadora de uma realidade para uma outra, de um estado do real para outro. Nem nos conteúdos nem na forma. É esse o significado rigoroso da implosão. Absorção dos pólos um no outro, curto-circuito entre os pólos de todo o sistema diferencial de sentido, esmagamento dos termos e das oposições distintas, entre as quais a do médium e do real – impossibilidade, portanto, de toda a mediação, de toda a intervenção dialéctica entre os dois ou de um para o outro. (.). É inútil sonhar com uma revolução pela forma, já que médium e real são a partir de agora uma única nebulosa indecifrável na sua verdade’.

Vale destacar uma observação importante e que gera muita confusão. Prefiro essa forma e interpretação, de acordo com o Manual da Redação: Folha de S. Paulo – Media/Mídia. ‘Media’ é plural de ‘médium’ e significa meios. Deu origem ao jargão mídia, para designar os meios de comunicação. ‘Media’ não tem o plural formado pelo acréscimo de ‘s’ e não leva acento. Os ‘Media’ no Brasil são. Como a forma original foi suplantada pelo jargão, admite-se o uso das formas singular (mídia) e plural (mídias). Mídia eletrônica designa os meios de comunicação eletrônicos, como a TV e internet. Mídia impressa indica os meios de comunicação impressos, como jornais e revistas. O termo também designa o profissional da área de publicidade que escolhe os veículos em que um anúncio será divulgado.

Implosão de falta de sentido

O fascínio da mídia, o seu espetáculo, é o resultado desta implosão de falta de sentido. Nesta linha de raciocínio, Baudrillard questiona se a mídia está ao lado do poder na manipulação das massas ou estão ao lado das massas na liquidação do sentido, na violência exercida contra o sentido e o fascínio? São os media que induzem as massas ao fascínio, ou são as massas que desviam os media para o espetacular? Baudrillard traça uma estratégia de resistência:

‘Mogadiscio-Stammhein: os media assumem-se como veículos da condenação moral do terrorismo e da exploração do medo com fins políticos, mas simultaneamente, na mais completa ambigüidade, difundem o fascínio bruto do acto terrorista, são eles próprios terroristas, na medida em que caminham para o fascínio (eterno dilema moral, ver Umberto Eco: como não falar do terrorismo, como encontrar um bom uso dos media – ele não existe). Os media carregam consigo o sentido e o contra-sentido, manipulam em todos os sentidos ao mesmo tempo, nada pode controlar este processo, veiculam a simulação interna ao sistema e a simulação destruidora do sistema, segundo uma lógica absolutamente moebiana e circular – e está bem assim. Não há alternativas, não há resolução lógica. Apenas uma exacerbação lógica e uma resolução catastrófica. (…). A resistência estratégica, pois, é de recusa de sentido e de recusa da palavra – ou de simulação hiper-conformista aos próprios mecanismos do sistema, que é uma forma de recusa e de não aceitação. É o que fazem as massas; remetem para o sistema a sua própria lógica reduplicando-a, devolvem, como um espelho, o sentido sem o absorver. Esta estratégia (se é que ainda se pode falar em estratégia) leva a melhor hoje em dia, por que é essa fase do sistema que levou a melhor’.

Não podemos negar que o mundo contemporâneo vive uma ordem diferente das demais. Antigamente, a experiência do real vivido e aprendido, como afirma Benjamim, era comunicada pelos velhos aos jovens de maneira simples e oral, através de provérbios, de forma prolixa e em histórias. Na contemporaneidade, a nova ordem é caracterizada pela invasão da técnica, a revolução da comunicação e a informática que sobrepõe a tudo e a todos, fazendo com que, e cada vez mais, o patrimônio da informação e objetos estejam desvinculada da experiência direta do homem. A transmissão agora é de outra ordem. É da ordem da técnica e mediação dos suportes da comunicação. Esta nova ordem é a negação, em última instância, do real. Conseqüentemente é a ordem do simulacro. Muniz Sodré no livro A Máquina de Narciso: televisão, indivíduo e poder no Brasil deixa isso claro em sua análise sobre o destino do simulacro:

‘Como a imagem de Narciso no espelho, o simulacro é inicialmente um duplo ou uma duplicação do real. A imagem no espelho pode ser o reflexo de um certo grau de identidade do real, pode encobrir ou deformar essa realidade, mas também pode abolir qualquer idéia de identidade, na medida em que não se refira mais a nenhuma realidade externa, mas a si mesmo, a seu próprio jogo simulador. Neste caso, o espelho deixa de ser algo que transcendentemente reflita, duplicando, o real, para tornar-se espaço/tempo operacional, com uma lógica própria, imanente. Sem a necessidade de uma realidade externa para validar a si mesmo enquanto imagem, o simulacro é ao mesmo tempo imaginário e real, ou melhor, é o apagamento da diferença entre real e imaginário (entre o ‘verdadeiro’ e o ‘falso’). De fato, um certo imaginário, tecnologicamente produzido, impõe o seu próprio real (o da sociedade industrial), que implica um projeto de escamoteação de outras formas de experiência do real’.

Perplexidade contemporânea

Como podemos observar, os trabalhos de Baudrillard nos apontam que deixamos para trás a era da duplicação representativa (do real) pela imagem, e entramos num novo tempo: o da duplicação e reprodução simuladora, local onde a imagem assume o papel de validade das coisas, relegando e abolindo o aval da verdade ‘verdadeira’ referenciada no real.

‘O real não desaparece em proveito do imaginário, ele desaparece em proveito do mais real que o real: o hiper-real. Mais verdadeiro que o verdadeiro: assim é a simulação’.

Baudrillard também argumenta que:

‘A simulação é o êxtase do real: basta assistir à televisão: todos os fatos reais se sucedem numa relação perfeitamente extática, isto é, em atrações vertiginosas e estereotipadas, irreais e repetidas, que permitem sua sucessão absurda e ininterrupta. Extasiado: assim é o objeto na publicidade, e o consumidor na contemplação publicitária – reviravolta do valor de uso e do valor de troca, até a anulação na forma pura e vazia da marca’.

Em síntese, o hiper-real é muito mais que um método usado para exagerar as conseqüências do real. No entender de Jacque Aumont no livro A imagem:

‘O simulacro não provoca, em princípio, a ilusão total, mas a ilusão parcial forte o suficiente para ser funcional; o simulacro é um objeto artificial que visa ser tomado por outro objeto para determinado uso – sem que, por isso, lhe seja semelhante’.

É um fórum criador e destruidor de signos, fazendo crer que o real focalizado e mostrado como se fosse a única expressão de verdade do real. Na nova ordem do mundo, o real é algo bruto e difícil de ser domado. Já o simulacro é de uma ordem mais calma, organizada, transitória e maleável, permitindo, portanto, a criação de uma hiper-realidade, uma realidade mais real que ela mesma. Um real intensificado, criado e desejável como aparência.

O hiper-real é manso, não reflexivo, um grande fórum conciliador. Ao mesmo tempo apresenta o mal, e serve-se do bem regiamente escolhido e apresentado. Opera, portanto, de maneira plural, integradora e sem qualquer força de exclusão (apesar de que ele por si só é o próprio valor de exclusão) a política, religião, esportes, arte, jornalismo e a ficção. O hiper-real quer é impressionar, seduzir, não para informar ou relatar como bem observa Baudrillard, mas para influenciar e conduzir o público às convicções e conjunto de idéias (ideologia) desejadas pelo emissor, a partir dos anseios e pedidos de segurança social e exigências de felicidade e alegria por parte dos espectadores. Vivemos num mundo de signos, onde se prefere a imagem ao objeto, o simulacro ao real; o hiper-real, que expressa a perplexidade contemporânea.

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Principais livros de Jean Baudrillard publicados no Brasil e Portugal:

Simulacros e Simulações (Relógio D´Água, Portugal)

O Sistema dos Objetos (Perspectiva, Brasil)

Para Uma Crítica da Economia Política do Signo (Martins Fontes, Brasil)

Esquecer Foucault (Rocco, Brasil)

A Troca Simbólica e a Morte (Loyola, Brasil)

À Sombra das Maiorias Silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas (Brasiliense, Brasil)

América (Rocco, Brasil)

Tela Total: mito e ironias da era do virtual e das imagens (Sulina, Brasil)

A Ilusão Vital (Civilização Brasileira, Brasil)

O Anjo do Estuque (Sulina, Brasil)

Da Sedução (Papirus, Brasil)

Telemorfose (Mauad, Brasil)

As Estratégias Fatais (Rocco, Brasil)

A Arte da Desaparição (UFRJ)

Senhas (Difel, Brasil)

Power Inferno (Sulina, Brasil)

Partidos Comunistas (Rocco, Brasil)

A Transparência do Mal: ensaio sobre os fenômenos extremos (Papirus, Brasil)

A Troca Impossível (Nova Fronteira, Brasil)

De um Fragmento ao Outro (Zouk, Brasil)

Cool Memories 1 – 1980-1985 (Espaço e Tempo, Brasil)

Cool Memories 2 – Crônicas, 1987-1990 (Estação Liberdade, Brasil)

Cool Memories 3 – Fragmentos, 1991-1995 (Estação Liberdade, Brasil)

Cool Memories 4 – Crônicas, 1996-2000 (Estação Liberdade, Brasil)

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Jornalista e escritor, autor de Pavios Curtos (anomelivros, 2004). participa da antologia O Achamento de Portugal (anomelivros, 2005); tem dois livros no prelo