Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

O poder e a influência dos vaticanistas

Com o início do processo da igreja católica para eleger seu próximo papa, os vaticanistas, como são conhecidos os repórteres e historiadores especializados no Vaticano e na Santa Sé, agem como guias para os mais de cinco mil repórteres credenciados a cobrir o evento. Geralmente devotos em público, os vaticanistas interpretam para os leigos as sombras por trás das paredes do Vaticano.

No seu melhor, os mais bem informados oferecem análises profundas e criteriosas sobre o que acontece no topo da hierarquia da igreja. No seu pior, são emblemáticos do jornalismo italiano obcecado por conspirações, usando fontes rasas e muitas vezes imaginárias como meio de influenciar a cobertura.

Vaticanistas de peso

De qualquer modo, os mais influentes – como Andrea Tornielli, que escreve para o La Stampa e o Vatican Insider, site do jornal sobre a igreja católica – parecem ter, de fato, impacto no processo de escolha do novo papa. “Eles não são observadores. Eles são jogadores. E essa é sua grande chance”, opina o reverendo Thomas J. Reese, autor do livro Inside the Vatican (Por dentro do Vaticano) e professor do Centro Teológico Woodstock da Universidade Georgetown.

Em alguns momentos, o Vaticano enxerga os vaticanistas como uma ameaça. Nos dias que antecederam a renúncia de Bento XVI, a imprensa que cobre o Vaticano divulgou o conteúdo de uma investigação secreta realizada por três cardeais sobre o escândalo que ficou conhecido como VatiLeaks. A hipótese de que foram repórteres judiciais italianos – e não vaticanistas – que vazaram o escândalo levantou ares de teoria da conspiração.

As acusações de fontes não identificadas no jornal La Repubblica de que havia no Vaticano uma “rede gay de padres” gerou um rebuliço na mídia, especialmente depois que a notícia foi disseminada em inglês pelo jornal britânico The Guardian. A polêmica fez com que o Vaticano declarasse que “notícias não verificadas ou completamente falsas, que causam danos sérios a pessoas e a instituições, substituíram os chamados poderes, como os governos, que pressionavam pela eleição do papa”.

Tornielli, que chegou a dizer no passado que havia uma tendência anticatólica na grande mídia, afirma não tomar lados. “Desafio qualquer um a encontrar em meus artigos evidências de que estou em um lado ou em outro. Estou apenas tentando descrever os mecanismos do poder como eles são”, defende-se.

Os repórteres mais respeitados do Vaticano concordam. John L. Allen Jr., do National Catholic Reporter, é visto como o vaticanista americano mais afiado e conectado. Para ele, como a grande maioria das fontes da imprensa italiana no Vaticano é fraca ou inexistente, o jornalista que se dedica ao assunto acaba aprendendo em quem confiar simplesmente ao observar as previsões que se concretizam. Segundo ele, Tornielli é um dos que acertam, assim como Sandro Magister, da revistaL’Espresso.

Especulações sobre o futuro papa

Ao contrário de outros vaticanistas, Magister acertou quando apostou que Georg Ganswein, braço-direito de Bento XVI, não seria dispensado por ter falhado em detectar o vazamento de documentos papais, e sim ganharia mais poder. Ganswein realmente recebeu uma promoção e o Vaticano anunciou que ele viverá com Bento XVI e poderá voltar a ser o prefeito regional da Casa Pontifícia. Na semana passada, o vaticanista fez uma previsão de que um americano – seja o cardeal Timothy Dolan, de Nova York, ou o cardeal Sean O’Malley, de Boston – será escolhido como o novo Papa.

Tornielli e Magister são vistos como uma volta auma era de ouro da cobertura sobre o Vaticano. Há algumas décadas, diz Allen, “esse era o trabalho que todos queriam”, porque João Paulo II era tido como uma pautamelhor do que o governo italiano. Mas Silvio Berlusconi, maior personalidade política do país desde Mussolini, produziu um novo centro de gravidade, e este cenário mudou.

Assim como muitos no Vaticano, os vaticanistas tendem a ter uma visão centrada na Itália no que se refere ao sucessor de Bento XVI. Allen diz que, apesar de a Itália ter o maior grupo de cardeais – são 28 –, o número pode distorcer a realidade.

Na semana passada, Tornielli publicou uma informação que chamou a atenção dos insiders do Vaticano: o nome do cardeal de São Paulo, Odilo Scherer, para futuro papa, com o cardeal italiano Mauro Piacenza como seu segundo na linha de comando. Piacenza, chefe dos clérigos do Vaticano, é uma figura altamente conservadora e controversa. Muitos funcionários do Vaticano já disseram que veem a inclusão de Piacenza como um esforço de suas fontes para torpedear a candidatura de Scherer – o que foi negado por Tornielli. “Isso é algo que estava sendo discutido pelos cardeais”, diz o vaticanista sobre a “chapa”. “Tenho muito cuidado de não me permitir ser usado por ninguém”, completa.