Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Agências experimentam com “narrativas ilustradas”

Ao contar histórias sobre questões sensíveis, é fácil se prender às narrativas mais familiares. Mas algumas organizações de notícias, como o Centro de Reportagens Investigativas e a California Watch, começaram a experimentar com novas maneiras de se abordar temas sérios, envolvendo ilustrações, narração e reportagens profundas. Individualmente, essas formas de narrativa não são novas. Combinadas, representam um novo tipo de jornalismo.

Um dos melhores exemplos é o vídeo “No quarto de Jennifer”, da California Watch. O repórter Ryan Gabrielson passou um ano e meio expondo os abusos e a negligência sofridos por pacientes de centros de desenvolvimento para inválidos na Califórnia. No projeto chamado “Escudo quebrado”, ele descobriu 36 casos de estupros dentro dos centros que não foram investigados corretamente, assim como vários casos de morte em circunstâncias misteriosas.

Além da história sobre esse sistema falido, Gabrielson também acompanhou o caso de Jennifer, paciente de um dos centros que foi estuprada por outro paciente – e engravidou. O caso foi resolvido na corte civil e ninguém foi considerado culpado. A família da garota não quis se identificar. Este poderia facilmente se tornar mais um dos casos que o público nunca chegou a ouvir.

Até o dia em que a produtora em multimídia Carrie Ching, do Centro de Reportagens Investigativas, sentou com Gabrielson para achar um jeito de contar essa história além da versão impressa. “Ryan me explicou que não tínhamos fotos, tínhamos entrevistas em áudio, mas nada visual que pudéssemos usar. Mas tínhamos uma grande história humana para contar dentro dessas limitações”, diz Carrie. “Conversamos sobre transformar isso em um e-book, então pensei que precisaríamos de ilustrações”. Foi quando uma nova ideia surgiu. “Nós chamamos ela de narrativa ilustrada”.

Gabrielson, Carrie e a ilustradora Marina Luz usaram os documentos da corte para montar a história de Jennifer. Todos os elementos visuais do vídeo de 11 minutos usaram os desenhos de Luz, a voz de Gabrielson e a voz de uma atriz representando a mãe de Jennifer nas entrevistas concedidas ao repórter.

Mesmo que a história seja contada através de desenhos, Carrie diz que houve pouca licença artística. A história inclui ilustrações dos machucados de Jennifer, descritos nos documentos da corte, e desenhos de seu quarto. Sem esse formato, a história estaria relegada à versão impressa.

Mark Katches, diretor editorial do Centro de Reportagens Investigativas, diz que a “narrativa ilustrada” enriqueceu o entendimento do público sobre os centros para incapacitados. “Eu poderia assistir ao ‘No quarto de Jennifer’ e aprender muito sobre o que está acontecendo e não está na edição impressa”, afirma. “Nosso objetivo não é só fazer uma versão em vídeo da história impressa, mas ir além. Muitas vezes projetos multimídia acabam sendo redundantes”.

Gabrielson se descreve como um “jornalista de impresso” e não possuía nenhum treinamento de voz antes do projeto. “Não usei um roteiro. Contei a história nas minhas próprias palavras”. A técnica adicionou um estilo coloquial raramente experimentado em narrativas multimídia.

O projeto também faz uso de muita música de fundo, recurso abandonado pela televisão norte-americana nos últimos anos por se acreditar que cria um tom editorial. Mas a equipe da California Watch não vê dessa maneira. “É uma história assustadora”, diz Carrie. A música reflete isso: “eu acho que marcamos um tom com a música. É assustador e poderoso. É isso que queríamos comunicar. É um assunto pesado”, diz Katches.

Entre os mais vistos

Esse estilo de “narrativa ilustrada” no jornalismo tem aparecido de diversas maneiras recentemente, e com frequência inclui uso de animação. Durante as Olímpiadas de Londres, o New York Times utilizou a técnica para mostrar quão rápidos estão os corredores.

O Centro de Reportagens Investigativas recentemente produziu uma notícia usando animação para mostrar como países utilizam meios controversos para regular a pesca. A mesma forma foi usada para contar os efeitos ambientais da pecuária.

Uma questão acerca desse estilo é se as pessoas realmente gastariam seu tempo para assistir a esse tipo de vídeo. Como se vê, o vídeo “No quarto de Jennifer” está hoje no ranking dos mais assistidos do site de reportagens I-Files no YouTube. “Dos vinte vídeos mais assistidos no I-Files, oito foram produzidos pela nossa equipe”, diz Carrie. Um dos vídeos mostra a história do soldado que atirou em Osama Bin Laden, e já foi visto por mais de 250 mil pessoas.

Todos do Centro de Reportagens Investigativas concordam que existem dois ingredientes-chave no projeto. O primeiro é iniciar as conversas antecipadamente. O time que produziu “No quarto de Jennifer” começou a se reunir sobre o projeto meses antes de sua exibição final. As conversas permitiram a equipe responder questões e oferecer ideias para a narrativa e os detalhes artísticos.

O segundo ingrediente é a apuração cuidadosa. Dentro do projeto estão um ano e meio de reportagem sobre o sistema de saúde do estado da Califórnia. As ilustrações ajudam a contar a história, mas não substituem o trabalho jornalístico.