Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Em editorial controverso, ‘Washington Post’condena vazamentos

Nos EUA, há um grupo de repórteres e intelectuais revoltados com organizações de mídia e delatores que estariam, na sua opinião, “conspirando” para expor os programas de vigilância do governo. É o que a revista eletrônica Salon chamou de “Jornalistas Contra o Jornalismo”. Para eles, o melhor jornalismo não é o que desafia o poder ou lança luz no funcionamento interno de um governo, e sim o que protege o poder e mantém o público às escuras.

Antes da publicação de editorial do Washington Post, no dia 3/7, intitulado “Cobrindo os vazamentos no caso Edward Snowden”, esse grupo poderia ser visto apenas como uma “coleção de indivíduos”. Mas o editorial surpreendeu e, censurando as revelações do ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional (NSA), dizia que “a prioridade americana deveria ser prevenir Snowden de vazar informação” e que ele “teria roubado muito mais documentos e cópias encriptadas que podem ter sido dados a aliados como o WikiLeaks”.

O mais surpreendente sobre o editorial, reflete o jornalista David Sirota, da Salon, é que ele contraria o próprio jornalismo doWashington Post. O diário foi uma das duas organizações procuradas por Snowden (além do Guardian) e que em seguida publicaram matérias sobre os documentos vazados sobre o programa de monitoramento de dados da internet pela NSA. Isso significa que o editorial do Post representa claramente os superiores do jornal emitindo uma lamúria contra sua própria fonte e os repórteres que ajudaram a trazer o vazamento para a esfera pública.

Tal atitude sem precedentes expõe a intensidade da antipatia ideológica dos donos da grande mídia ao jornalismo. Sugere que a alta administração do Post está aparentemente tão ideologicamente comprometida à subserviência ao estado de segurança nacional que sente a necessidade de tomar o passo extraordinário de reprimir publicamente sua própria fonte e sua própria redação pelo suposto “crime de praticar o jornalismo”.

O editorial em questão é equivalente ao jornal ter emitido um editorial em 1972, não pedindo que houvesse mais informações sobre o presidente Richard Nixon, mas insistindo que a prioridade de seu governo deveria ser prevenir o “Garganta Profunda”, fonte do caso Watergate, de vazar informações e se preocupar com o fato de ele ter mais dados que poderiam em breve ser revelados pelos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein.

De certa forma, a situação é quase hilária. O “quase” fica por conta dela potencialmente intensificar um efeito de censura no jornalismo investigativo. Mesmo com uma separação teórica entre conselhos editoriais e redações, as redações são conhecidas por falar por quem toma as decisões do jornal. Com base no editorial, os maiores tomadores de decisão do Post estão dizendo a seus repórteres que ter fontes e colaborar com quem vaza informações confidenciais não é algo necessariamente valorizado – sendo até mesmo desaprovado.