Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Os desafios da primeira mulher a dirigir o ‘Monde’

Em seu escritório na sede do Le Monde, em Paris, Natalie Nougayrède, a primeira mulher a comandar o diário francês, admite que chegou em um momento emotivo para o jornal mais vendido do país.

Após décadas de dívidas e à beira do colapso, o Monde foi comprado por um conglomerado de três executivos. Prometendo proteger a independência editorial do jornal de centro-esquerda (que em seus primórdios era famoso por sua prosa empolada e por não ter fotos), eles financiaram uma reformulação.

Dirigindo a reformulação estava o benquisto e dinâmico editor Erik Izraelewicz. No entanto, em novembro, Izraelewicz sofreu um ataque cardíaco e morreu. “Perder um editor é traumático, foi um evento muito triste para todos”, diz Natalie. Em março, ela foi eleita com 80% de aprovação em uma votação entre os jornalistas do Monde. No mês passado, passou por uma polêmica com um dos donos do jornal, Pierre Bergé, por aceitar um anúncio contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O assunto trouxe à tona a questão de independência do jornal.

Bergé, que defendeu o projeto de lei que legaliza o casamento entre homossexuais, fez uma série de comentários no Twitter atacando o anúncio. Natalie respondeu que a peça estava de acordo com as regras de publicidade do Monde e que o jornal produziu “uma boa cobertura, absolutamente independente” sobre o debate. “Os acionistas podem ter suas opiniões. Têm personalidades fortes, mas nós estamos apenas fazendo o nosso trabalho. Eu comando o jornal, sou responsável por sua independência, seu conteúdo de alta qualidade e pelo bem-estar de nossa redação. É isso que eu defendo”, diz ela.

Intrusa

Natalie é, de certo modo, uma “intrusa”: nunca ocupou nenhum posto de comando na hierarquia do jornal. Em vez disso, ela era o que chama de “pé no chão, com botas sujas”, uma correspondente internacional que cobria a Rússia e a Europa Oriental, ganhadora de prêmios pela cobertura dos conflitos na Chechênia, que retornou a Paris para se tornar uma das mais elogiadas correspondentes diplomáticas da cidade.

Sua visão para o Monde é baseada em um distanciamento obstinado dos mais altos níveis de poder, em um país em que jornalistas e políticos sempre foram muito próximos. Natalie quer proteger o status de instituição nacional do jornal ao investir em jornalismo investigativo e reportagens longas e de qualidade. No último mês, uma investigação sobre evasão de impostos, feita em parceria com outros jornais internacionais, aumentou as vendas do Monde e o acesso ao seu site.

“Em um tempo em que somos inundados com informação de várias fontes, em que agências de relações públicas são bastante ativas nos campos político e econômico, é realmente importante que exista um referencial. É importante produzir notícias originais e análises originais, sendo forte nos fatos. Não existirão aproximações, quero tudo apurado, sólido”, diz.

A internet e o futuro do jornal

A primeira grande ação de Natalie no comando do Monde foi o lançamento de uma seção diária de economia, na semana passada. A nova seção é eclética e mostra a força dos correspondentes internacionais, com trabalho investigativo e reportagens sobre mercados emergentes e novos setores tecnológicos.

O maior desafio dela, no entanto, é a internet. O site do Monde é uma mistura de conteúdo gratuito com paywall(por 15 euros mensais, os leitores têm acesso a análises profundas, material de arquivo e vídeos). Com mais de dois milhões de visitantes únicos mensais, ele é o maior site jornalístico da França. Atualmente, possui 43 mil assinantes digitais, mais 67 mil assinantes do formato impresso mais digital. A meta é triplicar ou quadruplicar o número de assinantes digitais nos próximos anos. No mês passado, o site para assinantes foi reformulado, com acesso a artigos exclusivos, um botão que deixa a tela para leitura mais limpa, navegação horizontal e mais vídeos e gráficos.

A próxima tarefa de Natalie não será fácil: fundir a redação do jornal impresso com o site, que permanecem separados. “É bastante revolucionário para o jornal e faremos isso passo a passo”.

A edição impressa sempre irá existir? “Não acho que devemos enterrar nossos jornais impressos”, responde ela, lembrando que “ninguém pode dizer o que acontecerá daqui a 50 anos, mas acho que existe futuro para os jornais. Mas eles devem ser mais pertinentes, melhores e mais seletivos”.

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