Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Paulo Rogério

‘‘Entender e utilizar os procedimentos judiciais na apuração de notícias, além de minimizar injustiças, ajudaria a mídia a pensar melhor e oferecer ao público um produto de melhor qualidade.’ (Luis Nassif, jornalista)

O assassinato da garota Alanis Maria Laurindo de Oliveira, 5, e a caçada ao culpado mobilizaram as atenções do fortalezense durante toda a semana. Os veículos de comunicação, na ânsia de informar, foram atrás, alguns atropelando alguns procedimentos básicos. Teve suspeito que virou acusado, acusado que se transformou em suspeito, exposição de imagens indevida e alguns excessos. A questão jurídica é imensa quando fala da preservação da imagem e da privacidade. A mídia, na maioria das vezes, tem dificuldades em obedecer às etapas legais, o que fica visível a cada matéria polêmica como foi o Caso Alanis. Muitos leitores perceberam isso e protestaram.

O POVO deu amplo destaque ao assunto em seu noticiário. Um drama que proporcionou seis manchetes em sete dias. A primeira delas, no dia 9, estampou ‘Menina de 5 anos é raptada, estuprada e morta’ – já causou um mal-estar entre os leitores. ‘O uso da expressão -estuprada-, além de ser de abominável gosto, principalmente pelo fato de se tratar de uma criança de cinco anos, fere o jornalismo exato’, escreveu o estudante de jornalismo Victor Ximenes. ‘O jornal não poderia afirmar que a menina foi vítima de violência sexual’, protestou Geimison Maia. Para ele, faltava o laudo oficial para comprovar o fato. E indício não é fato.

Realmente o termo estupro, naquele dia, foi usado somente na manchete. No texto ‘Menina é achada morta em matagal’, a referência a alguma violência sexual é atribuída a uma inspetora que afirmou haver a existência de ‘fortes indícios de que a vítima foi estuprada’. A cobertura prosseguiu no dia seguinte com uma prisão. Entre a manchete & exclusiva & e a matéria, a primeira confusão apontada pelos leitores. ‘Preso suspeito de matar a menina Alanis’. O texto dizia: ‘Um suspeito acusado de ter assassinado a menina Alanis…’. Ora, é suspeito ou acusado? De acordo com o Guia de Redação e Estilo do O POVO, só são considerados acusados aqueles contra quem a denúncia tenha sido aceita pelo juiz. Naquele momento não havia. Mas teve o lado positivo. Nem o rosto e nome foram publicados.

No dia 11, O POVO publicou o retrato falado divulgado pela polícia. O nome dos irmãos continuou preservado. Atitude correta. Seguem matérias sobre vizinhança, drama dos pais, investigação, insegurança. A entrevista com a mãe de Alanis causou surpresa ao leitor Ireleno Benevides. ‘Está havendo a espetacularização da notícia. O jornal está ficando de um jeito que se apertar vira sangue’, reclamou.

As mensagens pedindo justiça, pena de morte e até linchamento já superavam a casa de 400 no O POVO Online. Outro leitor, o advogado Márcio Bessa Nunes, reagiu indignado, diante da divulgação, no dia 13, do nome dos envolvidos e a foto de um deles. ‘Continuo entendendo que não se combate uma barbárie com outra (ferimento da garantia constitucional da presunção de inocência e direito à imagem e intimidade)’.

Mudanças na lei

Questionada sobre o uso da palavra estupro, a Chefia de Redação do O POVO afasta qualquer precipitação. ‘A legislação que rege o crime de estupro, artigo 213 do Código Penal Brasileiro, passou por modificações. A ação violenta à criança, e não apenas só a confirmação por exame laboratorial, já enquadra este caso em evidência como estupro’. A Chefia não considera que houve excessos nem sensacionalismo dada a repercussão nacional do caso.

A editora-adjunta Juliana Matos Brito, do Núcleo Cotidiano, também reforça a cobertura prudente. Sobre o tratamento dos envolvidos, ela disse que ‘falamos em acusado quando já há algo de concreto da Polícia em relação a essa pessoa’. Já a decisão de publicar fotos e nomes foi tomada, segundo ela, após o indiciamento.

Críticas ou elogios à parte, cabe à imprensa agora estimular o debate diante do que ficou claro com a comoção, exercendo sua função social. Primeiro, a falha do controle da população carcerária. Segundo, a ineficiência da Polícia em cumprir ordens judiciais. E por último, instigar os legisladores a reverem as leis penais brasileiras. Além, é claro, de cada profissional se preparar melhor com os detalhes jurídicos em suas matérias.

Para lembrar

O caso Escola Base, em São Paulo, data de abril de 1994. Na época, alguns pais denunciaram à polícia que os proprietários e funcionários da instituição abusavam sexualmente de alunos.Jornais e emissoras de televisão aceitaram os indícios da polícia e produziram uma série de reportagens. As consequências foram imensas. A escola foi depredada, os envolvidos foram presos e perderam a credibilidade. No entanto, nada foi provado e o inquérito acabou arquivado. A vida das pessoas, no entanto, foi totalmente alterada.’