Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A Cúpula das Américas em Los Angeles e a desorientação do país anfitrião

De 6 a 10 de junho de 2022, os Estados Unidos sediaram a nona Cúpula das Américas na Califórnia. A Cúpula fundadora foi organizada em Miami em 1994. Antes de retornar aos Estados Unidos, esses encontros continentais percorreram as Américas, da Argentina ao Panamá, passando pelo Chile e a Colômbia. Essas cúpulas reúnem informalmente, com uma agenda comum, os 35 países membros da OEA, que assegura o secretariado do encontro. A 9° Cúpula não é exceção. Intitulada “Construindo um futuro sustentável, resiliente e equitativo”, nela deve se tratar do meio ambiente, das respostas à pandemia e das políticas sociais. Tantos assuntos transversais que “concernem a todos” tal como precisou, na tribuna, Brian Nichols, encarregado das Américas no governo dos Estados Unidos. [1]

No entanto, como é possível constatar mais uma vez, em Los Angeles, há um longo caminho a se percorrer da teoria à prática. De fato, Cuba teve que esperar pela sétima Cúpula, no Panamá, em 2015, para ingressar no grupo. A Venezuela foi privada de um convite em 2018. E desta vez, Cuba, Nicarágua e Venezuela estão em vias de ficar em casa. Estas presenças em suspenso refletem a ambiguidade variável das relações entre o Norte e o Sul do “Hemisfério Ocidental”. Elas apontam para uma ferida que ainda está aberta, por falta de uma definição mais acertada de seu papel. Essas Cúpulas são de fato baseadas em um projeto de cooperação intergovernamental, abordando questões transversais, independentemente das orientações ideológicas dos países participantes? Ou, diferentemente disso, têm por vocação cobrar um ingresso aos participantes condicionado à apreciação de uma partitura composta pelos Estados Unidos?

A nota “lá”, desde o início, foi tocada por Washington, então uma potência mundial indiscutível e a maior potência das Américas, que deu o tom. Terminada a Guerra Fria, e a URSS enterrada, os Estados Unidos lançaram uma operação de sedução na direção de seus vizinhos. George Bush pai havia feito uma turnê latino-americana sem precedentes em 1991 para oferecer a todos uma nova aliança, do Alasca à Terra do Fogo, com um duplo argumento. Em primeiro lugar, ele lembrou o fato de que todos esses países têm em comum, do Canadá ao Chile, uma história de luta contra os colonizadores do “velho continente”. Bush também lembrou que esses países do velho continente tinham se agrupado e formado a Comunidade Europeia e isso ameaçava o comércio entre os países da América. Em segundo lugar, lembrou que era preciso, juntos, nos proteger, no lado ocidental, das crescentes ambições asiáticas, especialmente japonesas, à época. Este denominador comum lembrado pelo chefe do estado americano foi recusado em duas etapas. Uma foi a recusa econômica, do acordo da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas. A outra, foi diplomática, apelidada de Cúpula das Américas, ambas iniciadas pelo sucessor de George Bush, Bill Clinton.

O que se seguiu foi um longo “Caminho da cruz”. O bom funcionamento das cúpulas foi progressivamente minado apesar das tentativas da Casa Branca, regularmente minadas pelos latino-americanos. Torpedeada pelos governos progressistas da América Latina, a ALCA, ou Área de Livre Comércio das Américas, afundou, de corpo e alma, em 2005, na quarta Cúpula em Mar del Plata. Na sexta, em Cartagena, em 2012, um novo clamor ameaçou a sobrevivência dessas reuniões. Uma maioria exigiu que os Estados Unidos incluíssem Havana. Barak Obama cedeu. Cuba foi convidada para a sétima e a oitava cúpula. E, para completar, em 2014 os Estados Unidos restabeleceram as relações diplomáticas que haviam sido rompidas em 1961, com Cuba.

Agraria em muito ao Presidente Biden uma Cúpula de Los Angeles que atendesse a seus próprios padrões liberais, quando então tentaria alinhar as Américas no diapasão quanto aos pontos bons e ruins que devem ser atribuídos aos atores da guerra europeia iniciada na Ucrânia pela Rússia. De um lado, permitir, em Los Angeles, o ingresso daqueles que estão do lado da lei e da liberdade. De outro, fechar a porta para Cuba, Nicarágua e Venezuela, maus alunos em democracia, e amigos da Rússia.  Esse combinado, em forma de cacto, é um tanto difícil de se manter. Os chefes de Estado do Brasil e de El Salvador, com práticas democráticas incertas, foram convidados. Os Estados Unidos se aproximaram da indisciplinada Venezuela, graças à sua aceitação de certas sanções destinadas a colocar o país novamente no caminho da “liberdade”, afinal, o petróleo impôs isso, já que os EUA visam colocar as mãos nesse recurso disponível nesse país vizinho, já que decidiram parar de comprar da Rússia, país que agora foi colocado no banco da infâmia da sociedade internacional. Apesar disso, a Venezuela não foi convidada a ir a Los Angeles. Em 23 de maio, Washington anunciou que estava participando de um acordo comercial com vários países asiáticos, alguns dos quais não são muito democráticos [2]. Finalmente, o contexto das eleições legislativas norte-americanas de meio-termo pesa sobre o não-convite de Cuba. Como o burro de Buridan [3], o chefe de justiça norte-americano está preso entre as exigências do movimento anti-Castro e as expectativas das famílias cubanas que emigraram para os Estados Unidos e querem ver suspensas as sanções.

Vários países latino-americanos criticam o duplo padrão norte-americano, que alterna a alta moralidade com a defesa de interesses próprios, da política interna. Vários governos ameaçaram não comparecer se os Estados Unidos mantivessem Cuba, Nicarágua e Venezuela fora da Cúpula. Bolívia, Guatemala, Honduras e México multiplicaram os alertas. Outros Chefes de Estado marcarão presença, mas condenaram veementemente a exclusão de três Estados membros da OEA. Argentina e Chile fazem parte deste grupo.

O Departamento de Estado se viu em dificuldade e deu início a uma operação, do tipo aquela de “mercadores de tapetes”. Joe Biden ligou para o presidente argentino Alberto Fernandez, que terá direito a uma reunião particular com o presidente em Washington em 25 de julho. Um notável membro do PRI mexicano, preso nos Estados Unidos, acaba de ser extraditado para o México. O infrequentável Jair Bolsonaro, também conseguiu uma audiência com Joe Biden, em Los Angeles. Como resultado dessa jornada diplomática browniana, em 1º de junho, cinco dias antes da abertura da conferência, “os Estados Unidos ainda não divulgaram a lista de participantes”. [4]

“Quem muito abraça, nada segura”, lembra um velho ditado, o que aliás pode ter inspirado aquele comentário publicado pelo Los Angeles Times em 31 de maio, de que “a cúpula será uma cúpula para nada”.

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Texto publicado originalmente em francês, em 8 de Junho o de 2022, na seção ‘Analyses’, no site IRIS Institut de Relations Internacionales et Stratégiques. Paris/França, com o título original “Le Sommet des Amériques à Los Angeles, déboussolé par le pays hôte”. Disponível em https://www.iris-france.org/168028-le-sommet-des-ameriques-a-los-angeles-deboussole-par-le-pays-hote/. Tradução de Jeniffer Aparecida Pereira da Silva e Luzmara Curcino.

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Notas:

[1]  Brian Nichols, “Summit of the Americas 2022”, In: El Sol de México, 3 de junho de 2022.

[2]  IPEF, Estrutura de Prosperidade Econômica Indo-Pacífico (Austrália, Brunei, Índia, Indonésia, Japão, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Singapura, Coréia do Sul, Tailândia, EUA, Vietnã).

[3] Conceito filosófico baseado na teoria do pesquisador Jean Buridan.

[4] In: Miguel Jiménez, El País, 1 de junho de 2022.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.