Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De mal com os números

Estado de S.Paulo publicou na capa de seu caderno Cidades, em 25/11/96, a manchete "Trem-bala deve revolucionar ligação SP-Rio", em que não se sabe qual é propriamente a função do verbo dever. Talvez o "deve" seja um tributo à dúvida quanto à realização da magnífica – e cara – obra. Que, se for feita, vai evidentemente revolucionar a ligação Rio-São Paulo. 

Mas o problema está nos números: "Uma avaliação dos técnicos do Geipot feita para o governo alemão dá uma dimensão do problema. São Paulo, com 19 milhões de habitantes, Rio de Janeiro, com 12 milhões de habitantes, e Campinas, com 1,2 milhões de habitantes, formam o corredor mais populoso do País, que reúne 64% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro." 

Ora, "São Paulo" não tem 19 milhões de habitantes: o município da capital tem 10 milhões, a área metropolitana, 16 milhões. "Rio de Janeiro" não tem 12 milhões; o estado tem 13 milhões, a cidade tem 5,5 milhões, sua área metropolitana, 10 milhões. Só o número de Campinas está correto, desde que referido à área metropolitana (a cidade tem 860 mil habitantes). 

Até aí, deslize provocado pela atividade perniciosa de copiar releases. Mais contundente é a desinformação, reforçada num 'olho' e no gráfico que ocupa meia página, segundo a qual o eixo Rio-São Paulo-Campinas reúne 64% do PIB brasileiro. 

Então, façamos as contas: 32,2 milhões de pessoas estariam vivendo numa economia de US$ 421 bilhões (64% dos US$ 658 bilhões estimados pelo IBGE para 1995). Sua renda per capita seria uma beleza: US$ 13.074. Mais ou menos a média espanhola, uma vez e meia a média da Argentina. É verdade que os demais brasileiros, quase 121 milhões de pessoas, deveriam se contentar com US$ 237 bilhões, ou US$ 1.958 per capita, menos do que o PIB per capita do Irã. 

O fato é que os estados de São Paulo (32%) e Rio de Janeiro (11%) detêm hoje cerca de 43% do PIB brasileiro. Se a renda per capita média do país é de aproximadamente US$ 4.300, a dos habitantes de São Paulo chega à média de US$ 6,1 mil e a dos habitantes do Estado do Rio à média de US$ 5,5 mil. 

Resta saber se haverá número de pessoas com renda para comprar a passagem – andou-se falando em US$ 50, ida – e encher o trem-bala. Mas até aí o Estadãonão se aventura. 

Pelo menos o jornal não caiu, como a TV Globo, no conto do vigário de atribuir ao prefeito eleito do Rio, Luiz Paulo Conde, a "idéia" de fazer o trem-bala. Em 1992, quando nem tinha sido eleito César Maia, que chamou Conde para auxiliá-lo na Prefeitura do Rio, o governo federal já estava tomando providências para encomendar o estudo de viabilidade da obra. A idéia propriamente dita tem mais de quinze anos.