Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A violência tem passado, mas a mídia esquece

MEMÓRIA FRACA

Chico Bruno (*)

Afirma-se que a memória do povo brasileiro é curta. Mas, quem mais contribui para isso é a mídia, que não dá muita importância ao passado do país.

A mídia não tem o compromisso de cultuar ídolos que encantaram gerações. Confrontos, fatos e datas que marcaram a história são desprezados. Ela trabalha priorizando apenas o imediato, contribuindo de maneira decisiva para a falta de memória do povo brasileiro.

No caso da violência que hoje assola o país, a mídia deixa transparecer que se trata de novidade a que o país não estava acostumado. Pelo que a mídia expressa, antigamente não existia violência nos centros urbanos, não existiam favelas e bairros dominados por contraventores, não existia a chamada banda podre da polícia, todos os policiais eram ciosos de seu dever de proteger os cidadãos.

Tivesse a mídia o cuidado de resgatar o histórico dos acontecimentos, talvez não existisse essa falta de memória do povo, que, na verdade, é falta de informação para as novas gerações. Hoje a comunicação é em tempo real, o que facilita a disseminação da notícia país afora, coisa que décadas atrás era muito mais lenta. Os acontecimentos levavam meses para serem ruminados pela população de um país continental como o Brasil.

Não custa relembrar o violento Rio de Janeiro dos anos 50/60. Naquela época, não eram as favelas que estavam dominadas pelo poder paralelo, eram bairros inteiros. O domínio dessas localidades era exercido pelos banqueiros do bicho, os patronos do pedaço. Os cariocas com mais de 50 anos devem se lembrar, por exemplo, que quem reinava em Madureira era o lendário banqueiro do bicho Natal, a bordo de seu reluzente Cadillac com bancos estofados em veludo com estamparia de onça. Naquele imenso bairro carioca, Natal dava as cartas. A polícia e os políticos o reverenciavam, e ele em contrapartida os corrompia. Natal construiu hospital, escolas e até banco de sangue. Mandava na escola de samba, no comércio e no clube de futebol. Mantinha sua própria polícia, conhecida pelos moradores como "mineira", que impunha a ordem, a ordem determinada por ele. Quem saísse da linha ele mandava, sem nenhum constrangimento, desta para melhor.

Munição de campanha

Salgueiro, Bangu, Nilópolis, Caxias, Mangueira e muitas outras localidades eram dominadas por contraventores. Em alguns lugares, inclusive, tomaram pelo voto o poder constituído, como é o caso de Nilópolis, que hoje ainda é administrado pela família Abraão.

Tudo pode ser comprovado pela simples leitura de antigos jornais cariocas, como A Noite, O Dia, A Luta Democrática, O Globo, Diário Carioca, Diário da Noite, Diário de Notícias, Última Hora, Correio da Manhã ou A Notícia. Também está registrada a violência de facínoras como Cara de Cavalo, Mineirinho e outros que aterrorizaram o Rio de Janeiro nos anos 50/60.

As edições dominicais dos jornais, as revistas de atualidades e os telejornais poderiam produzir grandes matérias a partir da violência do passado retratada pela própria mídia. Estariam prestando um serviço à nação. Infelizmente, não o fazem.

Essa preocupação com o imediato, inclusive, faz sumir do noticiário fatos recentes inconclusos. Apenas para citar casos que ocuparam durante meses o noticiário de 2001/2002: os escândalos Sudam/Sudene, o caso Lunnus ? em que pé estão? Foram varridos para debaixo dos tapetes das redações. Servirão, com certeza, de munição, no momento oportuno, para os políticos durante a campanha eleitoral. E apenas para isso. Se existe a tal falta de memória, a mídia brasileira dá grande contribuição para que ela continue fraca.

(*) Jornalista