Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Artur Xexéo

PRIMÓRDIOS DA TV

“Aproveite para mudar o canal”, copyright O Globo, 14/12/03

“Durante muitos anos, no século passado, a frase era a mais repetida lá em casa:

? Aproveite que está de pé e aumente o som.

Ninguém se arriscava a se levantar. Nem para beber água, nem para ir ao banheiro. Sempre dava para agüentar mais um pouquinho, ver se alguém desistia primeiro e, em vez de ouvi-la, falar a frase ou uma de suas variações:

? Aproveite que está de pé e melhore o contraste.

Quem está chegando agora não pode imaginar o que era o mundo sem controle remoto. Um aparelho de televisão tinha, no mínimo, seis botões. O primeiro era para ligar e desligar (e aumentar e diminuir o som). E era botão mesmo e não uma tecla de apertar ou soltar. Um botão que se virava para a direita e, ao ouvir-se o clique, sabia-se que a TV estava ligada. (Para desligá-la, fazia-se o caminho contrário.)

Ligar a TV não significava que se passava imediatamente a assistir a um programa. Tinha que esperar o aparelho pegar no tranco. Ou esquentar o tubo. Aí, sim, aparecia a imagem. O que ainda não significava um programa no ar. Quem reclama dos intervalos das emissoras de TV a cabo de hoje não faz idéia do que era um intervalo comercial na televisão a certa altura do século passado. Às vezes, entre dois programas de meia hora, aturavam-se 40 minutos de anúncios.

Lembro-me especialmente do ?Teatro de comédias da Imperatriz das Sedas?, atração de sábado à noite na TV Tupi. O patrocinador, como o próprio nome indica, era uma loja de tecidos. O programa apresentava comédias teatrais em três atos. Entre um ato e outro, exibiam-se os anúncios que demoravam o tempo exato para mudanças de cenário e trocas de figurinos. Quando estas mudanças eram complexas, dava tempo de o espectador conhecer toda a linha de tecidos da loja, pelo menos, duas vezes. Era comum a gente se distrair e até se esquecer de que peça estava em cartaz. Você, acostumado com a era moderna da televisão, deve estar se perguntando: ?Mas por que não mudavam de canal no intervalo??.

É aí que entra aquela frase do início deste texto. Alguém tinha que se levantar para o resto da casa explodir em coro das suas poltronas:

? Aproveita que está de pé e muda de canal.

Mas ninguém entregava os pontos. Até porque mudar de canal não significava, por exemplo, passar por todos os filmes da coleção de Telecines. Mudar de canal era girar o seletor (um dos botões era o seletor de canais) do 6 ao 13 e ver o que estava passando na TV Rio. Geralmente, era a mesma coisa. Ou seja, anúncios. A programação era assim: se a Tupi fazia sucesso com ?Rin-Tin-Tin?, a Rio contra-atacava de ?Lassie?. Se o 13 exibia ?Ivanhoé?, o 6 rebatia com ?Guilherme Tell?. ?Este Norte é de morte? era a atração de uma emissora; ?Eta Nordeste da peste? tentava segurar a audiência na concorrente. Bem, tinha também o canal 9, a TV Continental. Mas ninguém assistia ao canal 9. Mudar de canal era balançar entre o 6 e o 13. E, assim, íamos vivendo em paz.

Falei de dois botões. Faltam quatro, né ? Bem, dois eram meio inúteis: o de brilho e o de contraste. Não valia a pena abandonar a poltrona para tentar regular estas questões na imagem. Se a imagem estivesse ruim, com fantasmas, por exemplo (era muito comum “dar” fantasma na imagem), o jeito era mexer na antena.

? Aproveite que está de pé e dê uma mexida na antena.

Esta era a tarefa mais difícil. Geralmente, necessitava de duas pessoas. Uma ficava em pé, atrás do aparelho, mexendo nas antenas para baixo, para cima, para os lados, enquanto o outro, sentado na poltrona, ia dando as dicas:

? Melhorou. Piorou. Mais pra direita. Volta um pouquinho. Só um pouquinho!

Os dois botões que sobraram eram os mais complexos: vertical e horizontal. Às vezes, sem mais nem menos, a imagem começava a rodar, como se fosse um carrossel. Era tão sensível o ponto exato em que o botão do vertical fixava a imagem que, dependendo da situação, valia a pena continuar sentado e tentar assistir assim mesmo. Com o Falcão Negro ou os Patrulheiros Toddy dando a impressão de que estavam com a doença de São Guido. Não paravam quietos. Mas o defeito no horizontal era impossível de ser ignorado. A tela era coberta por riscas que não deixavam o espectador ver nada do que estava sendo exibido. Aí, não tinha jeito: era preciso se levantar e ajustar o botão.

Acho que isso tem um pouco a ver com a geração de gordos criada a partir do fim do século passado. Ela apareceu, principalmente, nos Estados Unidos. Há quem atribua sua existência à dieta baseada em gorduras, característica daquelas bandas. Não sei, não. Acho que tem muito a ver com a família inteira sentada diante de um aparelho de TV comandando um controle remoto. No meu tempo, não tinha isso, não. Ver televisão queimava tantas calorias quanto uma sessão de academia. Não dava para ficar sentado 15 minutos seguidos. Se bem que, hoje, lá em casa, a situação não mudou muito, não:

? Aproveite que está de pé e procure o controle remoto.”

 

FANTÁSTICO

“Filmagem em Bangu será apurada”, copyright Jornal do Brasil, 09/12/03

A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária abriu sindicância para apurar a realização de imagens, no interior do presídio de Bangu 4, e apresentadas no programa Fantástico, da Rede Globo. Na ocasião, detentos apareciam fumando maconha ou utilizando celulares diante de um agente penitenciário. O servidor foi identificado e afastado das funções.

O secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, acredita que as imagens exibidas foram forjadas.

?Existe a droga dentro do presídio, mas não da maneira como foi mostrada na matéria. Não há necessidade de existir a feira, já que são apenas 64 presos?, afirma.

Segundo denúncias, os presos identificados como Pivete e Sombra seriam os responsáveis pela filmagem, cumprindo ordens de traficantes presos em Bangu 1.”

“TV Globo afirma que não recebeu imagens de presidiário”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 10/12/03

“Desde que foi exibida no Fantástico no último domingo (07/12), a matéria ?Boca de Fumo em Bangu IV? vem causando polêmica. A reportagem mostrou cenas de uma feira de drogas dentro do presídio, na qual os detentos compram e vendem maconha e cocaína livremente, além de imagens de presos falando em telefones celulares e de agentes penitenciários que assistiam a tudo sem agir.

De acordo com o secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, as cenas são, na verdade, resultado de uma simulação, de um teatro feito pelos presos para denegrir a imagem da direção atual de Bangu IV.

Em depoimento ao Ministério Público estadual, dois presos teriam afirmado que a feira de drogas realmente teria sido forjada para prejudicar a direção da unidade. Ainda de acordo com esses depoimentos, o vídeo foi feito por Aluízio Tavares, o Pivete, que tem mais de 50 anos de pena a cumprir pelos crimes de formação de quadrilha, assalto a mão armada e falsificação de documento público.

A TV Globo afirma que as imagens foram feitas há 45 dias, mas não revela a fonte. Apesar disso, garante que o vídeo não foi enviado por nenhum preso, parente de preso ou pessoa ligada aos detentos de Bangu IV. A emissora afirma também que o fato de as imagens terem sido uma encenação não diminui a gravidade da situação e nem explica por que os presos têm livre acesso a drogas e a telefones celulares. Em matéria exibida nesta terça-feira (09/12) durante o Jornal Nacional, a emissora indaga: ?Diante da versão dos dois presos, ao que parece encampada pelo secretário estadual de Administração Penitenciária, a TV Globo acredita que o governo do estado terá de enfrentar um dilema. O que será mais grave? Os presos terem a liberdade de fumar maconha, cheirar cocaína, comprar e vender drogas e falar ao telefone celular; ou terem liberdade maior: fazer ou simular tudo isso e ainda gravar as cenas como num teatro, a fim de prejudicar a imagem da direção do presídio??.”

“A farra no presídio”, copyright O Estado de S. Paulo, 11/12/03

As cenas mostradas na reportagem da Rede Globo de Televisão, em que aparecem os presos da Penitenciária Bangu IV, do Rio de Janeiro, comprando, vendendo e consumindo drogas – maconha e cocaína -, falando animadamente em seus aparelhos celulares e participando de uma grande esbórnia, justamente em um dos presídios tidos como de segurança máxima – são o atestado ?ao vivo? da falência do sistema prisional como, aliás, se depreende das palavras do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), quando, horrorizado, as assistiu. Diante daquelas cenas tornam-se peças destituídas de sentido quaisquer estudos, pesquisas, estatísticas, análises, relatórios e que mais instrumentos de aferição se utilize, para expor e transmitir o apodrecimento total, ético e administrativo, de um sistema destinado a punir (e recuperar?!?) os que praticaram o ato anti-social do crime e por isso perderam o direito à liberdade. O mínimo a dizer é que nossas prisões se transformaram numa fantástica e despudorada farra, às expensas dos escorchados cidadãos contribuintes.

A vasta literatura que tem por tema o inferno das prisões – seja a Recordação da Casa dos Mortos, de Dostoiévski, a Ballad of Reading Gaol, de Oscar Wilde, as Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, assim como as centenas de filmes sobre o assunto (do tipo O Sistema, Um sonho de liberdade, etc.) – sempre mostra o sofrimento, a angústia e o desespero dos que foram (justa ou injustamente) segregados da sociedade e confinados numa prisão. Mas as cenas de Bangu IV sugerem exatamente o oposto, ou seja, o alegre e desavergonhado ócio, a euforia permanente estimulada por muito álcool e muitas drogas – e, certamente, muito sexo -, a plena liberdade de comunicação com o mundo exterior, enfim, um verdadeiro oásis dentro do ?inferno? prisional, sem o fator que mais atemoriza em situações de cerceamento dos seres humanos: a repressão. Pois quando algum dos guardas surgia na festiva cena, logo um dos presos tranqüilizava os colegas, dizendo que ele ?tá arregado? (foi subornado).

A propósito disso, um ex-detento, depois de confirmar que os presos ?têm mulheres, drogas, cachaça, sexo e vídeos pornográficos?, deu a tabela de preços por esses serviços e fornecimentos: 1 quilo de maconha custa R$ 400,00; 300 gramas de cocaína, R$ 700,00; um garrafão de vinho, R$ 50,00; um celular, entre R$ 70,00 e R$100,00; visita íntima, R$ 30,00.

Sendo evidente que, dentro dessa precificação de produtos e serviços oferecidos, obtidos ou permitidos nos presídios, o mais importante é o ?preço? dos funcionários encarregados da vigilância dos presos, a óbvia conclusão a que se chega é que não existe um presídio de segurança máxima – enquanto não se conseguir um que seja de ?corrupção mínima?. Por mais que se fortaleçam os muros, as guaritas de vigilância; por grossos e indestrutíveis que sejam os pisos, à prova de escavações de túneis; por sofisticados que sejam os equipamentos eletrônicos de detecção de metais, para a apreensão de armas, assim como os destinados à interrupção das ondas de transmissão de comunicação telefônica via celular; por mais rigoroso que seja o regime de visitas e respectivas revistas, enfim, mesmo que se invista a melhor tecnologia disponível para o aperfeiçoamento da fiscalização e da segurança dentro dos estabelecimentos correcionais brasileiros, nada, absolutamente nada disso adiantará, se não houver uma verdadeira revolução moralizadora do funcionalismo de vigilância, de carceragem e de todo o pessoal direta ou indiretamente envolvido com o controle cotidiano da população carcerária.

Agora, quanto à ?explicação? do secretário da Administração Penitenciária do Rio, segundo a qual os presos que apareceram na reportagem da Globo apenas faziam um ?teatro?, para desestabilizar a direção do presídio – que teria ?acabado com os privilégios? e alterado o sistema de visitas -, é de se perguntar como poderiam eles ter montado semelhante ?teatro? (filmando-o em vídeo) caso os privilégios e regalias de que desfrutavam tivessem realmente terminado e sem que gozassem da anuência de funcionários do presídio?”

 

REALITY SHOWS

“Gastar dinheiro na TV dá ibope”, copyright O Estado de S. Paulo, 10/12/03

“A nova onda dos reality shows americanos agora é mostrar a vida fácil, divertida e inusitada de jovens bonitos que já nasceram multimilionários.

Esse é o recheio do reality show The Simple Life (A Vida Simples), que estreou na semana passada no canal americano Fox. O programa traz a jovem socialite Paris Hilton, de 22 anos – herdeira de uma cadeia de hotéis famosos em todo o mundo – que, ao lado de sua amiga não menos rica, Nicole Ritchie – filha do cantor Lionel Ritchie – decide entrar em algumas aventuras mergulhando em um novo estilo de vida.

As duas trocaram as baladas noturnas e a vida de gastança sem limites por um fazenda rústica em Arkansas, onde estão aprendendo as tarefas da vida do campo. Divertido? O público americano acha que sim. Em sua estréia nos Estados Unidos, Simple Life foi assistido por 13 milhões de pessoas.

Mas não foram só as milionárias Paris e Nicole que ganharam uma vaguinha na TV americana. A MTV exibe, já há algum tempo, o reality show Rich Girls (Meninas Ricas), que traz o dia-a-dia ?complexo? de quem nasceu com muito dinheiro e não sabe como gastá-lo – ou sabe.

Na atração, uma das protagonistas é Ally Hilfiger, filha do multimilionário da moda Tommy Hilfiger. Namoradeira e compradora compulsiva, Ally não tem outra preocupação na vida a não ser gastar dinheiro com roupas.

Na HBO, o sucesso é Born Rich (Nascido Rico), um documentário muito bem feito, criado pelo herdeiro de 23 anos do império farmacêutico Johnson & Johnson, Jamie Johnson.

Sexo e compras – Sem limite no cartão de crédito, a maioria dos jovens protagonistas desses programas passam boa parte do tempo comprando desenfreadamente.

Justamente esses pontos têm assustado pais e educadores americanos, pois tais atrações fazem muito sucesso entre os adolescentes. Outro ponto que preocupa educadores são as constantes cenas de sexo nessas atrações.

Paris Hilton, por exemplo, é uma jovem exibicionista que tem a necessidade de mostrar suas conquistas amorosas a todo tempo.

Ao que tudo indica, a moda de mostrar a vida de jovens milionários tem chances de pegar em outros países também. (Dpa)”