Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ausência de filtro natural

O teste que o MEC estabeleceu como forma de medir o nível do nosso ensino superior vai bater nas faculdades de jornalismo. O que se pode pensar disso?

Difícil, se não impossível, levantar objeções à idéia. Em sociedades mais desenvolvidas que a nossa, certamente haverá modos mais eficazes de realizar a mesma verificação. Nesses países, as instituições de ensino são mais antigas, e isso corresponde a uma espécie de peneira natural.

Uma instituição como Oxford não construiu o seu prestígio por acaso. Uma vez obtido esse prestígio, é do interesse da própria instituição realizar o seu próprio controle de qualidade.

Isso também se reflete no mercado de trabalho. Sendo conhecidas as instituições, o nome de cada uma delas tem um peso específico. Quem vem de Oxford ou de Harvard já tem, automaticamente, uma vantagem (sabe-se que, no Japão, essa espécie de diploma funciona de modo ainda mais rígido, abrindo ou fechando portas). A luta para entrar nessas escolas de elite torna muito mais fácil (ao mesmo tempo que mais áspero) o processo de seleção; e de dificuldade em dificuldade, constrói-se a imagem de uma escola.

Não é o que acontece por aqui, dada a inexistência dessa tradição. O que é uma universidade “antiga”, no Brasil? Aquela que já passou de meio século, que é contemporânea de pessoas que se mantêm perfeitamente atuantes no mercado de trabalho.

Obviamente, isso não chega a criar um retrato diferenciado das diversas instituições (mesmo se, por necessidade premente, tem-se uma idéia aproximada do que valem ao menos as mais conhecidas). E é nesse vácuo que entra o famoso provão. Se não é possível, ainda, criar um retrato diferenciado das nossas instituições de ensino, que se estabeleçam, ao menos, alguns padrões mínimos; que se dê ao distinto público um mínimo de satisfação quanto ao dinheiro que é aplicado no ensino superior – pelo estado ou pelos particulares.

No mundo dos jornalistas, o quadro não é diferente. Desde quando, na contratação de um profissional do ramo, é realmente decisivo o fato de ele ter-se formado por esta ou por aquela faculdade? Tirando os especialistas, quem é capaz de dizer onde o ensino de jornalismo é bom, razoável ou deficiente?

O problema, aqui, é um pouco mais complicado, a partir da definição (se é que existe) do que seja um bom ensino de jornalismo. Há boas razões para continuar acreditando que jornalismo se ensina, mesmo, nas redações de jornal (mais do que nas TVs, ou outros meios de comunicação).

Se assim é, a avaliação dos cursos se tornaria um processo ainda mais aleatório, arbitrário. Não se consegue ver muito bem, examinando os currículos, em que é que um desses cursos se diferencia do outro; em que é que eles se habilitam, realmente, a oferecer profissionais bem formados.

Há um consenso antigo, no meio jornalístico, de que faculdade de jornalismo é uma invenção do período em que tudo, no Brasil, tinha de passar por uma espécie de cartorialização, de reserva de mercado.

Continuamos ou não a viver nesse período?

A dura realidade de hoje tem levado a algumas tentativas de reavaliação. Deve haver melhor maneira de ensinar jornalismo do que enfileirando quatro anos de aulas teóricas. De qualquer modo, enquanto a obrigação persiste, não é mau que algum tipo de exame se proponha a aferir o nível desta ou daquela escola.

Se não é exatamente jornalismo o que se ensina ali, pode-se, ao menos, aprender coisas que tenham verdadeira utilidade: o correto manuseio da língua; uma abordagem ainda que sucinta das grandes etapas da nossa evolução cultural; uma preocupação com a ética, disciplina que data dos velhos gregos, e com cujas realidades supõe-se que o jornalista vai lidar praticamente todos os dias, às vezes em circunstâncias dramáticas.

Esses são temas universais, que podem fazer bem à carreira; e não é difícil verificar se o aluno tem algum desembaraço neles. Se não sabe nada sobre isso, é de duvidar que o resto do ensinado (ou aprendido) tenha alguma serventia.

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