Wednesday, 15 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S. PAULO

"Outro tempo", copyright Folha de S. Paulo, 7/9/03

"Na madrugada de quinta-feira, por volta das 3h, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a reforma tributária enviada pelo governo.

Não foi outro o destaque ao longo da manhã, da tarde e da noite de quinta nos telejornais, no sites noticiosos, na rádio, nos ?mercados?; o jornal ?O Globo? chegou a produzir uma edição impressa tardia, ainda na madrugada, registrando a notícia em manchete. No final do dia, não havia, em tese, quem não soubesse do ocorrido.

Qual foi a atitude dos principais jornais nas edições de sexta, já que não puderam (com exceção do ?Globo?) anunciar na própria quinta a aprovação? Procuraram destacar em suas capas a sequência, o ?day after? da notícia (veja no quadro).

Mas a exceção, dessa vez, foi a Folha: subestimando a ampla irradiação e as consequências do fato ao longo de 24 horas, publicou uma manchete fria, defasada (?Governo aprova reforma tributária?), com uma foto de deputados da base aliada festejando a vitória.

Não por acaso, um colega comentou ter tido por instantes, ao pegar o jornal sexta de manhã, a sensação de estar com um exemplar do dia anterior (quinta).

Esse caso não mereceria estar nesta coluna não fosse o que, me parece, se insinua por trás dele: qual é o sentido, a utilidade do jornal impresso numa época em que as notícias se produzem em ?tempo real?, com velocidade, abundância e amplitude inimagináveis poucos anos atrás?

Não posso afirmar se foi esse o raciocínio da Folha, mas existe uma concepção, desde muitos anos, de que ao jornal cabe, dentre outras tarefas, a de ser o registro da História -mesmo em detrimento da ?temperatura? de determinada manchete.

Válido no passado, esse princípio, porém, vem sendo repensado, por causa do avanço tecnológico e da complementaridade cada vez mais clara, aos olhos do consumidor, entre os diferentes meios de comunicação.

A sobrevivência do jornalismo impresso e a definição de seu futuro passam por essa revisão, e a sensação de ?gelo? da capa de sexta da Folha expressa a necessidade de mudança.

O registro histórico já não fora feito, sob diversas formas, ao longo do dia anterior? A pertinência do jornal, na sexta, não estaria em apontar, desde a manchete, para algo além do já exaustivamente anunciado?

Cabe deixar claro que muito disso foi feito nas páginas internas (análises sobre as implicações da reforma, bastidores das negociações, por exemplo).

Mas a Primeira Página é a síntese do espírito do jornal, sua vitrine, seu farol. E, neste caso, a meio-facho, ela sinalizou que a Folha ainda tem muito a refletir sobre sua função aqui e agora, não no século passado."

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"Alarme desligado", copyright Folha de S. Paulo, 7/9/03


"A Folha publicou na capa de Imóveis de domingo (31/8) uma reportagem intitulada ?Anistia?, cujo subtítulo dizia: ?Apesar de a prefeitura estimar em 2 milhões o número de imóveis irregulares em São Paulo, minoria busca a regularização, cujo prazo termina em um mês?.

Ao lado, um quadro instruía ?como e por que regularizar?. No texto, um representante de moradores reclamava que ?faltou divulgação da prefeitura? e uma diretora ligada à administração alegava que ?a maioria deixa tudo para a última hora?.

Como se vê, nada demais, a não ser por um detalhe: a reportagem, versando sobre algo relacionado à gestão petista de São Paulo, traz no alto a assinatura de um jornalista (free-lancer) que, desde o dia 13/8, ocupa o posto de chefe de gabinete de um vereador do PSDB (oposição).

E aí, sim, começa o problema (o caso chegou, inclusive, à tribuna da Câmara Municipal).

A editora de Suplementos, Patrícia Trudes da Veiga, afirmou na sexta-feira ter sido informada da nomeação do jornalista, Sérgio Duran, ?há uns10/15 dias?, por ele próprio.

Na ocasião, explica, o free-lancer já havia escrito duas reportagens -essa sobre anistia e uma outra sobre inspeção predial, ainda não publicada.

Ela acrescenta que, na semana anterior a 31/8, Duran fizera ainda uma ?atualização? de dados da reportagem sobre anistia.

Quanto à publicação da matéria, a jornalista não vê problema: ?Além de isenta, é puramente de serviço: o passo-a-passo para regularizar o imóvel e as consequências de não regularizá-lo. Foi ?esquentada? (já estava pronta há dez dias) com números que mostravam uma baixa adesão à lei de anistia.?

Mesmo defendendo o que se fez, a editora de Suplementos deixa claro: ?Obviamente, ele [Duran] não vai mais colaborar com o caderno de Imóveis?.

Duplicidade

Em meados do século passado, era comum jornalistas terem também outras ocupações, inclusive políticas (em governos ou órgãos públicos).

A Folha, como boa parte da imprensa, levou anos para quebrar o hábito e implementar, em sua Redação, a não-aceitação da ?dupla militância?, da dupla colaboração (com o jornal e com um político ou autoridade).

Motivo principal: era preciso tornar o jornal independente de interesses externos, a fim de produzir um jornalismo crítico e imparcial e afirmar, perante o leitor, a sua credibilidade.

Se a prática ainda sobrevive em parte da mídia do país (como sobrevive a perniciosa existência de ?matérias pagas? por governos em veículos de comunicação demonstrada em reportagem publicada terça-feira pelo jornal, no caso do Paraná), na Folha ela foi severamente combatida.

É alentador, neste caso, que a editora informe que o jornalista não mais colaborará com o caderno (ao menos enquanto ocupar o cargo político que ocupa). Concorre como atenuante, também, o adequado tratamento jornalístico do texto.

Mas nada disso apaga a inaceitável duplicidade impressa numa página do jornal -e agravada pelo fato de o tema da reportagem ser ligado à administração (petista) da capital.

Sérgio Duran, com quem também conversei -e cuja qualidade profissional e inteireza pessoal não estão em jogo aqui-, adota a mesma visão da editora, mas acrescenta um raciocínio que merece reflexão:

?Existia um risco, sim, que aceitamos correr por ser pequeno, tratando-se de uma reportagem inofensiva de serviço, com um texto equilibrado?.

Com efeito, ao ?atualizar? o texto com o mesmo repórter e ao publicar o material em vez de adiá-lo ou passar a outro jornalista a tarefa de refazê-lo, o jornal se expôs, ficou vulnerável à crítica de falta de isenção. Assumiu um ?risco? que, mesmo menor, não deveria correr.

Essa inusitada flexibilidade (?atualizar? uma reportagem não é trabalho jornalístico?) e essa condescendência com o ?risco? -em contraste com a rigidez que a Folha adota em casos assim há pelo menos 20 anos- são graves; passam a impressão de que algum alarme está desligado ou defeituoso.

Afinal, se tanto tempo durou -e ainda dura- a árdua implantação gradual de uma cultura de independência dentro da Redação, é razoável supor que um (indesejado) retrocesso nesse trajeto também não ocorreria de supetão, do dia para a noite, mas sim lentamente, sem alarde, calcado em eventos isolados -como este, que, por isso mesmo, deve servir para a Folha, no mínimo, como sinal de atenção."

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"Viagem a Istambul", copyright Folha de S. Paulo, 7/9/03

"Viajo nesta semana para participar, em Istambul (Turquia), do encontro anual da Organization of News Ombudsmen (ONO).

Da próxima quinta (11) à sexta 19, os casos urgentes provenientes dos leitores terão encaminhamento efetuado por Rosângela Pimentel, secret&aacutaacute;ria do departamento de ombudsman.

A coluna volta a ser publicada em 28/9. Até lá."