Tuesday, 10 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S. PAULO

"Razão e emoção", copyright Folha de S. Paulo, 9/9/01

"O que você, leitor, vê na
fotografia acima [ao lado]?

Se aos seus olhos o jogador argentino está
dando um pontapé no brasileiro, você teve amesma
impressão que levou o autor da legenda publicada

na capa da Folha de quinta-feira a escrever o seguinte:

?O atacante Rivaldo disputa lance e é atingido por argentino, na partida em que o Brasil foi derrotado em Buenos Aires?.

Nesse caso, saiba que ambos estão equivocados.

Captando o momento no qual o argentino acaba de chutar a bola, enquanto seu adversário se protege dando-lhe as costas, a magia da foto está em expressar simbolicamente a violência que, como sempre, marcou o confronto entre as duas seleções de futebol. Simbolicamente, apenas.

Tirada a dezenas de metros do lance, com uma lente poderosa, a imagem pode sugerir, com efeito, que as travas da chuteira atingem o número 10 na camisa. Mas a realidade é outra.

Apesar das aparências, os atletas, na verdade, não estão no mesmo plano. E entre eles pode-se estimar uma distância diagonal de pelo menos um metro.

Levado, talvez, pela emoção da derrota frente aos argentinos, um leitor até poderia se deixar enganar pela ilusão de ótica.

O mesmo, porém, não se deve admitir para a Folha. Com razão ou com emoção, houve, de todo modo, um erro crasso na legenda publicada. Tomou por real algo virtual."

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"Briga com a notícia", copyright Folha de S. Paulo, 9/9/01

"Poucas vezes a expressão ?muro de silêncio? coube tão bem como na (ausência de) cobertura da greve dos servidores do Judiciário paulista, iniciada dia 27.

A categoria tem cerca de 42 mil trabalhadores espalhados por mais de 300 comarcas, foros distritais e regionais. Reivindica 54,31% de reajuste, entre outros itens, sem que haja contraproposta, até o momento, do Tribunal de Justiça (TJ).

Afora o total de pessoas, sua atividade atravessa interesses de toda a população, das ações cíveis ao sistema prisional, das brigas de família à ordem fiscal.

Apesar disso, somente os jornais ?populares? – ?Agora? e ?Diário Popular?- acompanham a mobilização.

A Folha, que registrou o assunto pela primeira vez no dia 5 com uma foto de assembléia e três parágrafos num texto mais amplo, não esteve sozinha nessa omissão.

Foi, porém, mais longe, ?detonando? a paralisação em reportagem nessa sexta-feira.
No texto, sem dar voz aos servidores, o jornal traz declarações do juiz-corregedor dos presídios, Otávio Augusto de Barros Filho (pelo TJ), e do adjunto da Segurança Pública, Mario Papaterra.

Seus dados indicam que com a greve se adiaram cerca de 6.000 audiências, piorando, por exemplo, a superlotação de presos nos distritos e cadeiões. ?É o fim do mundo?, sintetizou Papaterra.

Ora, se esse movimento teve e tem consequências tão graves assim, como explicar a sua ausência no noticiário dos ?grandes jornais?? Por que a Folha o deixou de lado, para dele tratar somente agora, e com um nítido viés antigreve?

Não se reclama, aqui, que o jornal apóie a mobilização, mas apenas que não a ignore e que a trate com imparcialidade, conforme determina o seu ?Manual da Redação?.

Não pelos grevistas, mas pelo conjunto de seus leitores, envolvidos, sim, nos resultados desse movimento.

Escândalo no Acre

Essa briga com a notícia, aliás, se expressou em outro caso na semana que passou.

Trata-se da revogação da prisão preventiva de dois agricultores que ficaram detidos no Acre mais de dois anos, injustamente, sob acusação, sem provas, de estupro e assassinato.

O pai de um deles, inclusive, teria cometido suicídio por causa da situação quando o filho fez um ano de cadeia.

Nesse caso a Folha incorreu num erro menor e num maior.

O primeiro, nas edições regionais e na edição Nacional, foi confinar a notícia em uma nota de ?Panorâmica?, sendo que o evento, dramático, merecia ao menos chamada na primeira página do jornal.

O segundo erro, mais grave, foi simplesmente suprimir o texto na edição SP/DF.
É verdade que, nesse período, o noticiário embutiu episódios de alta galvanização, a começar pelo caso Abravanel.

Mas o leitor não tem culpa (ou tem?) de viver num país onde são tantos e simultâneos os fatos relevantes. O desafio do jornal é justamente saber selecioná-los."

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"A mentira e o avestruz", copyright Folha de S. Paulo, 9/9/01

"A comissão do Senado que investiga Jader Barbalho (PMDB-PA) busca há semanas provas para abrir processo contra o senador por quebra de decoro parlamentar.

Apura se ele mentiu, por exemplo, ao negar benefício com desvios do Banpará. Até aqui, nada de excepcional.

O que causa estranheza, porém, é que o motivo procurado -uma mentira dita aos colegas- já está à disposição.

Saiu na Folha (20/7), em reportagem cujo título, na primeira página, era límpido: ?Senador mentiu sobre compra de fazenda no PA?.

Conforme o texto, Jader faltou com a verdade ao dizer na tribuna, em 14 de abril, que a compra de uma fazenda fora ?declarada no Imposto de Renda? -o que, diz o jornal, ?não é bem assim?.

Mas há outra estranheza a destacar: o fato de a própria Folha, tal como a comissão do Senado, ignorar essa reportagem.

Nos textos recentes sobre o assunto, o jornal, diferentemente do que costuma fazer, tem enfiado a cabeça na areia. Recusa-se a lembrar, ao leitor, que não só houve mentira, como também ela já foi explicitada pelo jornal.

Ao não atualizar a constatação no momento em que os senadores, estranhamente, tampouco a ela recorrem, a Folha alimenta uma dúvida: teria o jornal errado na edição de 20 de julho?"

    
    
            

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