Monday, 09 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

Leila Reis

XUXA REMODELADA

“Xuxa rasga o velho script”, copyright O Estado de S. Paulo, 3/11/02

“Este país novo que se vislumbra com a eleição de Lula marca o fim das reprises e da embromação produzida pela atipicidade de um ano entrecortado pela Copa do Mundo e pela campanha eleitoral.

A cobertura destas eleições foi irretocável. O eleitor que eventualmente tenha se arrependido não pode culpar os meios de comunicação. Não foi por falta de informação que ele escolheu mal, especialmente no que se refere à TV. E essa TV continua cumprindo muito bem o seu papel, cobrindo os desdobramentos da disputa presidencial.

Mas o ano na TV começa agora e, com ele, surgem estréias represadas até então. É nesse contexto que uma nova Xuxa reaparece no vídeo. O curioso é que a nova volta ao ar dentro de um projeto que a remete ao passado.

O paradoxo é que a nova Xuxa, que foi amadurecida à força pela mão-de-ferro de Marlene Mattos (que a obrigou a falar com um público mais adulto), volta ao passado que a consagrou. Mas volta às origens diferente.

Ela continua chamando criança de baixinho, mas mostra-se menos infantilizada do que na época em que cantava o Ilariê rodeada de balizas de fanfarra.

Outra diferença: chama as crianças para co-protagonizarem seu show e não apenas servirem de elementos de cena. O novo público de Xuxa – os filhos dos baixinhos ancestrais – aprovou. Xuxa no Mundo da Imaginação registrou 19 pontos de média no Ibope (na Grande São Paulo) e segurou a audiência nos dias seguintes.

A nova Xuxa também volta ao passado – não dela – ao tentar ser educativa. Os recursos utilizados para ensinar foram tirados do poço da TV Cultura. Catavento, dirigido à faixa etária que Xuxa escolheu, é a referência para as orientações sobre higiene e alfabetização. Cenários e o humor dos textos dos contos de fadas são escancaradamente inspirados no Castelo Rá-Tim-Bum, o que é saudável. Boas idéias merecem ser aproveitadas e, quando isso ocorre, quem ganha é o consumidor.

O fato de o programa não servir de moldura para gravadoras venderem seus contratados – só Xuxa canta – e nem de balcão para produtos que o departamento de marketing acha que servem para o target do show (por enquanto, pelo menos) é um avanço.

Como no mundo nada é perfeito, o Mundo da Imaginação também tem seus defeitos. As crianças têm voz no show, mas também são ?orientadas? a mandar beijinhos para Xuxa. Resquício da época em que todas as ações convergiam para idolatria da ?rainha dos baixinhos?.

Essas escorregadas, no entanto, não comprometem o programa. O Mundo da Imaginação de Xuxa é correto. O cenário é bonitinho e limpo de purpurina, luzes e fumaças que marcavam o planeta de Xuxa na gestão Marlene Mattos.

Tudo indica que Xuxa amadureceu. Por ter se tornado mãe, deixou de ser filha (bem obediente há de convir-se) e por isso tem condições de mostrar-se para a criança como ela é. A necessidade de parecer fantástica, inatingível como um ser de outra galáxia, faz parte de uma época que, felizmente, ela quer deixar lá no passado.

Este novo país merece programas bem intencionados e comprometidos com o bom gosto, especialmente quando eles são feitos para a infância.”

 

TV / AUDIÊNCIA NA RUA

“Audiência ambulante”, copyright O Estado de S. Paulo, 3/11/02

“Quem nunca deu aquela parada estratégica na frente de uma TV na rua? Seja para conferir resultados de jogos de futebol, matar uma curiosidade ou para não perder fofocas ou notícias importantes? O público que assiste à televisão de pé, ?rapidinho?, na hora do almoço, no caminho para casa ou trabalho, em vitrines de grandes redes de eletroeletrônicos, é maior do que se possa imaginar – embora desprezado pelos números do Ibope.

?Tem dias que fica uma galera na frente da loja?, conta Rodrigo Mesquita, vendedor da Arapuã, na Rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo. ?O campeão de audiência é o Globo Esporte, mas mesmo quando está passando jogo antigo, tem gente que pára para ver. Acho que se tivesse partida entre o Tabajara e qualquer time de quinta divisão também juntaria público.?

O pico de audiência ocorre entre 12 e 14 horas, quando a grande maioria das pessoas sai do escritório para almoçar. O Globo Esporte, que vai ao ar às 12h45, na Rede Globo, é o programa preferido desse público, definido pelos vendedores como majoritariamente masculino, jovem e, provavelmente, office-boys – estão sempre com envelopes e pastinhas debaixo dos braços. ?Tem também os desempregados que ficam perambulando pelas ruas à procura de oportunidades?, acrescenta Rodrigo, que também pára na rua para ver TV quando volta para casa. ?Tem uma agência de emprego ao nosso lado (a Arapuã é no número 100 e a agência, no 140) e, quando forma fila, o que ocorre com freqüência, ficam todos de olho na TV.?

A região da Praça Ramos, no centro da capital, é um dos principais points dessa platéia. Além do movimento constante – o lugar é tomado por camelôs, galerias e agências de emprego -, os calçadões permitem maior vaivém dos pedestres. Há diversas lojas de eletroeletrônicos com várias televisões expostas em local de destaque: bem na entrada. Juntas e sintonizadas no mesmo canal, chamam a atenção do público. A Casas Bahia da 24 de Maio é exceção: resolveu colocar os aparelhos no fundo da loja para evitar tumulto.

A estratégia é simples: sintonizam os aparelhos no mesmo canal. A explicação, básica: evitar diferentes imagens e assim facilitar comparações entre os aparelhos – afinal, o objetivo é vendê-los. Muitas vezes, à tarde, colocam filmes ou shows em DVD – a definição é melhor – ou ainda em canais pagos. Convém também fugir dos intervalos comerciais – sempre há risco de o comprador esbarrar na propaganda de um concorrente e desistir da compra.

A Rede Globo tem a preferência entre os lojistas e a platéia de rua. Além das notícias sobre esporte, telejornais como o Jornal Hoje também têm audiência garantida. O horário os favorece. A aglomeração desperta a curiosidade e muitas pessoas acabam parando diante da loja. ?Já vendi muita televisão dessa maneira?, observa Rodrigo. ?Poderiam deixar mais na TV Cultura?, reclama Edilson Pinho, de 39 anos, analista da Telefônica, que após o almoço gosta de dar uma ?volta técnica? pelos calçadões antes de retornar ao trabalho. Muitas vezes é fisgado pela telinha. ?O bom das lojas de rua é que a TV não fica em vitrine.?

Curiosidade – ?A imagem, as cores, o movimento… não há quem resista?, acredita Maria Tereza Fraga Rocco, professora titular de Teoria da Linguagem na Universidade de São Paulo e que há cerca de 20 anos estuda tudo sobre televisão. ?É o ?ver itinerante?, em pedaços, só o que interessa. É uma relação muita rápida, mas importante?, define. Ela mesma admite que pára para ver TV, estica o pescoço para ler outdoors e luminosos pelas ruas. ?Sabe aquelas câmeras que filmam quem está passando? Também aguçam a curiosidade. Esse público pára por curiosidade, não por necessidade, como no fim dos anos 50, quando poucas pessoas tinham televisão em casa e ficavam na rua vendo TV.?

?Quero saber o que aconteceu no jogo entre Guarani e Ponte Preta?, disse o corintiano Marlon Ronet Deliacoli, de 19 anos, referindo-se ao clássico campineiro, disputado na segunda-feira passada pelo Campeonato Brasileiro. ?Teve o maior quebra-pau e nem fiquei sabendo do resultado.? O vendedor de uma loja de roupas de surfe parou 15 minutos em frente à Arapuã para ver o Globo Esporte e disse que sempre faz isso. Também gosta de assistir ao SPTV para prestigiar o cunhado – ele trabalha como motoboy nessa atração. ?É uma distração. Depois do almoço, quando sobra tempo, venho aqui, vejo os resultados dos jogos e fumo um cigarro?, comenta Marlon, que sempre encontra a TV ligada na Globo. ?Também não pediria para mudar de canal. Seria abuso.?

Esporte e noticiários – O corretor de seguros José Elias, de 36 anos, fez o mesmo. ?Vim dar uma olhadinha no que rolou na rodada do futebol.? Para ele, as pessoas que circulam na rua não ficam mais na frente da TV por falta de tempo. ?Tem de ser na hora do almoço ou quando dá para fazer uma pausa no trabalho.?

José Elias, que já comprou televisor numa dessas paradinhas, gosta de ver TV na rua. Afirma que não ficaria de pé para assistir à Xuxa, Ana Maria Braga, fofocas e novela. Acha ?irritante? o João Kléber interromper a toda hora os testes de fidelidade. ?Para isso, não pararia. Mas sempre que posso vejo esporte e noticiários na rua. Aliás, deveria ter um telão no centro da cidade para o pessoal que fica circulando.?

Ibope – A ?audiência ambulante? é ignorada pelo Ibope, assim como o público de escritórios comerciais, salas de espera, hospitais, etc. – normalmente nesses locais, os aparelhos ficam ligados o dia todo. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística não quis comentar o assunto. Alega que seria impossível tecnicamente fazê-lo. Mede apenas a audiência em domicílios em todo o País – em São Paulo, 1 ponto domiciliar (composto por cada seis casas da amostra da pesquisa) equivale a 47,5 mil domicílios.

Luiz Lara, da agência de publicidade Lew, Lara, explica que a ?audiência ambulante? não é levada em consideração pelos anunciantes de forma isolada. ?A hora do almoço, por exemplo, está incluída no bolo de quem costuma ver TV nesse horário. Grande parte formada por pessoas que não moram em grandes cidades e voltam para casa para comer.?

O publicitário explica, no entanto, que, hoje, o objetivo é ?pegar? o consumidor em qualquer lugar e a qualquer hora. Observa que a eletromídia – grandes telões que mostram propagandas – nasceu assim: para os olhares de quem está no trânsito. ?Essa constatação de quem vê TV na rua é uma boa idéia para uma campanha. Tem grande apelo popular e o horário de pico ideal para a cerveja Schincariol (cliente da Lew, Lara, claro).? Destaca que esse é o momento de lazer dos trabalhadores e, como já estão na rua, podem comprar logo na seqüência aquele produto mostrado na tela.

?É pegadinha?? – Não é difícil distinguir o telespectador de rua e um possível consumidor. Os que estão interessados em ver TV chegam de mansinho. Dão uma paradinha discreta na frente do aparelho para ouvir o som, é preciso ficar bem próximo à TV. Às vezes, olham para os lados para se certificarem de que não estão sendo observados. Uns têm vergonha. Outros levam até banquinho para a frente das lojas. Nos fins de semana, os camelôs sentam-se em caixotes para ver jogos do Brasileirão. Muitos, quando abordados pela reportagem do Estado, ficaram constrangidos. ?É pegadinha, né??, perguntavam, para logo esclarecerem: ?Não estou vendo TV, não. Queria saber o preço do aparelho.?

O novo DVD do Homem Aranha, grande sucesso nos cinemas, não saiu das telinhas do Ponto Frio da Conselheiro Crispiniano na última semana. ?Precisava pegar um negócio para a minha mãe e dei uma parada porque adorei o filme. Queria ver de novo?, comentou William Pereira da Silva, de 12 anos. O gerente da loja, Gustavo Vidal, é quem escolhe os filmes que são exibidos. Enquanto ele conversa com a reportagem, do outro lado do calçadão, a loja concorrente, com as TVs sintonizadas em Malhação, da Rede Globo, está vazia.

Vidal explica que dificilmente deixa as TVs ligadas em canais abertos. ?A definição da imagem é ruim, se comparada à do DVD?, disse o gerente, que evita, porém, colocar legendas nos filmes. ?Lotaria muito a loja. Assistiriam do início ao fim. E também para não criar situações incômodas, como pessoas coladas no aparelho.?

Vidal lembra de grandes aglomerações no Ponto Frio, como na ?sessão concorridíssima? de Harry Potter – A Pedra Filosofal, jogos da Copa do Mundo, os atentados do 11 de setembro e algumas rebeliões em presídios. ?Recentemente, tivemos grande público quando o Lula fez o primeiro pronunciamento após o resultado das eleições. É legal ter gente na frente da loja, chama sempre mais gente.?

O office-boy de uma empresa de turismo, Vando Santana de Carvalho, confirma a predominância de sua turma na audiência de rua. ?Com certeza, somos a maioria desse público. Ficamos mais de 80% do tempo na rua e, se alguma coisa importante está rolando na TV, quem não vai querer conferir??”

 

INTERNET

“Nova guerra mundial já começou na internet”, copyright Folha de S. Paulo, 3/11/02

“Enquanto a mídia joga o facho sobre o ataque iminente ao Iraque e sobre atentados terroristas, uma guerra em escala global e que atinge níveis crescentes de violência passa quase ao largo, por enquanto olimpicamente desapercebida. Mas no final de outubro uma nova bomba foi detonada.

O petardo classifica-se como DDOS (sigla de ?distributed denial of service?). Em resumo, um ataque de hackers contra os roteadores mais estratégicos da infra-estrutura da internet (os pilares dos ?backbones?).

Em linguagem menos técnica: trata-se de um tipo de ataque em que as redes são bombardeadas com quantidades tão grandes de informação que ocorre um congestionamento ou estrangulamento, levando à paralisação da rede de computadores.

Cada vez mais, tais ataques são perpetrados por grupos. São ataques múltiplos em que por exemplo os atacantes combinam o poder de vários computadores para inundar de informação uma determinada rede.

Segundo especialistas, o ataque ocorrido há poucos dias não tem precedentes em termos de sofisticação.

O ?The Washington Post? notou que esse foi o maior e mais complexo ataque DDOS de que se tem notícia. O jornal cita uma fonte identificada apenas como sendo de ?uma das organizações responsáveis pela operação de servidores de raiz?. Esses ?root servers? formam a espinha dorsal da rede global. Quebrar essa espinha pode significar uma potente semeadura de caos nos sistemas digitais globalizados, dos quais a internet é a ponta mais visível.

Atingir essas infra-estruturas não é apenas uma questão tecnológica. Os operadores da rede global são empresas como a WorldCom, que apenas em uma de suas unidades processa praticamente metade de todo o tráfego mundial da internet.

Há 13 servidores ?de raiz? no mundo, que funcionam como ?diretório mestre? da rede planetária. Ocorre que dez estão nos EUA. Derrubar essa infra-estrutura significaria abalar de modo crítico o núcleo dominante da estratégia militar-industrial americana e, de resto, uma infra-estrutura por meio da qual a potência imperial claramente domina um decisivo palco (virtual) do desenvolvimento.

Ataques desse tipo são comuns também sobre alvos determinados: Em fevereiro de 2000, a Amazon, o e-Bay e o Yahoo!, importantes portais de alcance global, tiveram suas atividades paralisadas por várias horas por causa de ataques DDOS.

Tudo isso pode ser obra de um punhado de hackers adolescentes que não têm mais o que fazer. Mas as principais autoridades da internet mundial temem também que algo mais sério possa estar em jogo.

Uma das mensagens do 11 de setembro é que as armas usadas para a destruição do inimigo infiel podem ser as que estão sob o controle do próprio inimigo. Mais ainda, podem ser coisas ou objetos que parecem pacíficos e familiares, mas que subitamente assumem claros contornos militares e de segurança global. Essa regra se aplica aos aviões. E cai como uma luva sobre a própria internet: um veículo que transporta informação e que também pode ser usado como uma bomba informacional.

O efeito mais destrutivo, no entanto, não é a paralisação temporária de serviços oferecidos pela internet. É o impacto na confiança que cada indivíduo tem na segurança de pegar um avião ou mandar um e-mail.

As escaramuças na internet talvez sejam apenas mais um exemplo de uma perda global de confiança na capacidade humana de se comunicar e cooperar.”