Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Não à hipocrisia e ao cinismo

O episódio TAM é revelador de muitos aspectos – não necessariamente bons – da imprensa brasileira. Está entranhada, nas redações, uma arraigada cultura que divide o mundo entre bons e maus. As empresas, é claro, estão no lado dos maus. Isso, no caso da TAM, resultou num antecipadamente condenatório.

Um relatório de uma tal de ATA, em que a TAM recebe uma avaliação negativa, foi dado com estridente destaque por toda a mídia. Quem explicar ao leitor o que é, exatamente, a ATA? Quem procurou explicar ao leitor por que a TAM recebeu a tal avaliação? Ninguém.

O leitor, o pobre leitor, era induzido a acreditar em fantasias como a de que uma equipe de especialistas inspecionou oficinas, aviões e o que mais for da TAM e de centenas de outras empresas aéreas para chegar a suas conclusões.

Não é assim. A má nota da TAM se deve exatamente à queda do vôo. Porque o relatório é, na verdade, um produto estatístico. Faz-se a relação entre o número de decolagens e o número de vítimas fatais e ponto.

A imprensa preferiu a estridência sensacional de um relatório de uma associação recém-criada – apresentada, num telejornal da Cultura, como a mais importante instituição aérea do mundo, numa confusão com a veterana IATA – a fazer a lição de casa: refletir sobre os fatos e ajudar seu leitor a entender melhor o caso.

Não se trata de ser a favor ou não da TAM. Trata-se de ser a favor do leitor.

Jornalistas, como urubus, muitas vezes se aproveitam de defuntos para se autopromover. Um exemplo claro dessa necrofilia foi dado pela colunista Barbara Gancia, da Folha de S. Paulo. No dia em que aconteceu o acidente com o vôo 203, ela escreveu uma coluna em que criticava nossa decisão de escolher a TAM como a empresa do ano. Na sua coluna seguinte, ela se autoconcedeu dons premonitórios em meio a uma série de informações equivocadas. Disse, por exemplo, que a TAM emprega militares em seu alto escalão. Não emprega. O objetivo da colunista era claramente se autopromover às custas do terrível episódio do voo 403. A verdade? Ora, dane-se a verdade.

Nós, na Exame, nos sentimos absolutamente seguros em relação à escolha da TAM como a empresa do ano. Nossa escolha não se deveu apenas aos esplêndidos números da empresa. Mas sobretudo à maneira como ela reagiu à queda do avião em outubro passado. Não é a nossa voz; é a voz do mercado. Como está exposto em nossa reportagem, os passageiros voltaram quase que nos níveis anteriores aos do caso do vôo 402 e as ações da TAM se recuperaram inteiramente. Como corolário disso, o Grupo Garantia – que pode ser acusado de tudo, menos de queimar dinheiro – fechou um negócio de vulto com a TAM.

Tivemos uma decisão jornalística, não emocional. E nossos leitores, em sua maioria, entenderam assim, como ficou claro nas mais de trinta cartas que recebemos a propósito da escolha e da reportagem que fizemos. A maior parte das cartas contrárias que recebemos foi enviada por parentes dos mortos de outubro, compreensivelmente magoados com a escolha. Lamentamos cada morte, mas isso não pode distorcer e desfigurar nosso julgamento jornalístico. Agir de outra forma seria uma concessão nossa à hipocrisia e ao cinismo.

Outra demonstração do passionalismo irracional com que a imprensa está lidando com o assunto pôde ser vista na coluna dominical de Elio Gaspari imediatamente seguinte ao caso do vôo 263. Uma entrevista com a jornalista Marta Góes, cujo irmão morreu na queda do vôo 402, trazia a seguinte afirmação, atribuída a ela: “A imprensa que festeja e premia a TAM afirma que o comandante Rolim visitou todas as famílias do vôo 402.”

Entendo que “a imprensa que festeja e premia a TAM” seja um tortuoso malabarismo retórico para se referir à Exame. Mas espere um momento. Nós não dissemos, na reportagem sobre a TAM, que Rolim visitou todas as famílias. Dissemos, sim, que ele interrompeu as visitas pela metade, quando topou com um advogado. E dissemos também que ele desmarcou duas visitas programadas para a família do irmão da jornalista Marta Góes. Aliás, em nossa matéria ela mesma é quem conta essa história, e diz o quanto essas desmarcações perturbaram ainda mais a família. Meu pai, Emir, disse uma vez que pagava um grande preço pelas bobagens que dizia, mas não podia pagar nada pelas bobagens que os outros diziam que ele dizia. Faço minhas as palavras de meu pai.

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