Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Roberto Maciel

O POVO

"Idéia torta, história entortada", copyright O Povo, 20/4/03

"Quarta-feira passada, os assinantes do O Povo receberam encartados em seus exemplares panfletos da empresa Ilmar Doces & Salgados. O anúncio, de uma torta de chocolate, trazia o seguinte: ?Se toda imperatriz fosse gostosa como essa a escravidão não teria acabado?. Assim mesmo, faltando a necessária vírgula entre ?essa? e ?a escravidão?. O conteúdo ralo e de evidentes ares racistas, o humor discutível e o desrespeito a uma personalidade da história do País chegam a incomodar. E outro monumental erro se sobressai: não foi uma imperatriz quem decretou o fim da escravatura no Brasil, mas uma princesa. Chamava-se Isabel Christina Leopoldina Augusta Michaela Gabriela Raphaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, filha do imperador Pedro II. Nunca foi imperatriz, porque a República a impediu, embora tenha sido regente do Brasil em três ocasiões (1871/1873, 1876/1877 e 1887/1888) por motivo de viagens do pai. Na primeira, promulgou a Lei do Ventre Livre em 28 de setembro de 1871, tornando livres os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Na terceira, assinou a Lei Áurea no dia em 13 de maio de 1888, libertando os cativos. Por isso, recebeu a comenda Rosa de Ouro, concedida pelo papa Leão XIII. Note-se ainda: a vergonhosa condição imposta à população negra na época nada tinha de doce, de agradável ou que se assemelhasse à suavidade de guloseimas ? o que, por si, desmerece qualquer tipo de trocadilho ou piada.

É importante que se diga: todo veículo de comunicação tem a prerrogativa de recusar publicidade que tenha viés racista ou discriminatório. Nesse caso, O Povo errou por não atentar para o teor do anúncio da doceria. Não se pode, no entanto, atribuir ao dito anúncio ? ou a seus contratantes e criadores ? a intenção de dolo, o objetivo de ofender cidadãos afro-brasileiros ou a memória da Princesa Isabel. Acredito, sinceramente, que o deslize tenha sido mais uma conseqüência da questionável tendência a fazer gracejos que domina a nossa propaganda. Uma tendência que às vezes se apresenta amargosa e invariavelmente improdutiva.

Que serra é essa?

Uma entrevista que, entre outros pontos, dá indícios do norte encontrado pela carreira política do senador Tasso Jereissati, que foi governador do Ceará por três gestões. Assim pode ser definida a conversa entre o jornalista Arlen Medina e o tucano, publicada pelo O Povo segunda-feira passada (14). Descontando as nuances de matérias assim, submetidas sempre a edição meticulosa, devido à extensão que têm os originais e à pouca disponibilidade de espaço, filtrou-se o discurso de um parlamentar que migrou da situação para a oposição. Mas não são essas as nossas preocupações. Ali há muito de opinião pessoal do senador, de análises muito particulares, de contradições comuns à fala e ao pensar político. Interessa-nos, sim, a última resposta dada. É a que trata da intenção declarada de Tasso deixar a política ao concluir seu mandato atual. Vamos a ela:

?OP ? Senador, quer efetivamente ??pendurar as chuteiras?? quem montou um gabinete com dois ex-assessores presidenciais e que tem da janela de trabalho uma vista permanente do Palácio do Planalto?

TJ ? Olha, eu tenho uma coisa na vida: fazer bem feito tudo aquilo que me deram como encargo. Então a minha preocupação foi colocar neste gabinete os melhores assessores que eu podia encontrar. É muito difícil falar daqui a oito anos. Mas o meu projeto hoje é não mais ser candidato e terminar minha vida política como senador. Agora estou me preparando para abrir um restaurante lá na serra de Guaramiranga. Quero ficar por ali?.
Movido, talvez, pelo hábito ou por um ato falho, Tasso Jereissati, senador pelo Ceará e três vezes governador, mencionou um acidente geográfico inexistente no Estado que dirigiu por quase 12 anos completos. ??Serra de Guaramiranga?? não é a denominação da região onde está o município de Guaramiranga. A área é chamada de Maciço de Baturité, e incorpora outras cidades. Mas Tasso errou. O Povo errou também. E muito. O erro do jornal reside no fato de não ter feito uma correção, por meio de nota, no próprio texto. Jornal informa, ensina. Deixar passar uma falha assim, cometida por um político do qual se supõe conhecer o Ceará como poucos, impõe aos leitores a informação errada. Nesses casos, não se deve considerar deselegância com o entrevistado observar para o leitor o que é certo. O que conta é a precisão.

Noventa mil pessoas invisíveis

A julgar pelos jornais locais, não houve nada de diferente na rotina da Praia de Iracema na noite do último dia 12, sábado. Não se soube de problemas de segurança pública, não se soube de problemas no trânsito. Nem se deixou monturos de lixo nas ruas. Também não se soube que se juntaram cerca de 90 mil animadas pessoas ? segundo estimativa dos produtores ? para celebrar a música no show de abertura do projeto Pão Music 2003 em Fortaleza, com os cantores Raimundo Fagner e Zeca Baleiro. O Povo e o Diário do Nordeste simplesmente ignoraram o que se passou de positivo ou de negativo antes, durante e depois da apresentação. Na edição de segunda-feira, nem uma linha foi publicada sobre o evento. Na de terça-feira, com exceção de uma nota de coluna social no Diário, a mesmíssima omissão. Os leitores, que souberam do espetáculo pelas páginas dos cadernos culturais publicados no dito sábado, ficaram privados de informações sobre o que havia ocorrido.

Os mais curiosos podem até ter uma amostra ? infelizmente sob um só ângulo, o da empresa promotora ? no site www.paomusic.com.br. Há textos e fotos em boa quantidade. É material institucional, mas por ele percebe-se, sobretudo, que estavam lá as muitas pessoas que os jornais se recusaram a ver."