Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O contrassenso da luta pela liberdade de imprensa

(Foto: Reprodução CNJ)

Decisão do STF contra o Diário de Pernambuco sobre responsabilidade em declarações expõe falta de um conselho profissional

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) condenando o Diário de Pernambuco por ter publicado falsas acusações é uma evidência muito clara da interferência do poder judiciário sobre uma prática muito comum no jornalismo, a de utilizar declarações de fontes de informação para confirmar fatos.
A publicação da entrevista com o delegado Wandenkolk Wanderley, realizada pelo jornalista Selênio Homem de Siqueira, em 25 de julho de 1995, pelo Diário de Pernambuco, foi um erro. O jornal não checou as informações que incriminavam o professor e engenheiro Edinaldo Miranda e o ex-deputado federal Ricardo Zarattini, na época militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Vale lembrar que ambos foram inocentados do atentado a bomba em Recife, em 1966, do qual foram acusados, conforme atestado pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara.

Citar declarações de fontes de informação condiz com o que a socióloga estadunidense Gaye Tuchman entende como “ritual profissional”. Segundo ela, os jornalistas estão habituados a usar as declarações, uma vez que não estão em condições de presenciar os acontecimentos do cotidiano, como um recurso de autoproteção. A publicação de “aspas” seria uma prova de que o jornalista buscou informações com pessoas ou instituições, firmando um contrato fiduciário com o público que busca informações em jornais.

Recorrentemente, o jornalismo brasileiro é criticado quando se apropria de declarações de fontes sem minimamente fazer a conferência das informações. Trata-se do “jornalismo declaratório”, cada vez mais presente diante da correria diária das redações e das condições nem sempre favoráveis para uma produção de qualidade.

Tudo que não é bem apurado, que não considera a pluralidade de opiniões, as versões contraditórias entre outras falhas possíveis no jornalismo, estão sujeitas a um julgamento público (ou pelo judiciário). Mais cedo ou mais tarde, o erro aparece.

Já o jornalista sabe que a fonte se dispõe a ceder informações por interesses particulares. Trata-se de um jogo, ainda mais quando envolve política ou negócios. E essa relação exige alguma negociação que pressupõe a confiança da fonte de que o jornalista publicará as informações repassadas e do jornalista de que a fonte cederá informações verdadeiras. Isso não quer dizer que o jornalista deva reproduzir sempre tudo o que a fonte diz. Só um jornalista muito ingênuo ou um jornal completamente vendido editorialmente publica uma declaração ou dados de uma fonte sem minimamente publicar a contestação da versão ou checar as informações.

A decisão do STF é mais uma dentre outras tantas que apontam a interferência do judiciário sobre o jornalismo e que vão continuar ocorrendo, assim como as críticas de políticos e daqueles que não sabem distinguir jornalismo e mídia. O julgamento do STF é uma resposta à ausência de mecanismos de vigilância ética no jornalismo que precisa urgentemente de recursos autônomos que permitam ao jornalismo ser avaliado por… jornalistas.

Ao invés de criticar a decisão do STF, os jornais deveriam rever sua posição quanto à criação do Conselho Federal de Jornalistas. Ironicamente, na época, o projeto foi acusado de tentativa de censura à imprensa.

***
Guilherme Carvalho é professor de graduação em jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter e do mestrado em jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Tem pós-doutorado em Jornalismo e doutorado em Sociologia. É vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).