Wednesday, 15 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

De onde veio e para onde vai a MTV Brasil

O destino do canal MTV Brasil, operado pelo Grupo Abril, voltou à tona por notícia publicada por Keila Jimenez na Folha de S. Paulo (15/5). Segundo a colunista, o canal estaria no vermelho, sem comprador à vista, e a Abril analisaria novos projetos de gestão para manter a emissora. Desde 2012 o assunto tem sido ventilado na imprensa.

Falou-se em alguns momentos de uma possível venda da MTV Brasil, mas ela não se vende assim. Como a Abril também não vende a revista Playboy, ou as revistas em quadrinhos do Tio Patinhas. Simplesmente porque não se pode vender algo que não lhe pertence. Tratam-se de franquias licenciadas pela empresa, que paga aos detentores dos direitos remunerações fixas ou variáveis, baseadas no faturamento, a depender do contrato. No caso da Playboy, já é um contrato de 38 anos – de muita satisfação para as partes, registre-se. A MTV Brasil hoje é uma licenciada da Viacom dos Estados Unidos, remunerando a matriz com 8% de seu faturamento de publicidade. O contrato atual é válido até 2018.

Novo modelo

A Abril tem uma concessão de canal de TV aberta em São Paulo que data dos anos 1980, na frequência UHF. Agora, com o advento da TV digital aberta, no novo espectro digital deixa de existir esta figura do sinal UHF ou VHF. Portanto, esse canal será tão faixa de TV quanto a Globo ou o SBT quando acabar o sinal analógico, cujo desligamento está previsto para 2016. Sua boa recepção só vai depender da potência de antena, do alcance do seu sinal digital.

A MTV Brasil caminha para seus 23 anos. Veio para o Brasil quando a então MTV Networks – hoje sob a marca Viacom –, formou uma sociedade com a Abril em 1990, para preencher com sua programação o canal do grupo, numa proporção que à época era mais ou menos de 25% de produção local, para 75% de programação fornecida pela matriz. O investimento local em estrutura, equipamentos, antena e pessoal ficou a cargo do sócio brasileiro. A parte estrangeira entrava com a marca, suas atrações e os videoclipes, shows e tudo que era a cara da emissora jovem e musical. Levava também metade do faturamento.

Foi um estouro. Afinal, era o primeiro canal de TV aberta segmentado do mercado nacional – ainda que as pessoas então tivessem de aprender a sintonizar o UHF por meio do videocassete.

A Abril apenas começava ali o seu projeto de TV, que nos anos 1990 a faria dona da operadora de cabo TVA, e ainda sócia de canais internacionais como Disney/ESPN para ESPN Brasil; Disney/Sony/Warner na HBO Brasil, e posteriormente canais tão diferentes quanto CMT Brasil, Bravo Brasil, e até dona de um canal inovador como o Eurochannel. A TVA também foi sócia da DirecTV, hoje dona da Sky. Uma a uma, todas essas sociedades foram sendo desfeitas, participações e negócios foram vendidos, em alguns momentos para sanar dívidas, em outros, para fazer caixa.

A MTV Brasil continuava no seu nicho. E despertou a vontade de muitos canais estrangeiros também entrarem no mercado nacional de TV por assinatura, única via possível, motivados pelo sucesso comercial que o canal musical desfrutava. Mas a TV a cabo andou muito devagar nos anos 1990 e até mais da metade da primeira década do século 21. A MTV Brasil seguia na sua vantagem incontestável de ser televisão aberta. E de nicho, voltada para um público específico. Há uma ampla rede de emissoras associadas pelo país, a maior parte também na frequência UHF.

Não vou descrever aqui as mudanças por que passou a indústria da música ao longo dos últimos anos, nem como a internet alterou a lógica da indústria fonográfica. O fato é que desde que o videoclipe foi para o YouTube, a programação para o jovem passou a ser muito mais centrada em atrações de comportamento. A música foi tendo seu espaço redimensionado na MTV no mundo todo. Nesse meio tempo, no Brasil, o canal Multishow, que vinha desde a década de 1990 escalando a difícil montanha que era a TV por assinatura, encontrava pouco a pouco o seu próprio espaço, firmando-se com uma linha própria de programas e entretenimento musical. E também com videoclipes. Do mesmo modo, outras emissoras voltaram direcionaram sua programação ao público jovem, pulverizando a verba de publicidade, a principal fonte de receita da MTV.

Também não me estendo aqui sobre todos os talentos que saíram da MTV Brasil e foram para outras emissoras – o mais recente deles, o aclamado comediante Marcelo Adnet. Nem vou detalhar as mudanças de rumo editorial do canal nos anos recentes. Houve ainda um abalo nas finanças da emissora quando, por divergências de negociação, o canal deixou de ser carregado pela Sky, em 2008, uma vez que a operadora não queria incluir no pacote também outros canais criados pela Abril, o Fiz TV e Ideal TV, que já foram descontinuados. A MTV Brasil decidiu abrir seu sinal de graça no satélite, já que perdera uma receita mensal de quase R$ 1 milhão com venda para os assinantes da Sky, mas o valor não foi à época compensado pelo crescimento da publicidade que a abertura no satélite prometia. O sócio internacional ficou preocupado. Dois anos depois, devolveria sua participação societária para o Grupo Abril, inaugurando este modelo de licenciamento que hoje vigora.

Ocorre que a Viacom já trouxe ela mesmo, sozinha, seus outros canais ao Brasil, que vão bem no mercado de TV paga, puxados pelo carro-chefe infanto-juvenil Nickelodeon. Há ainda aqui dois canais, VH1 e o Comedy Central. Por força do contrato com a Abril, o canal com foco latino da MTV não é veiculado no Brasil.

Apetite estrangeiro

Agora, quando se aventa a possibilidade de saída da Abril, a Viacom poderia ela própria tocar a marca local. Há toda uma nova regulamentação para a TV por assinatura, que inclui um canal de música brasileira dentre os que se qualificam na veiculação de produção brasileira independente – shows e videoclipes entrariam para a qualificação de cota nacional. Um canal assim pode até interessar ao pacote da Viacom no Brasil. E seria mesmo muito natural que ela assumisse sua franquia MTV por aqui.

O que não significa que a Abril não possa também ocupar as instalações atuais e frequência de TV com uma outra programação; é, afinal de contas, uma gigante na produção de conteúdos, com opção de alugar ou até passar adiante sua concessão.

Não faltam grupos interessados em ter uma emissora de TV aberta numa praça tão significativa como São Paulo – de igrejas a canais já estabelecidos em outras plataformas. E há players internacionais ávidos para abocanhar uma fatia – ainda que haja restrição ao sócio estrangeiro (limitado a 30%) – da saborosa verba publicitária que fica com a televisão aberta no Brasil: foram 64,7% do total do bolo de investimentos em mídia em 2012, segundo o Projeto Inter-Meios.

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Edianez Parente é jornalista, especializada na cobertura de mídia e marketing