Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

TV esconde grave crise no Centro-Oeste

Grandes redes de TV não querem mostrar o escoamento da safra brasileira paralisado. Os protestos contra a política agrícola e cambial do governo federal promovidos por produtores rurais de 10 estados engrossam a cada dia com a adesão de mais pecuaristas, agricultores, trabalhadores rurais e profissionais ligados ao setor, parando completamente a comercialização de grãos no país. São centenas de quilômetros de rodovias congestionadas em Mato Grosso, Goiás, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais, estados da Região Norte e interior de São Paulo. Os portos de Paranaguá e Santos seguem com movimento cada dia mais escasso, há crise no comércio de dezenas de cidades, mas impressionante mesmo é o descaso com que as grandes redes de TV do país têm tratado o caso.

Os números não escondem a realidade. Mato Grosso, primeiro lugar no ranking nacional de produção de soja, se prepara para colher a segunda maior safra do mundo, prevista este ano em quase 16,50 milhões de toneladas, 30% da safra nacional. O estado é o berço do movimento Grito do Ipiranga. Mato Grosso do Sul amarga o terceiro pior desempenho nacional nas exportações no quadrimestre de 2006, atrás apenas do Amazonas (queda de 22%) e da Paraíba (-17,3%). Para finalizar o ambiente atual, o principal evento dirigido a jornalistas especializados do setor, que acontece durante a Feicorte – maior feira da pecuária indoor da América Latina em São Paulo –, foi cancelado.

Nas grandes redes de televisão, impressiona o modelo editorial adotado. As matérias – ou melhor, as notas – são sempre feitas em estados de pouca expressão na agropecuária, suavizam a força do movimento e nada falam do impacto na economia nacional, no abastecimento ou nas exportações. Os poucos minutos dados às ‘notinhas’ têm irritado profundamente a população dos principais estados produtores. No mundo do Brasil rural se diz que o contingenciamento das informações sobre a crise nessas TVs tem o claro objetivo de não atrapalhar a reeleição de ninguém.

Cidade-fantasma

Especulação popular à parte, em Mato Grosso do Sul a crise não é mais do setor, do governo ou do governador. A crise é do estado. Em pelo menos 20 municípios produtores estão fechadas as rodovias federais e as agências fazendárias e há confrontos de agricultores com a Polícia Militar quase diariamente. Situação pior só em Mato Grosso, mas ninguém viu isso no Jornal Nacional.

O governo de MS suspendeu o pagamento dos fornecedores no início do mês – todos os funcionários públicos receberam R$ 1.000 no dia 5. Quem ganha mais teve o salário parcelado e deve receber o restante no dia 20. O governo estadual não sabe como vai pagar os salários de junho e julho, professores da rede pública ameaçam entrar em greve a qualquer momento por conta do atraso e o comércio já registra 14% de queda no movimento. Eis os dados da tragédia que só o Centro-Oeste conhece e as grandes TVs insistem em não contar.

A política cambial e a falta de planejamento agrícola brasileiro causaram impacto brutal na atividade agropecuária. A queda na renda e a dificuldade de se saldarem as dívidas contraídas para esta safra tornam a atividade agrícola inviável. Quem investiu R$ 1.200 por hectare consegue, na melhor das hipóteses, recuperar R$ 800. Isso também não motiva pautas para a grande mídia, mas talvez ganhe amplo debate na TV em pouco tempo, quando o governo federal não conseguir colocar alimento na mesa dos brasileiros ou, como aconteceu no MS, a crise invada outros setores da economia.

Pode ser ainda que Iguatemi/MS (município atingido pela aftosa em outubro do ano passado) se torne atração nacional por não ter mais moradores. Cidade-fantasma.

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Jornalista do Canal do Boi e portal www.agronoticiasms.com.br, mestre em Produção e Gestão Agroindustrial