Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Um apresentador negro como álibi

Na segunda-feira (17/7), a França deu um passo importante em direção à ‘representação da diversidade’. A estréia de Harry Roselmack, jornalista negro de 33 anos, como apresentador do telejornal de maior audiência da TV francesa e européia, foi um ato político.


Harry Roselmack é competente e provou que não assume as férias de Patrick Poivre d’Arvor apenas porque é negro e, como tal, passa a ser um álibi. No seu primeiro jornal da TF1, mostrou agilidade ao entrevistar os correspondentes ao vivo e passou credibilidade, fundamental num âncora.


No dia da estréia, o diário Libération fez, como de hábito, um trocadilho no título de uma longa matéria : ‘TF1 descobre a TV de cor’.


Campeão de audiência


Roselmack – mistura de Harry Belafonte e Sidney Poitier – não é um neófito: já apresentava um jornal no Canal Plus e na i-télévision, canais por assinatura. O grande acontecimento é TF1 requisitá-lo para apresentar o jornal das 20h no mês de férias de Poivre d’Arvor, apresentador da televisão conhecido dos franceses há mais de 30 anos.


A decisão foi tomada quando, depois das manifestações violentas da periferia de Paris em novembro passado, Jacques Chirac convocou os diretores das TVs francesas para pedir mais representantes das minorias em seus programas. Chirac queria que ‘refletissem mais a diversidade da sociedade francesa’.


Até então, o que os franceses chamam de les grandes messes (as grandes missas) diárias – os telejornais das 13h e das 20h – não tinham nem negros, nem asiáticos, nem árabes. Como um tímido começo, no outono passado, uma bela e competente apresentadora negra, Audrey Pulvar, assumiu a apresentação do jornal de 19h30 de France3, um canal público.


‘Se uma parte da população francesa não se sente aceita de maneira plena e inteira é porque não se vê representada. Uma nomeação como a minha não vai mudar tudo, mas faz parte das coisas que conduzirão alguns a se dizer que a França são eles também’, diz
Roselmack. ‘Mas todo esse barulho é devido ao fato de que o jornal das 20h de TF1 é o de maior audiência.’ Segundo Médiamétrie, a audiência do jornal das 20h de TF1 gira em torno de 44,8%, enquanto France 3 e France 2 têm 26,2% e 19,4%, respectivamente.


Em busca do politicamente correto


A TF1 é uma espécie de Rede Globo francesa. Primeiramente, por ser privada, num universo em que três TVs abertas de grande audiência ainda são estatais: France2, France3 e Arte, o canal franco-germânico. Por estar totalmente voltada para o mercado e a busca de audiência, os programas nem sempre primam pela qualidade. Como o jornal das oito da noite é o preferido dos franceses, os apresentadores viraram estrelas, perseguidos por revistas people como verdadeiros astros. O mesmo fenômeno que se vê no Brasil.


Harry Roselmack sabe perfeitamente que sua carreira passou a fazer parte de interesses político-midiáticos. Sua estréia foi noticiada com entrevistas e perfis, várias semanas antes, em toda a imprensa francesa.


‘Estamos numa situação em que o que conta é o marketing, a imagem de sedução e o politicamente correto. Aliás, o jornal de TF1 não é o único a fazer esse tipo de cálculo: quando uma mulher ou um filho de imigrante é nomeado para um cargo subalterno no governo, o cálculo é o mesmo. Harry Roselmack é útil à TF1 para mostrar a capacidade de integração do canal’, analisa Arnaud Mercier, professor de informação e comunicação da Universidade de Metz e diretor do laboratório de comunicação e política do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS).


Havia uma enorme a expectativa antes da estréia, pois o apresentador titular Patrick Poivre d’Arvor – PPDA, para a imprensa – está no posto há mais de 30 anos e sempre foi substituído nas férias por outro branco. Aproveitando a midiatização do caso, numerosos anunciantes fizeram questão de estar no primeiro jornal de segunda-feira (17/7).


Robert Namias, diretor de informação de TF1, deu uma entrevista ao Le Monde analisando a importância da presença de um negro no jornal das 20h de seu canal. Ele acha natural o interesse da mídia. ‘Era um antigo desejo de TF1 ter jornalistas que reflitam a sociedade francesa em sua diversidade.’ Segundo ele, entre os 200 jornalistas da emissora, dez têm origens não-branca – são asiáticos, negros ou de origem árabe. Namias não exclui a possibilidade de ter um negro permanentemente no jornal das oito.


Sarkozy tenta faturar


Nicolas Sarkozy, o esperto pré-candicato da direita à eleição presidencial do ano que vem, tentou tirar proveito da midiatização do caso, anunciando aos jornalistas, logo que soube, a futura substituição das férias de verão de PPDA por um jornalista negro.


‘Ele está no papel dele. Quando há algo de positivo no país os políticos tentam parecer que têm algo a ver com o fato’, diz o Roselmack, que mede 1,86m e é faixa preta de judô.


Quem não deve apreciar nada essa história são os partidários do direitista Jean-Marie Le Pen. Os representantes da extrema-direita tiveram a coragem de manifestar contentamento, depois da vitória da Itália sobre a França. Bruno Gollnisch, número 2 do Front National, disse que aquela seleção francesa ‘pode representar a França de amanhã, mas não representa a de hoje’.


‘Eu teria sido favorável a uma discriminação positiva com um pouco mais de franceses de origem européia’, disse.


Na Itália, a Liga do Norte – partido que tem a mesma linha racista do Front National – saudou a vitória da ‘identidade italiana’ sobre uma França que ‘sacrificou sua própria identidade convocando negros, muçulmanos e comunistas’.


Se ao fim das cinco semanas de substituição Roselmack conquistar o público e os diretores da emissora, vai apresentar uma revista semanal e um jornal na TV por assinatura no canal LCI, de informação 24 horas, do mesmo grupo que TF1.


A França, como o mundo, caminha para a miscigenação, queiram ou não Le Pen e seus seguidores.

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Jornalista