Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Suzana Singer

“Em pronunciamento em rede de rádio e televisão, na quarta-feira passada, a presidente Dilma criticou aqueles que, 'por precipitação, desinformação ou algum outro motivo', previram racionamento de energia e duvidaram que o governo conseguiria reduzir a conta de luz.

A carapuça serviria na Folha? De certa forma, sim.

Nos últimos cinco meses, o jornal exagerou o risco de racionamento e destacou pouco as vantagens econômicas advindas da queda do preço da energia.

A Folha começou essa cobertura com um gol: informou, com exclusividade, que Dilma anunciaria, na véspera do feriado de 7 de Setembro, uma diminuição na conta de luz de casas e indústrias.

Seguiram-se várias reportagens que questionavam os custos desse corte e, depois, uma série de notícias sobre a situação preocupante dos reservatórios por causa da escassez de chuvas.

Até aí, tudo bem, é papel da imprensa revelar problemas que o governo prefere manter longe dos olhos do público. Não se trata de 'falta de fé' no país, como disse Dilma, num apelo nada democrático ao nacionalismo.

O problema é que o noticiário embarcou numa toada cética e crítica. Basta ver os títulos:

'Conta de luz para residências pode cair só 10% em vez de 16,2%'

'Para compensar luz barata, imposto nos Estados pode subir'

'Com tarifa menor, elétrica deve distribuir menos lucro'

'Luz mais barata 'corrói' verbas sociais'

''Apaguinhos' crescem e corte de luz bate recorde em 2012'

'Para analista, chuvas não vão encher reservatórios'

Há 20 dias, a manchete do jornal anunciava que 'Escassez de luz faz Dilma convocar o setor elétrico'. O título interno era ainda mais alarmista: 'Racionamento de luz acende sinal amarelo'.

Tratava-se de um exagero, baseado, em parte, em uma informação errada obtida em 'off': a tal reunião de emergência, que a presidente teria convocado durante as férias, estava agendada desde dezembro. O jornal publicou só uma correção.

Na terça-feira passada, o alarme tocou novamente, desta vez por causa de 2014: 'Para Aneel, há risco de faltar luz na Copa', dizia a capa de 'Mercado'. A reportagem usou um relatório que aponta problemas graves no cronograma das obras que garantirão energia para as cidades-sede do Mundial. Só que o jornal não mencionou que, entre as conclusões, havia a ressalva de que 'a maioria desses atrasos não oferece risco iminente ao abastecimento de energia para a Copa de 2014'.

A Redação não acha que errou, já que o relatório deixa claro que, se não houver 'aceleração urgente' no ritmo de implantação das obras, haverá risco de falta de luz.

Esse último exemplo ilustra bem o problema geral dessa cobertura: tirando o governo, ninguém duvida que o sistema energético brasileiro trabalha no seu limite e que as obras para ampliá-lo estão atrasadas. É preciso apontar isso, mas sem exagerar a dose. Entre o mundo róseo descrito por Dilma na televisão e o pré-caos pintado pela Folha, deve estar a realidade.

Um grande jornal, um grande erro

Nas Redações, o assunto da semana foi a imensa 'barriga' (notícia errada) dada pelo 'El País', um dos melhores jornais do mundo. Na quinta-feira, em parte de sua edição impressa e por meia hora no seu site, o diário espanhol publicou uma fotografia do que seria Hugo Chávez internado em Cuba. Era, na verdade, uma imagem tirada de um vídeo de medicina de 2008, disponível no YouTube.

O alerta sobre o engano foi dado nas redes sociais. O jornal tirou a foto do ar, interrompeu a impressão, mas o estrago estava feito. Em nota, o 'El País' pediu desculpas aos leitores e disse que vai investigar a causa do erro, além de revisar os processos de checagem.

O vexame serviu de pretexto para ataques do governo venezuelano e da presidente da Argentina no melhor estilo 'El PIG': o erro seria parte de um complô internacional para derrubar Chávez.

Delírios políticos à parte, cabe perguntar: se fosse verdadeira, a fotografia deveria ter sido publicada com tamanho destaque (alto da 'Primeira Página')?

Na nota aos leitores, o jornal espanhol justifica que 'a imagem era pertinente diante da enorme polêmica a respeito da doença de Chávez'. O manual de Redação do 'El País' determina que 'fotografias com imagens desagradáveis só serão publicadas quando adicionarem informação'.

Só que a foto foi vendida sem data certa (o jornal dizia que havia sido feita 'há alguns dias') e sem explicação sobre a circunstância em que foi tirada. Sem esses dados, a imagem não diz muito. O falso Chávez aparece entubado, mas isso poderia ser parte de um procedimento cirúrgico.

A força da imagem, se verdadeira, estaria no fato de ter sido obtida rompendo o cerco autoritário de Cuba e contra a vontade do governo venezuelano, que lida com a doença sem nenhuma transparência. Seria um 'olé' da imprensa livre. Acabou sendo um erro vergonhoso.”