Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

José Queirós

‘No domingo passado analisei a queixa de um leitor que protestava contra a notícia intitulada ‘Professora acusada de plágio na tese de doutoramento’ (edição de 23 de Abril), na qual se identificava a alegada plagiadora e se referia que o caso fora comunicado às autoridades académicas. Essa notícia não citava fontes e ilustrava a acusação (que veio depois a saber-se ter sido formulada em carta anónima) com a grande semelhança entre uma frase do trabalho apresentado pela doutorada em questão na Universidade do Minho (UM) e uma outra colhida na tese de doutoramento defendida anos antes por um académico brasileiro.

Escrevi na altura que me faltavam ainda informações para apreciar ‘de forma detalhada e conclusiva’ o protesto recebido, mas adiantei que os dados já disponíveis me levavam a concordar com o leitor, para quem o conteúdo da notícia não deveria ter autorizado a identificação da professora.

Estou agora em condições de prosseguir a análise do caso. Mas gostaria de começar por referir que a viva discussão gerada por essa notícia na área de comentários da edição electrónica do PÚBLICO não se limitava à crítica de alguns leitores ao que viram como um desvio às normas do bom jornalismo. Um número muito significativo desses comentários sustentava que o plágio em provas académicas é uma prática banalizada, senão consentida, no ensino superior português.

Se isto for verdade (e é de interesse público que venha a saber-se se é ou não, e em que escala) é muito grave. Numa sociedade em que se acumulam sinais do que alguns vão designando por ‘falência ética’, vir a saber-se que a fraude prospera em instituições nas quais, talvez mais do que em quaisquer outras, se deve esperar que prevaleçam a probidade intelectual e o reconhecimento do mérito, seria motivo para temer que o ‘chico-espertismo’, assim instalado nas elites supostamente educadas, possa de facto corroer as esperanças de desenvolvimento do país.

Por isso, e antes de regressar à análise da peça jornalística criticada, quero dar testemunho de que consultei e comparei as duas teses de doutoramento citadas na notícia, e ainda uma terceira, mais antiga, de autor finlandês e acessível na Internet, que pelo menos um outro órgão de informação (o ciberjornal JornalismoPortoNet, da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto) referira ter sido também alegadamente plagiada na tese aprovada na UM. Faltando-me qualificações para emitir juízos definitivos sobre o caso ou antecipar os resultados da investigação académica em curso, posso ainda assim afiançar aos leitores interessados neste tema que ficaria muito surpreendido se essa investigação não concluísse de forma desfavorável à autora do trabalho apresentado na universidade minhota. E mais me surpreenderia se, cumpridas as regras do processo, não houvesse uma decisão célere.

Posso também responder às perguntas colocadas pelos leitores que, assumindo desconhecer os documentos que também desconhecia mas entretanto cotejei, consideraram que a notícia do PÚBLICO não era concludente (e de facto não era) sobre o alegado plágio. Ao leitor que fez questão de distinguir entre ‘uma frase plagiada’ e ‘uma tese plagiada’, o que corresponderia à ‘diferença entre um grão de areia e uma praia’, posso dizer que é na direcção da praia, e de uma grande praia, que nos leva a leitura dos textos. Aos que perguntaram se é certo que a tese brasileira é anterior à portuguesa, posso afirmar que sim. Aos que quiseram saber se o trabalho do investigador brasileiro aparece nas referências bibliográficas da tese sob suspeita, posso responder que não (embora seja referido um texto mais antigo do mesmo autor, o mesmo se passando com o académico finlandês referido). A quem perguntou se a estrutura da tese brasileira é semelhante, direi que, no que respeita a boa parte da tese portuguesa, falar de semelhança estrutural será um eufemismo.

Feita esta digressão para não fugir à substância do caso noticiado, convirá recordar que este está ainda em investigação e não são conhecidas explicações — da autora acusada ou outras — que possam eventualmente levar a conclusões diferentes das que resultam da impressão causada pela leitura dos textos. Mas, perguntar-se-á, não resulta deste exercício de pesquisa que a notícia inicial do PÚBLICO era afinal perfeitamente legítima e correcta?

Não, não resulta. Como escrevi há uma semana, a notícia de 23/4 não citava fontes, não fornecia dados suficientes sobre o alegado plágio, não referia que na origem do caso estava uma denúncia anónima, não ouvia as partes envolvidas — mas identificava a professora e o seu pai, ex-docente da UM. Ou seja, contribuía activamente para pôr em causa o bom-nome de duas pessoas sem apresentar razões legítimas para o fazer.

Não é por acaso que das normas de conduta profissional da redacção deste jornal, plasmadas no seu Livro de Estilo, consta o seguinte: ‘A honra, a dignidade e a reputação de pessoas individuais e colectivas devem ser escrupulosamente respeitadas nas páginas do PÚBLICO. Todos os temas que envolvam aspectos desta natureza reclamam previamente uma investigação própria muito cuidada, prudente e imparcial. O PÚBLICO só deve trazer para as suas páginas, com nome e fotografias, os casos que tenham sido investigados concludentemente’. É evidente que, à data da primeira notícia, o jornal não tinha feito, neste caso, uma investigação cuidada ou concludente. Nem a fez até agora.

Não deveria, por isso, ter dado a conhecer a identidade (e local de trabalho) da professora visada. Nem a do seu pai, do qual se escreveu já ter sido ‘acusado de favorecimento à filha’ — matéria sobre a qual o autor da peça me informou não conhecer qualquer acusação formal, notando apenas que, à época da nomeação daquela para funções docentes num instituto politécnico, terão corrido no meio ‘críticas’ nesse sentido. Ou seja, havia rumores. Ora os rumores podem ou não ser verdadeiros. É por isso que não devem ser publicados; devem ser investigados, quando se justifica.

O erro da identificação é reconhecido pelo autor da notícia, Samuel Silva (foi ‘uma decisão mal reflectida’), e pelo editor por quem passou a peça, Raposo Antunes (‘foi um lamentável erro’). Seguindo o circuito de validação e edição das notícias utilizado no PÚBLICO, tal como me foi descrito pelo director-adjunto Miguel Gaspar, a peça terá ainda passado, sem alteração, pelo crivo do editor-executivo responsável pelo fecho do jornal. ‘O director de fecho, que no caso era eu próprio, não acompanha todas as notícias e concentra-se nas mais relevantes, o que não o iliba de partilhar as responsabilidades nos erros já reconhecidos’ neste caso, diz o director-adjunto, para concluir: ‘Os erros acontecem, e mesmo que possamos invocar a pressão do fecho ou outros factores, a única resposta que podemos dar é não os repetir’.

Mas deveria a notícia ter sido publicada, desde que se rasurasse a identificação da doutorada? Na minha opinião, não. Não naqueles termos e naquele dia. Não, tendo por base uma denúncia anónima, que pressupõe frequentemente a ocultação de um interesse e representa quase sempre um acto de cobardia cívica (e recordo que só no dia seguinte foi possível apurar que a Universidade recebera essa denúncia e decidira investigá-la). Não, quando ainda não fora apurada a dimensão da alegada fraude, para ser possível avaliar o interesse público do caso. Esta opinião não é alterada pela pesquisa que eu próprio fiz e de que aqui dei conta. A meu ver, houve precipitação onde deveria ter havido uma investigação cuidada, que provavelmente teria conduzido a uma informação relevante, cuja credibilidade seria difícil contestar.

Este tipo de precipitação é uma tentação frequente. Resulta basicamente da pressão concorrencial entre profissionais e da competição comercial entre órgãos de informação. Decorre de motivos compreensíveis e muitas vezes louváveis — que neste caso são expressamente invocados pelos jornalistas envolvidos na publicação da notícia, cujas explicações poderão ser consultadas em http://blogs.publico.pt/provedor —, mas que não devem servir para contornar as boas regras do ofício. Um dos pontos que distingue um jornal de referência é a prevalência da defesa da credibilidade sobre a legítima preocupação pela notícia ‘em primeira mão’.

Seja qual for a verdade que venha a ser apurada neste caso pelas autoridades académicas — e o PÚBLICO tem agora o dever redobrado de o acompanhar —, as reacções que ele já suscitou indicam que seria do interesse público um escrutínio rigoroso dos procedimentos de validação de provas académicas na era da Internet, que permita, se for o caso, separar o trigo do joio. Nas palavras de Miguel Gaspar: ‘Essa investigação seria pertinente e alargaria o âmbito de um caso que foi noticiado de forma isolada, sem um contexto mais geral. Não sabemos quantos casos são detectados ou investigados por ano, que casos existem de teses que tenham sido rejeitadas por este motivo ou que mecanismos de defesa as universidades podem ter para os evitar.’

Um título com duas leituras

Na passada quarta-feira, o Destaque do jornal tinha por título ‘Corte do rating português causa vendaval nos mercados e aproxima o país da Grécia’. O leitor João Minnemann achou mal, considerando a frase ‘manipulativa’. Argumento: ‘O corte do rating grego (de BBB+ para BB+, portanto 3 níveis) é que levou ao descalabro. E como o corte foi de 3 níveis e o de Portugal foi só de 2 níveis (de A+ para A-) isto não aproxima Portugal da Grécia, mas sim pelo contrário, distancia a Grécia de Portugal’.

O jornalista Sérgio Aníbal, um dos autores da peça, concorda que ‘o leitor tem razão quando assinala que o rating grego também foi cortado’, informação que aliás está no texto, e aceita que ‘o título pode ser enganador nesse aspecto, não transmitindo a ideia de que a Grécia passou de uma situação péssima para uma ainda pior’.

Mas explica a opção: ‘Quando, no título, escrevemos que Portugal se aproxima da Grécia, pretendíamos transmitir a ideia de que Portugal nesse dia tinha ficado mais próximo de uma situação em que a pressão dos mercados é de tal forma forte que o recurso a uma ajuda internacional se pode tornar na única solução. É essa a situação da Grécia e é isso que Portugal tem estado a tentar evitar. Nesse dia, com a descida do rating e, principalmente, com a subida muito forte das taxas de juro, Portugal aproximou-se perigosamente de uma conjuntura semelhante à grega. Essa era a ideia forte do dia e quisemos transmiti-la aos leitores no título’. Aqui fica a explicação, que me parece clara.’