Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Margareth Sullivan

O Times tem uma nova maneira de tratar informações fornecidas por pessoas que não querem ser identificadas por seu nome – também conhecidas como fontes anônimas. Depois que escrevi, num texto que fiz para meu blog na semana passada, sobre as novas diretrizes, muitos leitores me escreveram para compartilhar suas reações. Quero usar esta coluna para dar voz a essas reações, que vão do ceticismo ao agradecimento, às vezes temperado com uma saudável dose de cautela.

Antes, porém, voltemos lá atrás. A nova política foi adotada desde que o Times publicou (e depois teve que voltar atrás em trechos importantes) dois artigos, num período de seis meses, baseados em fontes anônimas. Um deles divulgava que havia sido solicitado ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos [equivalente ao Ministério da Justiça] que empreendesse um inquérito criminal sobre as práticas de Hillary Clinton com seu correio eletrônico; o outro, divulgado por redes sociais supostamente de conhecimento público, descrevia o apoio ao jihad [guerra santa] pelos assassinos de San Bernardino.

Depois que os artigos tivessem sido revisados, e se fizessem acompanhar por notas dos editores com correções consideravelmente fortes, o editor-executivo, Dean Baquet, disse-me que que achava que as atuais práticas precisavam ser fortalecidas. Ele nomeou uma equipe do alto escalão da redação, liderada pelo editor de padrões éticos, Philip Corbett, para fazer esse trabalho; e a equipe, por sua vez, procurou ouvir a opinião dos repórteres e editores mais experientes do Times.

O resultado foi uma abordagem sensata, prudente e indispensável para um problema do qual os leitores se vinham queixando havia muito tempo. É uma das preocupações de que mais ouvi falar durante minha permanência no cargo de ombudsman.

Os leitores não sabem quem está por trás das aspas

De acordo com as novas diretrizes, os artigos em que um dos principais argumentos dependa de uma ou mais fontes anônimas devem ser submetidos a um exame profundo e especial; devem ser encaminhados para revisão e aprovação por Dean Baquet ou um dos subeditores-executivos, Matt Purdy ou Susan Chira. Numa entrevista que me deu na semana passada, Matt Purdy descreveu esse tipo de matéria como IED [um IED é um artefato explosivo improvisado – Improvised Explosive Device; uma bomba construída e detonada de maneira não convencional] jornalísticos em potencial porque pode explodir e causar grandes prejuízos à credibilidade do Times.

Qualquer outro uso de fontes anônimas passa pela aprovação do responsável pela editoria – por exemplo, o editor de cultura, de cidade ou de internacional. E as diretrizes reforçam uma política de longa data – a de que um editor deve conhecer a identidade de cada fonte anônima.

E por fim, as diretrizes determinam que o uso de aspas em declarações de pessoas anônimas deveria ser raro. Purdy disse-me que, de maneira demasiado frequente, as aspas permitem que as pessoas manifestem “suas impressões, seus impactos, seus programas” sem qualquer responsabilidade e sem permitir que os leitores avaliem seus motivos. Afinal, os leitores não sabem quem está por trás das palavras entre aspas.

Muitos leitores gostaram que o Times tivesse levado a sério suas preocupações. “Excelente!”, escreveu Steven Hillyard, de Carmel, Califórnia, que ainda disse que quase já desistira da questão. E acrescentou: “Mantenham-se firmes. Para nós, é importante receber as notícias concretas, e não apenas seu efeito.”

A verdade por trás da denúncia

Jim Poling, secretário de redação do Hamilton Spectator, um diário de Ontario, no Canadá, elogiou o Times pelo que chamou um passo importante e por enfatizar a importância da credibilidade. Distribuiu as diretrizes entre sua equipe para que esta as avaliasse.

Entretanto, a reação mais comum talvez tenha sido uma espécie de ceticismo decorrente do tédio, do tipo “Acreditarei quando vir.” Philip Kalikman, de Nova York, disse que as garantias das pelos editores de que as diretrizes serão acatadas “baseiam-se em muitas ilusões e boas intenções”. Ele fez uma proposta de que as diretrizes sejam monitoradas pelos leitores: “Que tal uma exigência de que sempre que um leitor escrever ao(à) ombudsman para questionar ou se opor ao uso de uma fonte anônima e o(a) ombudsman considerar válida essa objeção, os editores do jornal respondam a esse incidente específico com mais informação?” Repassei a sugestão a Philip Corbett.

Uma outra reação – menos comum, mas que definitivamente vale a pena levar em conta – foi a preocupação de que esta política possa prejudicar o jornalismo. Alguns leitores compreendem que, às vezes, as fontes anônimas são a única maneira para divulgar matérias importantes. Steven M. Gorelick, de Westfield, Nova Jersey, escreveu: “Parece-me que sou minoritário, mas espero que o Times faça todo o possível para garantir que o uso das fontes anônimas continue sendo uma parte vital e eficaz das ferramentas do repórter.” Tornar as regras mais rigorosas é bom, disse Gorelick, mas o jornal não deve exagerar. “A última coisa que eu quero é um produto jornalístico limitado por matérias fornecidas e confirmadas por fontes conhecidas”, escreveu. “Não quero denunciantes intimidados que se recusem a falar pelo telefone. Não quero pessoas poderosas que só sabem de verdades dolorosas e têm medo de se expor se entrarem em contato com um repórter.” Steven Gorelick depende, diz ele, “da melhor avaliação e do exame mais cuidadoso pelos jornalistas do Times de quem são essas fontes e qual é a verdade por trás do que denunciam”.

A confiança junto aos leitores

Seus comentários são inteligentes. Sempre que eu escrevi sobre esse assunto, principalmente para forçar o Times a seguir suas diretrizes sobre o uso de fontes anônimas exclusivamente como “último recurso”, reconheci que fontes confidenciais são indispensáveis para boa parte do melhor jornalismo.

Estas novas diretrizes não proíbem fontes anônimas, nem o deveriam fazer. Mas provavelmente as tornarão menos comuns e mais rigorosamente examinadas; isso já estava evidente nas páginas do Times da semana passada. As diretrizes são um avanço recomendável. Será importante aderir a elas conscienciosamente, não apenas nesta primeira fase, mas no longo prazo.

As primeiras palavras do comunicado pelo qual Dean Baquet anunciou as mudanças são esclarecedoras: “O uso de fontes anônimas, às vezes é fundamental para a nossa missão jornalística. Mas também exerce uma pressão sobre o principal bem de que dispomos: a nossa confiança junto aos leitores.

Às vezes, é necessária uma crise para criar a mudança. Porém, independentemente de quem a provocou, a liderança da redação ouviu as preocupações dos leitores e agiu com rigor. Isso é alentador e fundamentalmente importante para o futuro do Times.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times