Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Paulo Machado

‘‘Está ‘pobre’ o noticiário da EBC sobre royalties e o projeto Ibsen Pinheiro. O assunto, pelos recursos envolvidos, pela tensão política que provoca e até pela ampla mobilização de massas realizada recentemente no Rio está a merecer maior pesquisa e avaliação, com a participação de cientistas e especialistas no assunto.’ – foi o que escreveu o leitor e economista Paulo Timm para esta Ouvidoria sobre a cobertura da EBC tratando da distribuição dos royalties do petróleo. Como o leitor não especificou por qual veículo acompanhou a referida cobertura esta Ouvidoria encaminhou sua demanda para a Diretoria de Jornalismo e para a Agência Brasil.

A Diretoria respondeu: ‘Não sabemos exatamente a que se refere o leitor quando afirma que ‘está pobre o noticiário da EBC sobre royalties e o projeto Ibsen Pinheiro’. Entendemos ter feito uma cobertura bastante completa sobre o assunto em nossos veículos. Na televisão, inclusive, arriscaria dizer que o Repórter Brasil deu mais espaço do que os demais noticiários. Chegamos a fazer um debate com a participação do próprio Ibsen Pinheiro e do prefeito de Ilhabela, Toninho Colucci, no dia seguinte à votação, no RBNoite, mediado pelo próprio Lincoln Macário, nosso âncora. Fizemos um outro, quando a emenda chegou ao Senado, com os senadores Renato Casagrande e Álvaro Dias, falando sobre o que ocorrerá lá. Além disso, fizemos matérias todos os dias, do Rio e de Brasília, mostrando as discussões e manifestações. Fomos a Rio das Ostras (RJ) mostrar como os recursos dos royalties são usados pelas prefeituras. Isso sem falar nos quadros ‘RB Explica’, veiculados quase diariamente: explicamos didaticamente o que é pré-sal, o que são royalties, como é a divisão hoje e como pode ficar. Esse tema é tão importante para nós que a TVBrasil já produziu e exibiu um programa Caminhos da Reportagem inteiro sobre o assunto, ouvindo especialistas de diversos matizes e gravado em parte numa plataforma de petróleo. Não há, portanto, qualquer sentido nesta reclamação.’

A Agência respondeu: ‘A Agência Brasil publicou inúmeras matérias -com destaque na primeira página- sobre os royalties. A repórter Luciana Lima fez duas longas entrevistas exclusivas com o deputado Ibsen Pinheiro, autor do projeto. A Agência Brasil fez ainda matérias com tributaristas: Ives Gandra Martins, com o Senador Francisco Dornelles, com presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, e com o Presidente dao Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, entre outros especialistas. A Agência cobriu, e continua cobrindo, toda a discussão ocorrida no Congresso Nacional neste período.’

Apresentamos a seguir os números a que a Ouvidoria chegou a partir de uma análise detalhada das 92 matérias publicadas no período entre 19/02/10 e 25/03/10 pela ABr.

Em outras colunas aqui neste mesmo espaço falamos das diversas divisões em que o poder político e econômico submete o povo brasileiro: centro e periferia, ricos e pobres, diplomados e sem diplomas, com ou sem terras, moradias e etc. Agora, nesta nova polêmica, surge uma nova forma de divisão: populações de estados produtores de petróleo versus de estados não produtores.

A mídia de um modo geral embarca e reforça essa divisão. Analisando o tipo de abordagem sobre o assunto em questão constatamos que a cobertura da ABr não foge à regra. Dos 36 argumentos constitucionais apresentados nas 25 matérias onde as fontes adotam este tipo de abordagem, 27 (75%) são utilizados favoravelmente ao atual esquema de distribuição de recursos que beneficiam exclusivamente os estados produtores e oito (22%) utilizam os argumentos para justificar uma distribuição proporcional entre todos os estados e municípios da Federação. Completando a estatística, há uma única matéria onde o argumento é usado de maneira genérica: ‘Vamos primeiro analisar a constitucionalidade da proposta’.

Dentre as 50 abordagens nas matérias que tratam da tramitação das propostas do pré-sal no Senado, 16 falam em negociações para derrubar a ‘emenda Ibsen’ ou substituí-la por uma fórmula mais próxima ao projeto original do governo, que é mais favorável aos estados e municípios produtores, ou ainda, em adotar mecanismos alternativos para a União transferir recursos e recompensar as perdas dos estados e municípios que se beneficiam dos royalties. Em apenas uma matéria defende-se abertamente a manutenção da igualdade de condições entre todos os estados.

Ao observarmos a cobertura feita pela mídia em geral constatamos ser essa a regra e muito poucas as exceções. Autoridades já falam em ‘disputa fratricida’ pelos royalties do petróleo. Disputa essa que parece se refletir no tipo de cobertura midiática que enfatiza os interesses particulares de alguns estados discriminados como ‘produtores’ em detrimento daqueles ‘não-produtores’.

O Pacto Federativo e a própria Constituição que o define, são citados e utilizados para justificar posições que dividem o povo entre os dois tipos de ‘estados’, indo na contra-mão da própria essência de seu conteúdo igualitário, onde todos somos iguais, com direitos e deveres iguais. Mas nessa discussão parece que alguns são historicamente ‘mais iguais’ do que outros, alguns têm direito a fatias maiores ou exclusivas dos recursos advindos de riquezas naturais presentes no sub-solo da nação brasileira. Essa ‘distorção histórica’ é admitida por algumas das fontes ouvidas nas matérias da ABr.

Ao deixar-se aprisionar nessa armadilha, dos dois lados de uma questão, a Agência Brasil não consegue fugir lugar comum, perdendo a oportunidade de lançar um novo olhar que enriqueça o debate trazendo elementos que coloquem a discussão num patamar onde o federativismo e o igualitarismo constitucionais sejam o centro e não a periferia do conteúdo apresentado. Em apenas quatro das 92 matérias essas abordagens são consideradas pelas fontes: ‘os royalties pertencem à União’ ou ‘os royalties pertencem à toda a população brasileira’.

Os especialistas, sugeridos pelo leitor, são fontes de sete matérias. Em seis delas as fontes estão ligadas à instituições dos ‘estados produtores’ e em uma, à instituição localizada em ‘estado não-produtor’. Apesar deste quesito (localização da instituição) não ser no caso muito significativo pois não necessariamente isso condicionaria suas posições, ele revela a dificuldade em se ouvir especialistas que estejam fora do eixo Rio-São Paulo, dois dos ‘estados produtores’ e, portanto, menos insuspeitos.

Uma outra abordagem do assunto que pode contribuir decisivamente para a qualidade do debate reside na questão da aplicação dos recursos. Apenas quatro matérias tratam da questão quer seja em seus aspectos históricos quer seja de regras para sua futura destinação. No entanto, a eficiência e a eficácia da utilização desse dinheiro pelas administrações federal, estadual e municipal em politicas públicas que atendam aos direitos do cidadão, poderia ser um dos principais diferenciais da cobertura da agência pública.

Além da necessidade de suplantar as fronteiras burocráticas que dividem o povo brasileiro por seus estados de origem, a cobertura midiática também carece de suprimir a divisão entre fontes ‘oficiais’ e populares. Ouvir as autoridades que conduzem o processo é sem duvida nenhuma o caminho mais fácil e também o que mais contribui para a exclusão da população deste debate. Não falamos de promover enquetes do tipo ‘o que o povo acha’ ou ‘quem deve ficar com a maior fatia dos recursos’ e sim divulgar e incentivar a discussão sobre os direitos do cidadão brasileiro e a distribuição das verbas públicas para atender a estes direitos, da repartição do orçamento entre os Poderes e os diversos níveis de governo, da participação popular no planejamento e execução das políticas públicas, da qualidade dos serviços públicos e da origem dos recursos para seu financiamento.

Talvez seja isso que o leitor espere para enriquecer o ‘pobre noticiário da EBC sobre royalties e o projeto Ibsen Pinheiro.’

Até a próxima semana.’