Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Paulo Machado

‘A leitora Jussara de Goiás escreveu para esta Ouvidoria comentando a cobertura da Agência Brasil sobre a recente catástrofe que se abateu sobre o Rio de Janeiro: ‘Ao ler sua coluna sobre a distribuição dos recursos do pré-sal entre os estados produtores e não produtores, penso que, falando em participação popular, planejamento, políticas públicas e orçamento, me parece que a grande preocupação que perpassa a cobertura da Agência Brasil sobre as chuvas no Rio de Janeiro são os grandes eventos programados: Olimpíadas e Copa do mundo! Afinal, algo será feito para evitar novas mortes, desabamentos, caos social? Como será que estão os hospitais? As escolas públicas? O planejamento dos próximos anos levará isso em consideração?’

A ABr respondeu: ‘agradecemos os comentários da leitora’.

Realmente a cobertura da mídia em geral enfatizou a questão da agenda da cidade no que se refere aos grandes eventos citados pela leitora, mas esse não foi o caso da Agência Brasil. Das 144 matérias publicadas entre os dias cinco e 13 de abril, analisadas pela Ouvidoria, apenas duas faziam referências àqueles eventos.

Nos três primeiros dias a cobertura ateve-se prioritariamente aos fatos, atualizando as informações sobre os impactos das chuvas na rotina da cidade: mostrando como o funcionamento dos serviços públicos foi alterado ou até mesmo paralisado e como os cidadãos tiveram que ‘se virar’ para sobreviver aos alagamentos e deslizamentos. Estas primeiras notícias também davam cabo da movimentação das autoridades e das iniciativas para tentar minimizar os graves problemas que se sucederam. Foram matérias que prestaram serviços de informação e orientação à população.

Na sequencia dos acontecimentos pudemos notar que a reportagem passou a se locomover para as áreas mais afetadas em busca de retratar mais de perto a tragédia. A reportagem conseguiu chegar perto, mas talvez não tão perto quando seria o desejado, salvo raras exceções como nas matérias Niterói procura desaparecidos em deslizamentos de terra e Jovem perdeu toda a família em casa onde morreram pelo menos 13 pessoas, publicadas dia sete e dez de abril, respectivamente. Notamos que em muitas oportunidades a reportagem se satisfez com o olhar e a opinião das autoridades responsáveis pelo socorro às vítimas, como se não tivessem seus próprios sentidos para observar o que acontecia e expressar suas emoções e sentimentos. Era hora de descrever os dramas em si e não somente o número deles. Era preciso literalmente pisar na lama e não somente usar a tragédia como cenário para performances pessoais, como fizeram alguns âncoras de telejornais.

Era o momento de humanizar-se a cobertura daquilo que até então apareciam apenas como números de mortos, desabrigados, soterrados e desaparecidos. Sem sensacionalismo nem espetáculo, era preciso dar personalidade às vítimas, aos dramas pessoais que assolaram cidadãos que vivem, sobrevivem e morrem sem ter seus direitos mais fundamentais atendidos pelo Estado brasileiro. Era o momento de se comparar como as chuvas afetaram os moradores dos bairros nobres que molharam seus pés com os moradores dos morros, da periferia, afogados na lama e no lixo. Podemos dizer que até então, apesar da cobertura não conseguir inovar e superar o óbvio, o esperado, ela cumpriu com sua obrigação.

A reportagem passou para o leitor a dimensão da tragédia à medida que ela ia sendo delineada pelas autoridades de plantão. Embora todos saibamos o quão difícil é nestes momentos a locomoção de equipes de reportagem e do esforço necessário para se identificar as áreas e as pessoas mais atingidas, percebe-se que a apuração não chegou à maioria dos locais onde os fatos aconteceram, designados apenas pelos nomes dos bairros onde sucederam.

Passado este primeiro momento era hora de aprofundar a informação para contextualizar os fatos a partir do processo que levou a eles – não aos fenômenos climáticos em si, mas a maneira como impactaram diferentemente os diversos grupos sociais, principalmente os mais vulneráveis. Era chegada a hora dos porquês.

Ainda no dia seis, ou seja, um dia após o início dos temporais, a matéria Ações de prevenção poderiam impedir prejuízos causados pelas chuvas, diz especialista, levou aos leitores as primeiras informações discutindo a omissão das politicas publicas sobre a questão. No dia sete, a notícia Especialista diz que engenharia pode evitar tragédias de grandes proporções com desastres naturais, deu continuidade ao debate.

No mesmo dia sete, uma notícia sobre a divulgação dos resultados de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) tratando da aplicação dos recursos federais destinados à Defesa Civil, sinalizou para possíveis deficiências no sistema, mas não se aprofundou na questão e não a repercutiu.

No dia oito, a matéria Comissão do Senado quer proibir serviços de infraestrutura em áreas de risco, procurou mostrar que os políticos em Brasília começavam a tomar providências no âmbito do Legislativo para reparar antigos problemas. No mesmo dia, as notícias: OAB no Rio vai oferecer atendimento jurídico a vítimas de temporal e OAB quer que Ministério Público Federal investigue responsabilidade por tragédia no Rio, informam sobre a entrada da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, na questão e incrementam o debate sobre as responsabilidades do Estado brasileiro.

A partir do dia nove de abril a cobertura da Agência Brasil começou a mostrar alguns resultados das ações emergenciais tomadas pelas autoridades no que se refere à saúde e à segurança dos atingidos. Na matéria Governo libera R$ 1 bilhão para financiar casa própria para desabrigados no Rio, tem-se notícia de providencias efetivas por parte do poder público para começar a resolver o problema da qualidade da moradia. Na matéria Vítimas da chuva têm casas interditadas, mas não recebem ajuda para mudança, pode-se notar que a eficiência nos procedimentos administrativos passa longe dos discursos e das intenções descritas na notícia de que Famílias que vivem em sete áreas de risco no Rio serão reassentadas, diz Paes, publicada no dia 11.

Nos últimos dias 12 e 13 a Agência continuou aprofundando a discussão sobre os direitos dos cidadãos atingidos. Nas matérias Vítimas das enchentes podem recorrer à Justiça, diz associação e Prefeito apresenta plano de reassentamento ao Tribunal de Justiça, ao MP e à OAB-RJ, alem de atualizar os leitores sobre os fatos, informam também sobre as providências emergenciais e as campanhas de solidadriedade e de socorro às vítimas.

Das 144 matérias analisadas, 97 (67%) podem ser consideradas relatos dos fatos ocorridos no que diz respeito aos seguintes aspectos do desastre: condições meteorológicas, transtornos nas vias de transporte, falhas no fornecimento de serviços públicos, balanços de mortos e feridos e ações concretas de resgate e assistência imediata às vítimas. O restante, 33% das matérias, incluem contextualização e repercussão dos fatos junto à autoridades, especialistas, cidadãos e organizações da sociedade civil. Ao todo foram ouvidas 202 fontes sendo 24 moradores que residiam em áreas destruídas pelos deslizamentos.

Fazendo um balanço do impacto das chuvas na informação prestada pela ABr observamos que o episódio foi coberto satisfatoriamente no que diz respeito ao equilíbrio das fontes ouvidas e das possíveis abordagens. Para o leitor que acompanhou a cobertura há informações suficientes para chegar às suas próprias conclusões. Consideramos que o jornalismo da empresa pública cumpriu com sua missão e, ao contrário do que sugeriu a leitora, ‘a grande preocupação que perpassa’ não foram os grandes eventos programados para a cidade.

Até a próxima semana.’