Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O meu ‘Jornal da Tarde’

Cada um dos que por lá passaram, e em 46 anos foram centenas, teve o seu Jornal da Tarde, e sobre ele poderia debulhar um mundo de impressões e lembranças. No caso do repórter esportivo Vital Battaglia, por exemplo, a experiência rendeu um livro, Ah! – Atestado de Óbito do Jornal da Tarde. A mim, bem mais modestamente, coube-me um período não muito longo – maio de 1970 a setembro de 1973 –, porém riquíssimo, em que vivi momentos cruciais de minha juventude e formação. Foi também um tempo de esplendor da lendária publicação paulistana, nascida em 4 de janeiro de 1966 e desaparecida, ao cabo de inglória agonia, em 31 de outubro de 2012.

Não sou apenas eu que digo: tenho sob os olhos uma declaração de Mino Carta, seu criador e primeiro editor-chefe, em 1986: a melhor fase se estendeu de 1969 a 1973, pois “é aí que o Jornal da Tarde se cristaliza”. Mino não puxava a brasa para suas fartas e invejáveis sardinhas, pois em janeiro de 1968 havia deixado a casa para criar a Veja.

Se está correta a sua avaliação, participei da melhor quadra de um desses raros jornais cuja existência a mais sucinta história dos avanços na imprensa brasileira não poderia ignorar. Do JT se falava, e não só em São Paulo, como algo revolucionário em termos de texto e design. Não se limitou a ser uma esplêndida costela do Jornal do Brasil, cujos experimentos, na década de 1950, ajudaram a desengravatar nossos diários. O JT levou adiante essa revolução, radicalizando o recurso ao espaço em branco e a um texto com pélvis cada vez mais solta. A palavra de ordem era o “texto leve”, porém substancioso, no qual emoção e humor eram bem-vindos. Não foi inovação pequena – a começar pela casa onde a nave-mãe, O Estado de S.Paulo, até então chamava gol de “ponto” e vereador de “edil”.

Tente imaginar o impacto que terá causado a chegada de um bando de jovens no ambiente circunspecto da empresa da família Mesquita, instalada ainda no número 28 da pequena, feia e triste rua Major Quedinho, no Centro da cidade. A redação do JT foi montada no mesmo quinto andar onde funcionava a do Estadão. Ligando uma a outra, havia um corredor largo, em discreto arco, que os recém-chegados (quase todos na “gloriosa faixa etária situada entre os 25 e os 30 anos”, haverá de se lembrar um deles, Carmo Chagas) não tardaram a batizar de “túnel do tempo”.

De madrugada, com a redação do Estado deserta ou quase, armavam-se no corredor umas peladas com bolas de papel. Foi ali que o repórter Ramon Garcia, com a pelota nos pés, percebeu que alguém se aproximava por trás – e aplicou artístico “chapéu” em ninguém menos que Júlio de Mesquita Filho, o Dr. Julinho. O comandante máximo da S.A. O Estado de S. Paulo seguiu firme, sem passar recibo da finta – ao contrário do filho Ruy, que um dia se encaminhava para o elevador quando o repórter Eric Nepomuceno, sem dar pela presença do diretor do JT, ergueu uma perna e apertou o botão com o pé. “Boa forma, rapaz”, disse apenas o Dr. Ruy.

Também no “túnel do tempo”, um chute desferido pelo subeditor de reportagem Sandro Vaia (muito mais tarde, diretor de redação do Estado) quebrou a moldura de um retrato de Machado de Assis. Quando, em abril de 1968, uma bomba explodiu no saguão do edifício, os peritos arrolaram a moldura entre os danos causados pelo atentado direitista. Foi também Sandro quem, numa madrugada de 1969, tendo chegado à redação do JT a notícia da morte do poeta Guilherme de Almeida, correu ao relógio de ponto e bateu a saída do ilustre colaborador do Estado.

Rainha mordaz

Nos anos que lá passei, o JT tinha ainda sua imagem associada a juventude, talento, irreverência. Continuava sendo uma sensação. Tanto que a certa altura de 1971 baixou na redação uma alentada equipe – 12 repórteres – da revista mensal Bondinho, também ela uma publicação cheia de atrevimentos. “Invadiram nossa redação”, leu-se depois na capa da Bondinho, que imitava a cara do JT, chamando para uma reportagem que durante 24 horas acompanhou o nosso trabalho. O título da matéria – que ocupou oito das 38 páginas da revista – também arremedava o nosso estilo: “É uma bagunça, uma desordem, um barulho, uma confusão danada: estão fazendo um jornal. O mais bem-feito da cidade”. E era mesmo.

“A juventude que a gente respira aqui no Jornal da Tarde anima, rejuvenesce e alimenta”, escreveu no pé da reportagem o comandante da equipe da Bondinho, Woile Guimarães, veteraníssimo aos 32 anos. Na nossa redação, o caçula era Paulo Moreira Leite, repórter de Esportes, mal chegado aos 18. Perderia o posto para Luís Fernando Silva Pinto, mais tarde repórter da TV Globo, talentoso foca que forçou entrada no jornal, aos 16, grudando em Luiz Carlos Secco, repórter de automobilismo. Por alguma razão, ganhou o apelido de Paquinha. No dia em que o mandaram embora, foi se despedir de mesa em mesa, chorando. Persistente, não tardou a voltar.

Nosso decano era o repórter Ewaldo Dantas Ferreira, que aos 46 ganharia destaque internacional ao colher na Bolívia o depoimento de um nazista fugitivo da Justiça, Klaus Altmann-Barbie. Seu trabalho imediatamente rendeu livro – a exemplo do que acontecera, em 1970, com uma reportagem do JT sobre a rodovia Transamazônica, cuja abertura então se iniciava, a cargo de dois jovens jornalistas mineiros: Fernando Morais e Ricardo Gontijo.

Quase tão vivido quanto Ewaldo era o editor de Internacional, Luiz Carlos Lisboa, homem fino e culto cuja voz mansa mal se ouvia na redação. Muitas lembranças me ficaram dele, todas excelentes, incluindo um episódio burlesco de que foi personagem secundário. Lisboa tinha em sua equipe um redator a quem nos referíamos como o Judeu Errante – por sua origem semítica e porque errava muito. O editor-chefe, Murilo Felisberto, mandou demiti-lo. O delicado Lisboa o fez com tantos circunlóquios e eufemismos que no dia seguinte lá estava o moço a errar, como se nada houvesse acontecido. O editor precisou voltar à carga, agora mais direto, e aí o redator veio com esta maravilha:

– Quer me contrariar, é tocar nesse assunto!

É farto o repertório de frases e historinhas daquela redação, não raro banhadas em maldade inteligente. Por escrito, ninguém superaria o carioca Telmo Martino, que em sua coluna no JT, durante anos, a partir de 1972, distribuiu finíssimas alfinetadas, visando sobretudo às caricatas “turmas” a que deu nomes, quase todos autoexplicativos: “poncho-e-conga”, “barba-e-bolsa”, “tempura-e-mesura”, “scala-e-escarola”, “quibe-e-quilate”, “kosher-e-kibutz”. É espantoso que Telmo, fino no trato mas corrosivo na escrita, tenha atravessado anos de São Paulo sem mais que um chute no traseiro desferido pelo poeta Mário Chamie.

Vá aqui uma historinha dele. No dia em que chegou à redação (a esta altura, no 6º andar, de onde decolaria em 1976 rumo à Marginal do Tietê, Telmo, tímido e desambientado, aceitou convite para sentar-se ao lado de Flávio Márcio, ótimo jornalista (que morreria jovem, em 1979), enquanto ele diagramava uma página. Pelas tantas, em seu esforço para impressionar o recém-chegado, Flávio declarou que “gostaria mesmo é de ser uma puta internacional” – ao que o colunista retrucou: “Uê, viaja…”.

A mordacidade de que Telmo foi o suprassumo era um atributo muito apreciado no JT – e não por acaso, já que poucas línguas havia, ali, mais venenosas que a do próprio editor-chefe. Na boca de Murilo Felisberto, o rótulo “filho da puta” podia ser um elogio a quem destilasse artística peçonha. Certa vez, quando lhe contaram que haviam tentado “comprar” um repórter, Murilo perguntou: “Quem?” – e ao ouvir o nome, cravou:

– Vende! Vende!

Muitas histórias daquele que entre nós chamávamos de “Rainha” voltaram à tona no que se escreveu por ocasião de sua morte, em 2007. Como esta declaração, num fechamento em que tudo dava errado:

– Hoje, se tudo correr bem, eu me fodo!

Ainda posso ver sua figura miúda e seca, as costas um pouco curvas, os cabelos precocemente brancos alvoroçados numa carapinha, óculos de aros ovais dourados empoleirados no nariz adunco, sardas pintalgando a pele muito clara – tão clara que inspirou uns versos quando uma febre de haicais gozativos assolou a redação: “O pinto da Rainha/ é branco/ como farinha”. No dia em que fui lhe entregar meu convite de casamento, Murilo o examinou demoradamente – e quando abriu a boca foi para fazer uma crítica tipográfica de minhas bodas. Eu já ia saindo quando me recomendou:

– Não tenha filhos! É o maior problema na hora da separação!

Reportagem inesquecível

Sem demérito da linguinha viperina, o maior dos talentos de Murilo era o de designer, criador de belas, ousadas, inesquecíveis páginas. Com evidente exagero, pour épater le bourgeois, ele chegou a dizer que detestava notícia e que gostava mesmo é de “frescura”. Nunca me pareceu que a política o preocupasse minimamente, e me pergunto se o Murilo tinha em mente os tempos de censura que vivíamos quando pôs no fundo de uma página, em retícula, de alto a baixo, uma tesoura aberta.

Coube a mim o pesadelo de fechar a matéria, sobre o declínio do ofício de alfaiate. Num tempo em que não havia computadores que o fizessem por nós, o texto ia sendo encaixado, linha por linha, nos dois ângulos da tesoura. Ficou uma beleza – e era isso, para o Murilo, o que mais contava.

Ele às vezes reagia como criança emburrada. Quando, em 1992, publiquei O Desatino da Rapaziada (Companhia das Letras), que tem uma passagem sobre os começos do JT, soube que o Murilo ficara chateado. Só faltou fazer beicinho:

– Eu apareço duas vezes, e o Mitre, cinco!

Fernando Mitre, amigo e discípulo, o substituíra quando deixou o comando da redação do JT, em 1978. Era um dos jovens talentos que Murilo – mineiro de Lavras que se fez profissionalmente em outras praças – foi buscar em Belo Horizonte, no segundo semestre de 1965, para compor a equipe do jornal. Arrebanhou um time de que fizeram parte, entre outros, Ivan Angelo, Carmo Chagas, Moisés Rabinovici, Flávio Márcio, Kleber de Almeida e Luciano Ornelas. O mais vivido deles, Ivan Angelo, estava a um mês de completar 30 anos quando o jornal foi lançado. Pouco menos, aliás, que Mino Carta, com seus 32. O então secretário Murilo tinha apenas 26. A mineirada chegou com a fama de ser boa de texto, e se esforçou para se adaptar ao meio – com tanto empenho que um deles mereceu gozação de um colega paulista, o futuro romancista Renato Pompeu: tendo escrito a palavra “linguiça”, o forasteiro julgou necessário informar ao leitor ser este “o nome que os mineiros dão à calabresa”.

Aos poucos, muitos outros mineiros haveriam de somar-se àquele time – e nem poderia ser diferente. Quando se abria uma vaga na redação, os montanheses vasculhavam a memória em busca de quem pudesse preenchê-la – e como a maioria de seus conhecidos estava em Belo Horizonte, era lá que se ia buscar reposição. Assim vieram, por exemplo, não sei em que ordem de chegada, Fernando Morais, Gilberto Mansur, Marco Antônio de Menezes, Marco Antônio de Rezende e, no mesmo ônibus da Cometa, em maio de 1968, Nirlando Beirão e José Márcio Penido. Também em 1968, na esteira de prêmios literários, veio uma revelação da ficção nacional, Luiz Vilela, mineiro de Ituiutaba. Não esquentou lugar, mas recolheu inspiração para um romance cujo título já dá conta das impressões do autor: O Inferno É Aqui Mesmo, de 1979.

Naquele mecanismo de mineiro-puxa-mineiro, tive a partir de 1968 ofertas para trabalhar no jornal que tanto me encantava. Quando me decidi, não havia convite – mas vim assim mesmo, em maio de 1970, para cair num caldeirão em que vários outros focas disputavam duas vagas na reportagem da editoria Geral. Se fiquei com uma delas, não foi por competência – que, de resto, não tinha, pois toda a minha experiência jornalística até então se limitava a dois anos passados na redação do Suplemento Literário do diário oficial Minas Gerais. Já contei em crônica (“Meu Traumatismo Ucraniano“) o desastre que foi, no SLMG, uma das primeiras entrevistas de minha vida, com Clarice Lispector, da qual circula na internet uma foto em que a escritora fulmina com os olhos o cabisbaixo, arrasado repórter, por causa de uma pergunta infeliz.

Significa que na redação do JT eu comecei do zero, naqueles tempos em que ainda não se exigia diploma de jornalismo, e, se ganhei uma vaga, o devo a dois colegas. O fotógrafo José Pinto, com quem fiz minha primeira reportagem, no bairro da Casa Verde, para achar malfeitos do prefeito biônico Paulo Maluf, e que, sem me dirigir uma palavra, mas com a precisão com que apontava sua câmera, me ensinou o caminho das pedras. E o editor da Geral, Fernando Portela, meu primeiro e maior mestre nesse ofício.

Pernambucano de Olinda, Portela era uma das figuras centrais da vida na redação, e não apenas por comandar uma das editorias mais importantes. Reinava por seu brilho de editor e repórter, mas também pelo humor vitriólico, que lhe valeu o apelido de “Satã”. Malignidade? Prefiro ver suas intervenções como clarões de inteligência envelopados em exercícios de virtuosismo verbal. Pois Portela, hoje autor de obra respeitável, já era um craque do texto – categoria na qual se encaixavam, por que não?, as observações que proferia de sua mesa, enquanto, sentado sobre uma perna dobrada, diagramava uma página ou canetava matéria de algum de nós.

Pena que saísse tão pouco à rua, sendo o extraordinário repórter que era. Reportagens suas viraram livro. Minha predileta é o diário de bordo que Portela destilou enquanto acompanhava a solene viagem marítima em que os ossos de Pedro I vieram de Lisboa para o Brasil, em 1972. Quando ia mais pesada a repressão da ditadura militar, o repórter conseguiu passar nas entrelinhas a informação de que a mulher de um ministro graúdo tinha deixado a mesa do almoço para vomitar. A irreverência passou despercebida dos censores que, na época, atuavam nas dependências do jornal.

Mazelas na coluna

“Fulano de Tal ganha um fusca por mês” – me lembro de volta e meia ter ouvido a cotação, a respeito de fulanos que nem ocupavam as mais altas prateleiras da redação. Copidesque, jamais ganhei um fusca no JT, mas não me lembro de apertos financeiros. Em dado momento, Murilo me apresentou à então incontornável obrigação da monogamia jornalística. Eu tinha convite para secretariar um congresso de bancos, freelance equivalente ao meu salário, mas precisaria tirar cinco dias de licença; a Rainha vetou – e me deu aumento.

Um copidesque entrava no começo da noite e saía em algum momento da madrugada. Boa parte das matérias era reescrita, e a busca do melhor lead podia tomar tempo. Tenho ainda na memória um lead da Valéria Wally, copidesque da Variedades, numa pequena matéria sobre perfumes: “Milhares de flores morreram para que alguém se volte quando você passa. Lembre-se disso quando for comprar um perfume – e não lamente o preço”.

Valéria era uma das poucas mulheres no JT de meu tempo, quando o jornalismo ainda estava longe de tornar-se o que hoje é: cada vez mais, um ofício feminino. A única, me dou conta agora, a figurar na foto que abre a matéria da Bondinho, em companhia de duas dúzias e meia de marmanjos (me reconheço, de bigode, no lado direito, atrás de Eduardo Castor e ao lado de Antônio Portela).

Havia outras. Uma dúzia? A bela Cláudia Batista, que aos 20 e poucos anos convulsionava corações e depois se converteria ao budismo, tornando-se a Monja Coen. Bia Bansen, com seus RRR rascantes de alemãzinha. Regina Echeverria, a alguns anos de tornar-se best-seller com sua biografia de Elis Regina. A atriz Inês Knaut. Evelyn Schulke. Leila V.B. Gouvêa. Liane Alves. Teresa Montero. Sandrinha Abdalla e seus gostosos desenhos. Yole Di Capri, mãe de futuro astro da Globo. Por breve tempo, esteve entre nós a professora Cremilda Medina, que em 1971 Murilo contratou para “cremildar”, como dizíamos, o jornal da véspera, garimpando nossos erros. Por sua causa, e isso lhe devo, me muni de gramática e dicionário para as madrugadas de escreveção.

Mesmo sendo jornal diário, punha-se esmero de revista na elaboração dos textos, olhos, legendas, títulos. Quanto a estes, ficou famoso, naquela e em outras redações, o título dado por Guilherme Cunha Pinto, o falecido Jovem Gui (pois havia no jornal um xará mais velho, Guilherme Duncan de Miranda, o Bill Duncan, que também já se foi), a uma notícia em 1973: “Morreu Picasso – se é que Picasso morre”. Não foi só no JT que marcou época o Jovem Gui – por seu texto finíssimo, mas também por sua beleza e pelo ar de desamparo que nas mulheres ateava sentimentos maternais não raro incestuosos.

Volto à foto daquele grupo, e subitamente me impressiona a quantidade dos que morreram jovens. Inajar de Souza, hoje avenida, repórter de polícia que se deleitava em passar trote nos focas. Não sei como escapei. Meu amigo Antônio Carlos Braga por pouco não se deu muito mal num dia em que o Inajar errou a mão: tendo recebido dele a incumbência de ir a um endereço, sem saber que ali era esperado alguém muito importante da luta armada (Lamarca? Eduardo Leite “Bacuri”?), o Braga foi preso e conduzido à Oban, a teratológica Operação Bandeirantes, com o risco de ser torturado.

Na foto não está Marco Antônio de Menezes, outro que se foi, inteligência prodigiosa, homossexual sem nenhum medo de o ser escancaradamente. Meg, como ele se apelidou, era um dos habitués do Picardia, restaurante sofrível que frequentávamos na madrugada, antes que se abrisse, mais próximo do jornal, o Mutamba. Marco pedia ao garçom Vicente que lhe trouxesse três copos para bebericar alternadamente, trio etílico – Campari, uísque e menta – que batizei de “semáforo”. Na febre de haicais de que falei, Meg teve a esperteza de criar para si o primeiro e melhor de todos: “Marco Antônio de Menezes:/ ele trabalha/ às vezes”. Licença poética, pois trabalhava duro, como todos nós.

Em algum momento dos anos que lá passei, aí por 1972, alguém colou numa coluna da redação uma espécie de panfleto em que misterioso autor verberava as mazelas do jornal, a começar do fato de ser ele um vespertino que saía na manhã seguinte. Me lembro da estocada que fechava o arrazoado, algo assim: todos os jornalistas do JT são de esquerda, mas só até comprarem apartamento. Olho a foto e me pergunto: será que tem alguém aqui que ainda não comprou o seu?

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Humberto Werneck é jornalista e escritor. O colunista do jornal O Estado de S.Paulo trabalhou em várias redações depois da passagem pelo Jornal da Tarde, como Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, Elle e Playboy. Entre seus livros, estão O Santo Sujo – A Vida de Jayme Ovalle (Cosac Naify, 2008) e O Pai dos Burros – Dicionário de Lugares-comuns e Frases Feitas (Arquipélago Editorial, 2009).