Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por que o CCS não será reinstalado

Não é novidade que, faz tempo, existe uma polaridade de posições em torno da
formulação das políticas públicas de comunicações no Brasil. Antes mesmo da
Constituinte de 1986-88, as propostas com conseqüências na democratização do
setor têm enfrentado enorme resistência por parte dos concessionários de
radiodifusão no Congresso Nacional.


Nunca foi admitida, por exemplo, a criação de um órgão regulador autônomo,
com poderes para outorgar, renovar e cancelar concessões de rádio e televisão, a
exemplo do que ocorre em outros países. Foi exatamente a radicalização de
posições em torno dessa proposta que fez com que a Comissão Temática onde se
discutiu a comunicação fosse a única de toda a Constituinte que não
conseguiu aprovar um relatório final para encaminhamento à Comissão de
Sistematização.


Mais de vinte anos depois da promulgação da Constituição de 1988, a
polarização em torno das questões centrais do setor continua. Pode-se atribuir a
ela não só a forma como os atores dominantes tratam as questões de políticas
públicas, mas também a imensa dificuldade para se aprovar qualquer regulação da
Comunicação Social.


Regressão


No que se refere ao órgão regulador, no entanto, regredimos. E muito. Na
Constituinte, a proposta original de criação de um órgão autônomo foi
transformada em órgão auxiliar que deveria apenas ser ouvido quando o
Congresso Nacional julgasse necessário. Essa alteração deu origem ao CCS –
Conselho de Comunicação Social (Artigo 224). Apesar de criado, todavia, o CCS
sempre enfrentou a resistência de boa parte dos parlamentares.


A lei que regulamentou a criação do CCS (Lei 8339/1991) foi aprovada pelo
Congresso Nacional em 1991, mas ele só logrou ser instalado em 2002 como parte
de um polêmico acordo para aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário para os empresários
de comunicação. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), aprovada em maio de
2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por
pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu
capital.


Mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser
um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor –
concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização
da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc. Vencidos os mandatos
de seus primeiros membros, houve um atraso na confirmação dos membros para o
novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final
de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião. Os
membros para um terceiro mandato não foram indicados e o CCS nunca mais se
reuniu.


Por quê?


O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal abriga um grande número
de parlamentares que tem vínculos diretos (ilegais?!) com as concessões de rádio
e televisão. O CCS é um órgão que – insisto, mesmo sendo apenas auxiliar
– discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e
dos empresários de comunicação, seus aliados. Na verdade, eles não querem sequer
debater.


Essa é a razão – de fato – pela qual o CCS não funciona.


A recondução de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado Federal e,
portanto, do Congresso Nacional, não deixa dúvidas sobre o futuro próximo não só
do CCS, mas de projetos no interesse da democratização das comunicações. Além de
ser o exemplo emblemático do’coronel eletrônico’, José Sarney já reconheceu
publicamente que é concessionário (de rádio e televisão) por motivos
políticos.’Se não fossemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de
comunicação’, afirmou numa entrevista à revista CartaCapital (nº 369, de
23/11/2005).


Não há como ser otimista. No que se refere à regulação do setor de
comunicações continuamos onde sempre estivemos e, em alguns casos, andamos muito
para trás.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)