Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Desdobramentos da crise na Venezuela: a mediação brasileira no estilo copia e cola mexicano

(Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

O acerto de contas eleitoral após as eleições presidenciais em 28 de julho está mobilizando as chancelarias. Muito mais do que os fracassos democráticos das eleições presidenciais russas, de Ruanda ou da crise democrática na Tailândia. O grito de Maduro Delenda Est* foi ouvido em praças públicas e chancelarias no Ocidente e em outros lugares. China, Rússia e Irã, por outro lado, parabenizaram o vencedor proclamado pelo Conselho Nacional Eleitoral, Nicolás Maduro.

A América Latina participou dessa dança internacional do Santo Graal democrático venezuelano em interpretações igualmente dispersas. A Argentina e o Uruguai saudaram a vitória do candidato da oposição Edmundo González Urrutia. Bolívia, Cuba e Nicarágua aplaudiram calorosamente o sucesso de Nicolás Maduro. O Brasil inventou um meio-termo, que supostamente reconciliaria a todos. Em 8 de agosto, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, propôs uma reunião extraordinária dos governos que haviam exigido que Nicolás Maduro publicasse os resultados eleitorais na OEA em 31 de julho.

Celso Amorim, assessor diplomático do presidente Lula, que estava no local em 28 de julho, afirmou que o Brasil somente reconheceria o resultado das eleições com a apresentação das atas. Maria Carolina Machado, o anjo da guarda de Edmundo Gonzalez, disse “Não! Nós, da oposição, queremos que o candidato ditatorial, ou seja, Nicolas Maduro, reconheça a fraude e, portanto, sua derrota”. Nicolás Maduro também disse: “Não! O que foi votado foi votado, e bem votado. Sigam em frente, não há mais nada para ver. Os infratores que forem considerados como tendo disseminado informações falsas serão processados”. Machado e Gonzalez foram acusados pelo procurador-geral da Venezuela.

Celso Amorim já viu de tudo. Em 2011, como ministro das Relações Exteriores, ele esteve envolvido na mediação da disputa nuclear iraniana. Uma mediação fracassada, sem dúvida, mas cheia de lições. O Itamaraty acredita que Brasília tem os meios para fazer Caracas ouvir. Como membro do G20 e dos BRICs, o Brasil não é a maior potência da América do Sul? Ele não reuniu com sucesso todos os sul-americanos em Brasília, em 30 de maio de 2023, para “vender” a eles a urgência e a necessidade de uma coordenação regional de modo a ter peso internacional? Ele não era a favor da adesão da Venezuela ao Mercosul? Então Lula seguiu o conselho de seu conselheiro. Em 5 de agosto, ele visitou seu colega chileno, Gabriel Boric. Conversou com seus colegas da Colômbia e do México. Conversou com Joe Biden, chefe do bloco ocidental. Seus três colegas latino-americanos são considerados líderes progressistas, resultado de processos eleitorais incontestáveis.

Apesar do reconhecimento de Edmundo González como presidente, os Estados Unidos incentivaram o México a apoiar a tentativa de mediação do Brasil. Bogotá e a Cidade do México apoiaram inicialmente o projeto brasileiro. Santiago não tomou uma posição oficial. Em uma entrevista, seu ministro das Relações Exteriores destacou que o Chile tinha suas próprias posições, que eram semelhantes, mas anteriores às do grupo dos três e eram “mais distantes” em relação à Venezuela. Em 8 de agosto, Bogotá, Brasília e México emitiram um comunicado conjunto. “Os três países consideram fundamental a apresentação dos resultados pelo CNE, seção por seção, […] e reiteram sua disposição de apoiar os esforços de diálogo […] que possam contribuir para a estabilidade e a democracia no país”.

Em 13 de agosto, esses bons ofícios foram estendidos. Em resposta a um jornalista da Rádio Curitiba, Lula declarou que “se o Maduro tiver bom senso, ele pode convocar uma nova votação”. Enquanto isso, o presidente colombiano Gustavo Petro se declarou a favor de “novas eleições livres” em sua conta no X. O México então retomou seus esforços diplomáticos. Em 15 de agosto, durante a “mañanera”, sua coletiva de imprensa matinal, Andrès Manuel López Obrador (AMLO) disse que era “imprudente para qualquer governo estrangeiro dar sua opinião sobre uma questão que é de responsabilidade dos venezuelanos”. “Meu sentimento”, acrescentou ele, “baseia-se no artigo 89-X da Constituição, que afirma que o presidente deve observar os seguintes princípios normativos: autodeterminação dos povos, não intervenção, solução pacífica de controvérsias, proibição da força nas relações internacionais, igualdade jurídica entre os Estados”. “Portanto”, ele concluiu: “Não podemos nos intrometer nos assuntos de outros povos”.

Essa cautela é um lembrete da natureza especial do México, que, independentemente de seu presidente, tem de administrar uma vizinhança assimétrica com a maior potência militar e financeira do mundo, os Estados Unidos. De acordo com seus líderes, AMLO ainda, qualquer iniciativa externa do México poderia ser interpretada por Washington como um sinal verde para a interferência.

Não vamos nos esquecer, concluiu o magistrado-chefe do México, “de que temos estado sujeitos a interesses estrangeiros”. “O México é um país independente, amigo de todos os povos do mundo”. Esse “copia-cola” mexicano sobre a crise venezuelana e o impasse afirmativo do Brasil, cuja mediação foi recusada pelas partes envolvidas, refletem as incertezas do “subcontinente” no concerto das nações. Essa indefinição diplomática não é novidade. Vimos a extensão dela com a pandemia da covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia: uma diversidade de posições e uma falta de coordenação em questões compartilhadas.

Texto originalmente publicado em francês, em 21 de agosto de 2024, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original:Suites de la crise au Venezuela – La médiation brésilienne en copié collé mexicain”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/121776. Tradução de Andrei Cezar da Silva, Myllena Araújo do Nascimento e Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.