Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Manual de cobertura para a Berlinale 2018: dicas e tendências

Vamos continuar nossa “viagem” crítica e jornalística pelos bastidores da Berlinale. Temo uma boa notícia para os amantes do cinema: o governo alemão anunciou um aumento no orçamento do Fundo Federal do Filme Federal (DFFF) de 50 milhões para 75 milhões de euros e, por isso, estamos felizes de anunciar que o 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim está confirmado de 15 a 25 de fevereiro de 2018. Em tempos de crise e ameaças por todo lado, é mais do que uma boa notícia. É um alívio.

Agora já podemos preparar a nossa próxima cobertura do maior festival de cinema do mundo. Decidimos, então, criar uma espécie de “manual” para quem está planejando acompanhar de perto a Berlinale 2018, seja como público, jornalista ou, simplesmente, curioso. Além disso, também tentamos antecipar o que os participantes podem esperar desta próxima estação que logo inicia.

Como vimos, os temas políticos e sociais dominaram a 67ª Berlinale, o que é facilmente explicado ao analisarmos a complexa configuração e a considerável perturbação que enfrentamos em todas as esferas dos nosso dias atuais. Os documentários estiveram em foco e os grandes eventos de cinema serviram, mais um ano, como termômetro e inspiração para muitos jornalistas, já que frequentam os festivais em busca de novas pautas, influxos para investigações mais aprofundadas ou referências sobre o futuro.

Novas tecnologias

Apesar dos tempos turbulentos, o Festival de Berlim provou, mais uma vez, sua grandeza e inserção global. Ainda durante o festival foi divulgado um comunicado à imprensa anunciando que a venda de ingressos já havia atingido a cifra de um quarto de milhão de bilhetes. Ao final do evento, foram vendidas um total de 334.471 entradas.

Mas a Berlinale (e seus organizadores) tem algumas estratégias para manter a popularidade sempre em alta. Afinal, como já dizia Darwin, quem não se adapta, não sobrevive. E, por isso, sob a direção de Dieter Kosslick, uma grande variedade de programas alternativos foram introduzidos ao festival: a sessão Geração para Jovens Espectadores; Cinema Culinário, dirigido especialmente aos chefs e apreciadores da boa gastronomia ao redor do globo; uma barra lateral para o novo cinema alemão, entre outros.

E, aqui, então, temos nossa primeira dica e tendência: assim como os festivais, os jornalistas também precisam se adaptar. Explorar, conhecer e aprender a manusear as novas tecnologias, por exemplo, é fundamental. Estar antenado no noticiário internacional e, ao mesmo tempo, estar em dia com obras clássicas sobre a construção e manutenção das sociedades também é importantíssimo. Conhecimento nunca é demais. Em contrapartida, o que se espera dos eventos cinematográficos a cada ano é uma ampliação em seus programas e, ao mesmo tempo, uma especialização para agradar e atrair públicos cada vez mais específicos. Em poucas palavras, mais oferta com uma seleção bastante refinada.

Documentários em alta

Outro ponto de destaque são os documentários, gênero que vem conquistando cada vez mais a atenção e o reconhecimento da audiência. As novas formas de narrativas e de produções, aliadas com as problemáticas dos tempos atuais, são uma potencial fórmula de sucesso. “Um espectro está nos assombrando – e não apenas na Europa. Temos confusão após o colapso dos grandes sonhos utópicos e desencanto com a globalização. […] Raramente o programa da Berlinale capturou com mais força a situação política atual nas imagens “, escreveu Kosslick em seu prefácio do programa de 2017. Uma possível saída desta confusão foi, então, oferecida por meio de um olhar retrospectivo e uma análise dos desenvolvimentos históricos que levaram a esse impasse atual. E os documentários foram uma peça chave na busca por essa compreensão.

Ghost Hunting, do produtor palestino Raed Andoni, levou o Urso de Prata de melhor documentário. Como não poderia deixa de ser, a decisão do Júri causou rebuliço internacional, já que o longa foi considerado “polêmico” por muitos críticos ao reencenar de maneira nua e crua as circunstâncias de encarceramento e tortura de soldados paquistaneses pelas tropas israelenses. O próprio Raed foi capturado quando tinha apenas 18 anos e ele já declarou várias vezes que tem “lacunas abertas” nas suas lembranças daquele tempo sombrio.

Os documentários estão tão em alta que a Berlinale incluiu, em 2017, uma premiação exclusiva ao gênero documental, o Glashütte Original Documentary Award. Kosslick reiterou o compromisso do festival com os diferentes estilos do gênero, evidente nos programas de suas diferentes seções, e reafirmou estar “encantado de poder intensificar essa parceria através do Prêmio Glashütte de Documentário Original. Este Prêmio é um importante sinal para o campo e, ao mesmo tempo, um gesto de respeito e reconhecimento para os cineastas que frequentemente têm que realizar seus projetos em um ambiente de grande risco pessoal”.

Os longas Eu não sou o seu negro, do diretor Raoul Peck e indicado ao Oscar como Melhor Documentário, e Insyriated, do belga Philippe van Leeuw, foram os ganhadores dos prêmios do público, figurando nas manchetes das principais publicações mundiais após sua exibição na barra lateral da mostra Panorama. O primeiro nos apresenta o escritor James Baldwin contando a história do movimento afro-americano na América Moderna numa espécie de continuação de seu livro não acabado Remember this House. Já o segundo, apesar de não ser do gênero documental, é um drama inspirado em fatos corriqueiros e retrata uma casa síria sitiada durante a guerra civil e levou o melhor prêmio de ficção, prêmio este que contabiliza os votos de aproximadamente 250 mil cinéfilos participantes do festival. Novamente, é o cinema sendo impulsionado pelos fatos da vida real.

Cinema ou Televisão?

Assim, essa é outra tendência para a temporada que se aproxima: a vida cotidiana pautando as produções cinematográficas. E, mais além, não simplesmente pautando mas também servindo como ferramenta de análise para o momento atual, ademais de oferecer soluções criativas e possíveis cenários pós-tormenta.  Recomenda-se aos futuros participantes da Berlinale estar em sincronia diária com os eventos que ditam a agenda política e diplomática ao redor do globo.

Outra dica que pode ser interessante é observar como a indústria de produções televisivas vem crescendo e conquistando cada vez mais adeptos. Pelo que parece, essa nova maneira de se fazer “cinema chegou para ficar. Como comentamos no último artigo, a grande polêmica da Berlinale 2017 foi a série produzida pela BBC que imagina um cenário onde os britânicos teriam perdido a batalha contra os nazistas, a SS-GB. Seguindo a corrente, a plataforma Netflix tem apostado em peso em produções exclusivas (e milionárias) para a telinha pequena. Aliás, para quem não lembra, a produtora de materiais exclusivos para o digital arrancou calorosas reações em Cannes, em maio passado, com a exibição de duas de suas produções e que deu início a uma, também acalorada, guerra na indústria audiovisual.

Depois de uma chuva de críticas e fracassadas tentativas de negociação, Cannes anunciou que permitiria o “experimento” em sua edição de 2017, mas que, a partir de 2018, as obras que não se comprometessem com sua distribuição em salas de cinema francesas estariam automaticamente vetadas da competição oficial. O CEO da Netflix, Reed Hastings, rebateu a decisão dizendo que o “establishment fecha suas frentes contra nós”.

Mas o fato é que, segundo o último relatório europeu sobre tendências de exibição, no ano passado 14% das produções audiovisuais foram estreadas em outros suportes sem passar pelas salas de cinema. 49% tiveram sua estreia somente na telona e 37% puderam ser vistas nos cinemas e em outros meios. Ou seja, se fizermos as contas, nos deparamos com assombrosos 51% de produções que já não encontraram, no cinema, sua premissa de inserção no mundo cinematográfico. E este é um dado que deve ser levado em conta se queremos seguir atualizados na cobertura e acompanhamento da indústria audiovisual.

Berlinale 2018

Para concluir, está claro que o cenário cinematográfico vem sofrendo transformações, mas opinamos que é um campo longe de entrar em extinção. É importante acompanhar de perto essas transformações, mas sem entrar em pânico. A melhor dica que podemos deixar para todos jornalistas que sonham em participar da próxima Berlinale é: assista ao maior número de filmes possível e divirta-se ao máximo nessa jornada, explorando, perguntando, rindo, chorando, criticando, aplaudindo e, por quê não, meditando sobre todo o material maravilhoso que você tem ali, bem diante dos seus olhos. Afinal,  única coisa quase tão boa quanto assistir a um bom filme ainda é conversar ou escrever sobre cinema. Então aguardem nossa cobertura da próxima Berlinale em 2018 para o Observatório da Imprensa.

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Antonio Brasil é jornalista, com colaboração de Nayara Batschke.