Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

De sonhos e pesadelos

A busca de um país melhor é um sonho de boa parte da população. O problema é que, para muita gente, a política não é tão importante quanto a vida: é mais importante que a vida. E o adversário ideológico, ou quem simplesmente tem um ponto de vista diferente sobre determinado assunto, passa a ser inimigo mortal, a ser achincalhado, atacado, desmoralizado, transformado numa não-pessoa.

O caso Lula-Gilmar-Jobim é exemplar: não há provas definitivas sobre nada, cada um tem o direito de acreditar em quem acha que é mais crível, mas a violência dos ataques mútuos é constrangedora. E não é coisa de amadores: o envolvimento é de jornalistas profissionais, que já deveriam ter aprendido, com os anos de profissão, que é sempre bom analisar os fatos com muito cuidado antes de tomar posições extremadas. Não é assim que se faz política, não é assim que se faz jornalismo. Sem algum distanciamento, como observar a cena inteira?

E, se não é para observar a cena inteira, se é apenas para se integrar num combate de assassínio de reputação com adversários ideológicos, para que serve o jornalista? Como levar ao consumidor de informação um retrato dos acontecimentos se o próprio intermediário se envolveu na disputa, e se transformou de jornalista em polemista? Estaremos procurando informar, ou nos contentaremos em exclusivamente arregimentar militantes?

Este tipo de duelo ainda não atingiu as grandes massas. Está restrito, por enquanto, a militantes das mais variadas tendências. Mas pode ampliar-se e criar campo para diversos tipos de violência – moral, intelectual, física. Este é o pior dos mundos: aquele em que pessoas que têm um sonho, a busca de um país melhor, transformam o sonho em pesadelo e geram um país pior para todos.

 

O ódio à imprensa

É uma revista ainda pequena, mas vem fazendo sucesso: chama-se Free São Paulo, tem distribuição gratuita perto das estações do metrô e nas cidades do ABC paulista, tira cem mil exemplares. A última edição, com a chamada de capa “PT – muito além da morte”, trazia matéria sobre um suposto esquema petista de corrupção que estaria por trás da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado há dez anos.

Pois bem: em Mauá, cidade da Grande São Paulo administrada pelo prefeito Oswaldo Dias, do PT, a revista foi apreendida pela Guarda Municipal. A operação foi acompanhada pessoalmente pelo secretário municipal da Segurança, Carlos Tomaz. O prefeito Oswaldo Dias é citado na reportagem.

Eta, operação mal feita! A Guarda Municipal levou o motorista, a equipe de distribuição da revista e o carro para o 1º Distrito Policial. O delegado Alexandre Magno Siqueira não entendeu nada: “Não vi crime algum cometido pela revista”, disse, negando-se a fazer boletim de ocorrência. A Guarda Municipal tentou então incriminar o veículo que transportava as revistas, mas toda a documentação estava em ordem.

Mas valeu a história do lobo e do cordeiro: embora tudo estivesse em ordem, a revista foi apreendida assim mesmo.

O Diretório Estadual do PT paulista repudiou a matéria, “cujo conteúdo contraria investigações policiais confluídas”, disse que as denúncias envolvendo o partido são infundadas e que tomará medidas cabíveis contra os responsáveis.

Antes que comece o patrulhamento, este colunista informa que está basicamente de acordo com a nota do PT, exceto na ameaça aos responsáveis pela matéria. Não concorda com a reportagem: o tal “esquema de corrupção” parece fantasioso, e a hipótese do homicídio comum, numa região do país onde segurança pública só existe nas placas com o nome das secretarias, é muito mais provável do que a teoria da conspiração em que promotores e jornalistas trabalham há tantos anos, sem êxito. Mas uma coisa é não concordar com a revista, outra é apreendê-la. A apreensão é coisa de ditadura. O pessoal mais radical tem de aprender a conviver com ideias contrárias às suas.

 

Como é o nome dele

Arrastões se sucedem em restaurantes paulistanos. Mas, segundo o comandante geral do 7º Batalhão de Polícia Militar, encarregado da área onde mais tem havido arrastões, não se pode dizer que houve arrastão. “Arrastão”, diz o tenente-coronel João Luiz de Campos, “é quando criminosos se movimentam em linha fazendo várias vítimas em sequência, se deslocando no espaço. Não foi o que ocorreu nos restaurantes. O que ocorreu foram roubos praticados dentro de um mesmo espaço físico. Não houve deslocamento”.

O comandante também poderia ter dito que “arrastão” é um tipo de meia feminina que já esteve muito na moda. Ou um tipo de pesca condenável, já que mata indiscriminadamente os peixes. O comandante poderia ter dito muitas coisas. A imprensa é que não poderia registrá-las de maneira acrítica, como se bobagem, por ser proveniente de alguém que usa farda, deixe de ser bobagem.

 

Let's learn Gringo

Este colunista recebeu mensagem sobre um determinado evento a realizar-se em São Paulo. Em três linhas, cinco palavras em inglês. O anúncio da cerveja Budweiser só tem, em português, aquele final obrigatório: “Beba com moderação”. Slogans de automóvel são em inglês ou alemão. Um rótulo de talco traz o nome de todas as substâncias que o compõem em inglês, sem tradução. Se alguém tiver alergia, que decore o nome em inglês da substância perigosa ou estará em risco. Sem chegar aos extremos do hoje ministro Aldo Rebelo, não estaria na hora de discutir qual é a língua que se fala neste país?

 

Uma boa notícia

Lúcio Flávio Pinto, o grande repórter paraense, ganhou o Prêmio Herzog, embora nem tivesse se inscrito para disputá-lo. “Ganhou o prêmio especial, pelo conjunto da obra”, explica Nemércio Nogueira, do Instituto Vladimir Herzog. Lúcio Flávio Pinto, depois de brilhante carreira no velho Estadão, onde este colunista o conheceu, partiu para o voo solo: criou um jornal que não aceita anúncios (para não depender de empresa nenhuma) e monitora toda a vida do Pará, mostrando onde estão os abusos e como agem os bandidos no estado.

Parabéns não a Lúcio Flávio Pinto, mas ao Instituto Vladimir Herzog, que teve a sensibilidade de dar a ele seu prêmio especial, dispensando a formalidade da inscrição e reconhecendo o trabalho de um jornalista de primeiríssima linha.

 

Má notícia: Chico Gotthilf

Francisco Gotthilf, criador e apresentador do Mosaico na TV, o mais antigo programa da TV brasileira, que ficou no ar por 52 anos, morreu na semana passada. Gotthilf foi um importante ponto de referência não só para a TV, pelo pioneirismo de seu programa, como também para o rádio, com o Hora Israelita; e para a comunidade judaica do Brasil, mantendo-se sempre equidistante das disputas que envolviam vaidade pessoal, sempre uma palavra sensata no meio do vendaval.

Seu lema, que sempre seguiu à risca: “A favor do entendimento, contra o preconceito”.

 

Má notícia: Samir Razuk

Lembra daquelas histórias do rapazinho que entrou numa empresa em cargo subalterno, trabalhou, estudou, aperfeiçoou-se e chegou a diretor? Este rapazinho existe: Samir Razuk, filho de imigrantes libaneses, entrou na Rádio Bandeirantes aos 16 anos, como faz-tudo, cresceu na empresa, estudou propaganda e marketing (foi da primeira turma da ESPM), chegou a diretor. Nunca trabalhou em outro lugar: como Salomão Esper, como José Paulo de Andrade, faz parte do grupo conhecido como Família Bandeirantes. Ao lado da família Saad, Razuk participou do planejamento que transformou a pequena emissora paulistana numa grande rede nacional de rádio, TV, Internet, comunicação em geral.

Tinha em comum com Chico Gotthilf uma característica básica: o bom-humor, que tornava fácil o convívio com ambos. A comunicação brasileira, em uma semana, perdeu dois grandes nomes.

 

Sem preconceito

Já está na hora de se preparar: o Camarote Solidário, que em dez anos já entregou onze toneladas de alimentos não perecíveis a organizações que cuidam de doentes de Aids, está preparado para a Passeata do Orgulho Gay, que se realizará na Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo (10/6). Para comemorar o décimo aniversário do Camarote Solidário, criado pela jornalista Roseli Tardelli, também fundadora da Agência de Notícias da Aids, três mil exemplares de uma revista especial serão distribuídas gratuitamente no local. A revista, concebida pelas jornalistas Roseli Tardelli e Fátima Cardeal, foi editada por Thiago Calil e Lucas Bonanno, e terá artigos de André Fischer, Toni Reis, Nair Brito, João Silvério Trevisan, José Araújo Lima Filho e Regina Silva. As reportagens são de Luciano Testa, Talita Martins, Fernanda Teixeira e Fábio Serrano. O projeto gráfico é de Sílvio Testa.

A revista foi impressa na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, com apoio do governo do Estado, laboratório MSD e Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS da Secretaria da Saúde.

A entrada no Camarote Solidário, no Conjunto Nacional, melhor ponto da Avenida Paulista, só para convidados, custa seis quilos de alimentos não perecíveis.

 

Como…

De um grande jornal, lamentando que um time mantivesse por longo tempo a posse de bola mas não conseguisse promover ataques perigosos:

** “Tinha mais volume de jogo mas um futebol estéreo”

Supondo-se que estejamos falando de futebol, talvez a palavra “estéril” fosse mais apropriada. Se o assunto fosse som, talvez o futebol “estéreo” explicasse por que o time vinha sendo surround pelos adversários.

 

…é…

De um grande jornal (mas não é o único: a bobagem vem-se difundindo rapidamente):

** “No tiroteio, seis suspeitos acabaram feridos e foram socorridos para os hospitais de Vilar Maria, Tatuapé e Matarazzo”.

E pensar que este colunista é do tempo em que as pessoas eram socorridas nos hospitais, ou levadas para os hospitais. Se bem que faleciam ao dar entrada naquele nosocômio. Hoje, ainda bem, poucos repórteres sabem o que é nosocômio.

 

…mesmo?

Da internet, claro:

** “Clube pode faturar R$ 15 mi com ao ganhar o Paulista”

Explica-se: como não sabia se o correto era “com” ou “ao”, o redator botou logo os dois, que um deles estaria certo.

 

Mundo, mundo

Um excelente título mostra exatamente como é o Brasil: como diria Tom Jobim, aqui a vida é ruim, mas é boa, e lá fora a vida é boa, mas é ruim.

O título: “Mantega minimiza PIB do primeiro trimestre e prevê melhora para o país”.

Os jornais aceitam numa boa, como se Sua Excelência tivesse “proferrido” (como ele costuma falar) uma verdade suprema.

Só que o ministro da Fazenda não tem muito como minimizar o aumento do PIB, que ficou em 0,2% – o que significa, em outras palavras, que os meios de comunicação preferiram não dizer, que a renda de cada habitante do país ficou menor. Minimizar 0,2% é bem difícil. E prever melhora já é mais fácil: com esse crescimento pífio, piorar é muito mais difícil do que melhorar.

 

E eu com isso?

Fernando Haddad, candidato petista à prefeitura de São Paulo, passou quase uma hora na TV, no Programa do Ratinho, e diz que estava lá – no km. 28 de uma rodovia, num complexo televisivo onde não se entra sem múltiplas identificações – por acaso. O promotor (e senador) Demóstenes Torres era provavelmente o único brasileiro que, segundo diz, não sabia que Carlinhos Cachoeira era bicheiro. Não dá para aguentar esse tipo de notícia (nem a cobertura dada pelos meios de comunicação, que levam essas coisas a sério). Mudemos, pois:

** “Amarantos quer roupas de Chayene”

** “Megan não assume gravidez”

** “Danielle Winits aproveita tarde no Rio de Janeiro para malhar”

** “De bigode, Zac Efron chama atenção nos EUA”

** “Babi Rossi só teve dois homens”

** “Anne Hathaway é fotografada com carro conversível”

** “Luma de Oliveira cuida do corpo em caminhada no Rio”

** “Cinthia Santos, da Escolinha do Gugu, fez ensaio ousado ao lado de seu noivo”

** “Dono de padaria na Argentina sofreu 190 roubos em 20 anos”

Deixa o moço se mudar para o Brasil. Aí ele vai ver o que é ser assaltado.

 

O grande título

Comecemos com a piada pronta:

** “Motorista ziguezagueando é detido ao entrar no Posto Cana Brava”

Passemos a um título muito, muito estranho:

** “Web e sócios quase matam bilheterias”

Ainda não houve abertura de inquérito sobre a tentativa de bilhetericídio.

E o grande título da semana:

** “Na Globo, Thammy não poderá falar com Record sobre Gretchen”

Deve, sem dúvida, querer dizer alguma coisa.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]