Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Notas sobre o jabaculê

Procure à vontade, caro colega: você já viu algum destino turístico que nossos meios de comunicação achem ruim? Algum hotel devidamente classificado como um estabelecimento chinfrim? Aqueles em que as instalações são inadequadas, que nem sempre estão bem limpos, onde a comida é fraquinha e o serviço deixa a desejar, como é que escapam dos filtros de nossa imprensa? Por que será que todos os destinos turísticos são paraísos terrestres?

Simples: todo o noticiário de turismo é patrocinado. O hotel oferece as diárias, alguém dá a passagem, os restaurantes lutam para ter a honra de receber os repórteres. Se é tudo de graça, como falar mal dos anfitriões?

E se fosse só no turismo, que ótimo! Mas em outras áreas acontecem coisas estranhas. Nada contra a empresa que oferece brindes aos repórteres. Mas os brindes têm de estar no limite do bom senso. Recentemente, uma grande empresa automobilística ofertou aos repórteres um netbook com todo o material de imprensa sobre seu novo lançamento. É um brinde que extrapola os limites do bom senso: um netbook custa aproximadamente 1 mil reais, variando conforme a configuração. Como falar algo negativo dos produtos da empresa que acaba de dar um presente caro como este?

É um tema que dá muita discussão. Há anos, uma empresa enviou boas canetas a vários editores de um jornal paulista. A questão acabou sendo levada ao proprietário do jornal, cuja opinião foi de que o brinde era apropriado (há uma relação próxima entre profissionais da escrita e instrumentos de escrita) e que seu valor não era nada de extraordinário. Mas houve quem, mesmo assim, considerasse que o brinde era uma tentativa de suborno. Em outra oportunidade, aconteceu até de alguém recusar um bolo de aniversário, enviado por uma agência de propaganda, pelo mesmo motivo (outros preferiram dividir o bolo com a redação, e estava muito gostoso).

Mas, analisemos, embora ambas sejam ‘jabás’, são coisas diferentes: uma é um brinde que uma empresa de fora manda a alguns jornalistas, e que pode ser recusado ou não; outra é uma iniciativa da própria empresa jornalística, que os repórteres não têm como rejeitar. Cabe às empresas de comunicação, que com muita justiça lutam pela liberdade de noticiar e opinar, estender as fronteiras da notícia e da opinião a todas as editorias. Turismo também é reportagem; e deve estar sujeito às mesmas normas éticas.

 

Problemas e soluções

Há alguns anos, nos Estados Unidos, surgiu a questão ética do transporte aéreo. Existem lugares a que só os aviões da comitiva presidencial têm acesso; existem outros em que não é possível acompanhar uma viagem oficial usando voos comerciais. A solução foi cobrar dos meios de comunicação preços mais ou menos equivalentes aos de uma passagem comercial, e transportar os repórteres. O problema foi resolvido.

Alguns veículos de comunicação, no Brasil, estabeleceram normas rígidas que impediam seus profissionais de viajar sem que arcassem com o pagamento das passagens. Houve problemas sérios: certa vez, um jornal importante não compareceu a um evento jornalístico cuja cobertura valeria a pena porque não havia voos comerciais para o local. Mas há maneiras de resolver a questão: é só acertar como as passagens serão pagas. Já a maneira que é usada hoje não resolve questão alguma: ao contrário, em certas áreas da imprensa, põe em dúvida até mesmo a isenção que deveria presidir todas as matérias.

 

E a censura continua!

Apenas para relembrar o assunto, o Diário do Grande ABC está sob censura prévia, a pedido de Luiz Marinho, o prefeito petista de São Bernardo do Campo (SP), para não publicar reportagens sobre o descarte de móveis escolares em bom estado. A mais respeitada organização internacional de proteção ao jornalismo, a Repórteres Sem Fronteiras, com sede em Paris, classificou a censura ao Diário do Grande ABC como ‘incompreensível, contrária ao espírito da Constituição de 1988, que consagra a liberdade de expressão como um de seus pilares fundamentais’.

O Estado de S.Paulo está sob censura prévia há cerca de um ano, a pedido de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado e administrador das empresas da família, para não divulgar informações colhidas pela Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Já houve tempo até para mudar o nome da Operação Boi Barrica para Operação Faktor, mas a censura continua.

Até um vídeo semi-amador, que narra a epopéia de prefeitos em luta com a burocracia de Brasília (e que vale para qualquer governo, não apenas para o atual), foi censurado, a pedido da equipe da candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff. Entre a liberdade de expressão e a burocracia, quem venceu foi a burrocracia.

 

Bom-senso, gente!

Este colunista adora internet, blogs, colunas eletrônicas de opinião. Mas talvez seja obrigado a mudar de hábitos: não está sendo possível suportar o baixo nível da discussão. Basta alguém tomar uma posição com a qual alguém não concorde para ser acusado de vendido, de desonesto, de cúmplice sabe-se lá de quem.

Uma das coisas boas da democracia é a possibilidade da convivência de contrários. E é isso que vem sendo minado, especialmente nas áreas de política e economia (tendência turbinada pela proximidade das eleições), mas também em esportes. A violência não se restringe às ofensas: a linguagem também costuma ser de baixo nível, com amplas referências escatológicas. Será impossível tolerar que as idéias do outro sejam diferentes das nossas, será impossível admitir que, embora pensando diferente, o outro também pode ser honesto, será impossível manter o debate em termos civilizados?

 

E as loucuras?

Pois é. Outro dia, este colunista lia com atenção um texto magnífico, de um articulista de extrema esquerda, a respeito das tentativas do imperialismo ianque de se livrar do inexorável crescimento da Venezuela, Bolívia etc., que mais cedo ou mais tarde atingirão o seu grande destino, enquanto o capitalismo agonizará. Aí vem o final, com o balde de água fria: parece que o imperialismo europeu estaria interessado em ocupar novamente a África e a América do Sul, porque a Europa está se tornando inabitável em função da atividade vulcânica.

É importante repetir: o texto é maluco mas muito bem escrito.

 

Os novos fotógrafos

Uma exposição interessante começa na terça-feira (25/5), no Espaço Arte Trio, Rua Gomes de Carvalho, 1.759, São Paulo, SP). É um lugar inusitado, num horário inusitado (hora do almoço), com gente inusitada: o professor de Jornalismo e consultor Caio Túlio Costa, o diretor de Redação do Diário de S. Paulo Leão Serva, o médico e engenheiro Adolfo Leirner e o ambientalista Beto Ricardo, nenhum deles fotógrafo, todos eles exibindo suas fotografias. A mostra vai até o dia 1/6, quando as fotos serão leiloadas em benefício do Instituto Desenvolvimento e Sustentabilidade, dirigido por Marina Silva, candidata do PV à Presidência da República.

 

Como…

De um portal noticioso da internet:

** ‘(Fulana) confirma gravidez de segundo filho’

O garoto grávido passa bem.

 

…é …

** ‘(Fulana e Sicrana) batem tchecas e vencem a segunda na etapa de Roma’

Na foto, ambas se abraçam efusivamente, como convém a boas amigas, depois de bater as tchecas.

 

… mesmo?

Legenda da foto num grande portal de internet:

** ‘Seleção da Inglaterra se prepara na Áustria’

Na foto, um jogador sabe-se lá de que time, sabe-se lá em que estádio, sabe-se lá em que país, caído no chão, com o rosto sangrando.

 

O título, o texto

O título:

** ‘Dois mortos em acidente na Bacia de Campos’

O texto:

** ‘Um acidente no navio-sonda (…) deixou ontem dois feridos’

 

Mundo, mundo…

De um grande portal da internet:

** ‘Homem alega ter sido atacado por três vampiros na Nova Zelândia’

Se fosse no Brasil, já teríamos dois suspeitos: um candidato à Presidência, um candidato à Vice-Presidência. Se um dos vampiros fosse fêmea, teríamos a Noiva do Chuck. Mas na Nova Zelândia deve ser diferente. Será que lá até vampiro é mais sério?

 

…vasto mundo

Um caso notável: a esposa tinha um celular com conta própria, no Canadá. Um dia, sabe-se lá por que, a empresa unificou as contas de celular da casa. O marido viu na conta da esposa um número frequentemente chamado, testou-o, e, como ensina o grande Sílvio Santos, quem procura acha: era o telefone do amante da mulher. Ele se separou; e a mulher processa a empresa telefônica por ter deixado o marido saber de seu amante. Quer o equivalente a mais de 1 milhão de reais. O marido deve estar indignado: não só foi o último a saber, como é de praxe, como a informação não veio nem por telefone: foi por uma conta de telefone.

 

E eu com isso?

Há quem negue, há quem deboche, mas o noticiário frufru é instrutivo:

** ‘Vídeo da Nasa mostra como os astronautas vão ao banheiro’

** ‘Você sabe quanto mede o bumbum das famosas?’

** ‘Namorada de Fagundes aprendeu a mergulhar com garrafa’

E deve ser, com certeza, bem mais barato do que com instrutor.

Além de instrutivo, o noticiário frufru toca em hábitos e comportamentos:

** ‘Leonardo DiCaprio flagrado fumando charuto’

** ‘Gwyneth Paltrow não usa bermuda porque acha `ridículo´’

** ‘Cauã Reymond só pensa em trabalho’

E vai buscar os mais profundos sentimentos:

** ‘William Bonner sente saudades do Twitter’

** ‘Empresa croata cria travesseiro em forma de seios’

** ‘Mulher leva susto com bala de goma em forma de homem pelado’

E há o frufru propriamente dito:

** ‘Victoria Beckham é a celebridade com pés mais feios’

E a gente pensando que, na família, os pés mais notados fossem os do marido David Beckham!

 

O grande título

Hoje, só assuntos que, de uma ou outra maneira, tocam a área zoológica:

** ‘Cachorro mecânico entende mais de 100 palavras em português e alemão’

Espetacular – só que o cachorro é de verdade. ‘Mecânico’ quer dizer que ele ajuda seu dono, um mecânico, no serviço diário.

** ‘Fiquei parecendo uma truta após aumentar a boca, diz Sharon Stone’

Mexer no rosto de uma pessoa, ainda mais bonita como Sharon Stone, não é para qualquer cirurgião plástico. Às vezes, o mesmo cirurgião opera senhoras que aparecem frequentemente juntas, e fica bem claro que todas estão com a mesma cara, o mesmo rosto puxado. O colunista José Simão, da Folha de S.Paulo, tem uma definição precisa: ‘cara de égua de charrete’.

Mas Sharon Stone deve ficar ótima, mesmo que a operação tenha sido ruim.

E o grande título, quase inacreditável:

** ‘Nicolas Cage conta que só come carne de animais que fazem sexo `de forma digna´’

Pois é: só fazem sexo de forma digna, e mesmo assim são comidos.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados