Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Os motivos da confusão

O jornalista confirmou ter violado o sigilo fiscal de boa parte da cúpula do PSDB, algo que pode servir muito bem ao partido adversário, o PT. Resolveu, por conta própria, fazer sozinho, arcando pessoalmente com todos os gastos, uma reportagem sobre os escândalos do governo do PSDB – o que, mais uma vez, pode ser interpretado por gente maliciosa como favorecimento ao PT. Foi almoçar com o ex-delegado da Polícia Federal Onésimo de Souza, Luiz Lanzetta, o pessoal do grupo de inteligência do PT. Ficou em Brasília num hotel pago pelo PT, do qual, segundo informou, um importante dirigente petista tinha a chave, e disso se aproveitou para colher alguns dados sigilosos favoráveis ao PT e desfavoráveis ao PSDB em seu computador portátil. Esses dados, conforme informou o próprio jornalista, se destinavam a formar um dossiê contra o então governador José Serra, do PSDB. O grupo de inteligência foi desfeito; e Lanzetta, embora uma de suas empresas tenha mantido todos os contratos com a candidatura, foi oficialmente afastado da campanha.

Mas, como disse em ocasião memorável, há pouco mais de 600 anos, o rei inglês Eduardo 3º, ‘maldito seja quem pensar o mal’. Dilma Rousseff disse que o convidado de seu grupo de inteligência, o jornalista cujo hotel o PT pagava, tão íntimo do partido que um prócer petista tinha a chave de seu apartamento, não tinha ligação nenhuma com sua equipe. Como esclareceu a então candidata, ‘nós não quebramos sigilo fiscal de ninguém e não fizemos dossiê’. Poderia ter completado a frase: nem contra os dirigentes do PSDB, nem contra Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique (no caso de Ruth, tratava-se, conforme foi explicado, de formar ‘um banco de dados’, no qual tanto se empenhou a famosa Erenice Guerra).

Deve ser verdade, porque a imprensa não achou necessário mergulhar fundo no caso. O pessoal favorável a Serra partiu do princípio de que a denúncia era verdadeira, o pessoal favorável a Dilma achou que a denúncia era falsa, e os jornalistas de verdade, aqueles cujo patrão é o consumidor de notícias, ficaram esperando alguma coisa acontecer, como por exemplo a versão real cair no seu colo. Não aconteceu nada e ficou tudo por isso mesmo.

Fica combinado, então, que Dilma tinha razão. Há episódios que aparentemente querem dizer uma coisa mas, no fundo, no fundo, são outra, não é verdade? Não é porque o jornalista parecia agir em favor do PT que isso seria obrigatoriamente verdadeiro. Como a imprensa aceitou assim, assim ficou.

 

Detalhezinho

A Folha de S.Paulo levantou dados sobre a saúde dos dois candidatos à presidência da República. Ambos, a propósito, são tratados pelo mesmo médico: Roberto Kalil, cardiologista do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e presença assídua nas festas e recepções da alta sociedade. (Serra foi o melhor ministro da Saúde do mundo, conforme afirma em sua propaganda; Lula disse que a saúde pública brasileira está próxima da perfeição. Mas ir ao SUS, que é bom, nem amarrados.)

No caso de Dilma, Kalil disse que está tudo bem; no caso de Serra, os exames médicos foram entregues ao jornal. E, no lugar em que ele foi atingido por algum objeto, naquela passeata do Rio, a tomografia mostra sinais da pancada. Ou seja, a Globo forjou o filme, o perito Molina periciou errado, tudo se resumiu a uma bolinha de papel daquele de lencinho, bem fininho, aveludado como pétala de rosa, como dizem os pitdilmistas; mas o tomógrafo imperialista, de direita, conservador, pró-retrocesso, registrou como lesão o delicado toque do papelzinho que, aliás, nem houve. Este colunista viu a transcrição da matéria da Folha na internet chapa-branca, em que todos se escandalizavam com a audácia dos bofes jornalistas de querer informar ao público a situação da saúde das pessoas que pretendem governá-lo. A referência ao registro do tomógrafo está lá. O pedido de desculpas pela tentativa de enganar o público, este não está lá.

 

Censura goiana

Houve tentativas de desqualificar o jornalista Paulo Beringhs, da TV Brasil Central, estatal, por ter pedido demissão no ar, rejeitando a censura que lhe era imposta pelo governo goiano. Este colunista, que conhece e respeita Beringhs, ficou perplexo: o governador Cidinho Rodrigues, do PP, até agora havia se comportado democraticamente, lidando afavelmente com a oposição (conversar com todos os lados não é fácil, em Goiás, onde há forte radicalização entre os seguidores de Marconi Perillo, do PSDB, e Íris Rezende, do PMDB, numa eleição apertada; e especialmente é difícil para Cidinho, que foi vice de Perillo, se elegeu como seu candidato e mudou de lado). Mas os fatos mostram que Beringhs tinha razão: o governo goiano, dono da TV Brasil Central, o impediu de entrevistar Perillo – mesmo sabendo que Íris Rezende tinha sido convidado, aceito o convite e depois refugado. O veto à entrevista de Perillo foi gravado por Beringhs.

Protestos de entidades diversas contra a censura a Beringhs? Até agora, este jornalista não soube de nenhum. Como é que esse pessoal pretende monitorar os meios de comunicação se não se opõe abertamente à censura governamental?

 

Um outro asneirento

Um idiota fez a proposta, alguns cretinos decidiram analisá-la, e o resultado pode ser emburrecedor para todo o país: um parecer do Conselho Nacional de Educação (mais um desses conselhos, caro leitor) considera o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, um clássico da literatura infantil mundial, inadequado para as escolas, por ter conceitos racistas. Monteiro Lobato, racista! As referências, explicam os debilóides, são à Tia Nastácia, uma empregada negra, e a animais como macacos, urubus e ‘feras africanas’ – talvez o rinoceronte Quindim. Os defensores da igualdade racial se esqueceram de analisar as referências a um sabugo de milho, o sábio Visconde de Sabugosa, e à boneca de pano Emília, que era asneirenta como ela só (embora hoje tenha sido superada pelos censores).

Mas vamos lá, então: colaboremos com o governo federal nesta luta sem quartel contra qualquer tipo de desigualdade:

1. ‘Nega do cabelo duro/ qual é o pente que te penteia’, poderia talvez transformar-se em ‘afro-descendente de cabelo com déficit de elasticidade’;

2. E ‘da cor do azeviche, da jabuticaba/ boneca de piche/ é tu que me acaba’, como é que lidaremos com o sucesso de Carmen Miranda?

3. ‘Eu tava jogando sinuca, uma nega maluca me apareceu’. Este é terrível: talvez o Conselho Nacional de Educação possa transformar a nega maluca em ‘afrodescendente com problemas de comportamento’.

4. ‘Mas como a cor não pega, mulata/ mulata eu quero o teu amor’.

Na opinião dos idiotas, é racismo. Na opinião de quem conta, como Gilberto Gil, é carinho. Por isso sua primeira filha se chama Preta.

 

Dúvida 1

Tudo bem, a idiotice apareceu na reta final do segundo turno, quando o Brasil só pensava em eleição. Mas a imprensa não pode deixar passar uma coisa dessas quase em branco. Pega mal – para a imprensa, para os leitores, para o país.

 

Um outro asneirento – internacional

Monteiro Lobato é um grande escritor, mas é brasileiro: os cretinos fundamentais podem querer enquadrá-lo (duro será, quando o intimarem a depor, transmitir-lhes a informação de que Lobato morreu há mais de 60 anos). E com os gringos, ninguém vai se meter? Além de cretinos, os idiotas são colonizados?

Vejamos Shakespeare. Otelo era assassino. Discriminação contra os mouros? E o judeu Shylock, do Mercador de Veneza, estereótipo do antissemitismo, deve ser retirado da obra para que os brasileiros não sejam contaminados pelas más idéias do gênio inglês? A propósito, será que alguém do CNE leu Shakespeare? Ou pelo menos saberá de quem se trata? Imaginarão que é quem assina cheques?

 

Dúvida 2

Não valeria a pena, para os meios de comunicação, tentar ouvir o responsável pela má idéia? Ele ainda pode se arrepender. Pode até parar de babar na gravata e se convencer a trocar a dieta de capim, tão restrita, por pratos mais variados.

 

Adoniran, o grande

Na quinta-feira (28/10), a Rede Globo exibiu um grande programa: o Por toda a minha vida, com Adoniran Barbosa, apresentado por Fernanda Lima. Maravilhoso: boas músicas, boa reconstrução da São Paulo em que ele viveu, sua filha Maria Helena Rubinato de Sousa, magnífica, inesquecível, narrando com tranquilidade e amor o que é ser filha única de pai gênio e boêmio. O programa só teve um defeito: foi curto demais. Faltou coisa boa, se faltou! Faltou o monumental ‘Bom Dia, Tristeza’, de Adoniran e Vinícius de Moraes; faltou ‘A Promessa do Jacó’ – que o pessoal do Conselho Nacional de Educação não nos ouça. Cantado com forte sotaque, ‘Jacó, a senhor me prometeu/ uma gravata, até hoje ainda não deu/ faz trinta anos, que esto se passar/ e até hoje o gravata não chegar’.

A propósito, o governo precisa aprovar essa imbecilidade para que entre em vigor. Mas o simples fato de algum cretino pensar nela, sem ser demitido na hora, é grave.

 

Cubanacan

Comece a preocupar-se:

1. Foi criada a ULAN, União Latino-Americana de Agências de Notícias. Nela estão a Prensa Latina, de Cuba, a Bolivariana de Información, da Venezuela de Hugo Chávez, a Andes equatoriana de Rafael Correa, a Agencia Venezolana de Noticias, da Venezuela, a Télam argentina (o governo de Buenos Aires está em guerra aberta contra os meios de comunicação oposicionistas), oito rádios estatais brasileiras, a EBC, Empresa Brasileira de Comunicação, dona da TV Lula. Seu objetivo? Oficialmente, garantir informações isentas. Na prática, imagine um encontro entre o Irã, o Hezbollah, as FARC. Será seu objetivo discutir a paz?

2. Começou no Ceará, já se espalhou pelo país a tentativa de criar Conselhos Estaduais de Comunicação, sempre com o objetivo de democratizar a informação. Exceto no caso de Alagoas, a proposta sempre foi feita por um parlamentar do PT. E obedece à recomendação da Confecom, que se reuniu em Brasília no fim de 2009, de ‘monitorar e orientar’ o noticiário dos meios de comunicação.

 

Os culpados de sempre

Rubinho Barrichello deu entrevista à TV espanhola e não lembrou o nome de Dilma. Lembrou de Serra e, na hora de citá-la, perguntou ‘Como se chama mesmo a mulher?’ A entrevistadora da TV La Sexta precisou soprar-lhe o nome.

De quem é a culpa pelo lapso de Rubinho?

Acertou!!! Da imprensa, claro. ‘O vídeo eu gravei em maio, quando nem a campanha eleitoral havia começado. E colocam o vídeo como se eu tivesse gravado ontem. Infelizmente o Brasil ainda tem jornalistas oportunistas, loucos pra se dar bem. Uma pena’.

Claro que a culpa é da imprensa! Quem manda ficar fazendo perguntas difíceis, como o nome dos dois principais candidatos à presidência? Poderiam ter perguntado algo mais simples, como o nome dos pilotos da Lotus, Jarno Trulli e Heikki Kovalainen. ‘Dilma’ é um nome muito difícil.

 

Saúde, como?

Esta coluna comentou a determinação da Anvisa de que os médicos lavem as mãos e passem álcool quando mudam de paciente. Afinal, se um cuidado básico como este precisa sair como determinação oficial, publicada no Diário Oficial, isso significa que chegamos ao fundo do poço.

Na verdade, estamos ainda mais baixo: segundo um médico, em boa parte dos hospitais públicos não há sequer pias para lavar as mãos – quanto mais sabonete, papel absorvente para secá-las, álcool para esfregá-las. Outro médico lembra que o uso de gravatas pelos profissionais também não é correto: ali se concentram germes, bactérias e afins, numa cadeia interminável de contaminação.

 

Errei, sim

Lembra a história do mineiro chileno corno, aquele que acabou de chegar à superfície, soube que sua esposa estava grávida de cinco meses e ainda comemorou? Pois é: este colunista caiu numa pegadinha de internet. E, se tivesse prestado mais atenção no que escreve, não cairia: o nome do corno não está na lista dos resgatados.

A ‘informação’ saiu num portal de notícias de brincadeira, espalhou-se e chegou aqui. Endereço: http://www.sensacionalista.com.br/wordpress/?p=1543

Este portal, informa o leitor Marcos de Miranda Martinelli, advogado dos bons, é bem engraçado. Entre outras ‘matérias’, aborda também o caso das bactérias:

‘Superbactéria que está matando políticos é comemorada pelo mundo.’

 

Vale conferir

Carlos Gatti, jornalista de talento, resolveu dedicar-se à história de sua cidade: Timburi, SP. A cidade deve o nome a uma árvore típica, que os índios Caiuás usavam para fazer suas canoas. Entre a árvore, a cidade e a paisagem (seu por de sol é deslumbrante), Gatti conta as histórias e os causos, da igreja inteiramente de pedra construída por um padre português aos imigrantes, passando pelo café, pelos políticos (e por tantas falcatruas), pelo folclore, pela Festa da Pinga. O livro será lançado no dia 11/11, às 20h, num lugar dos mais adequados: o Bar Salim, na esquina das ruas Mourato Coelho e Arthur de Azevedo, em São Paulo.

 

Como…

De um grande jornal:

** ‘Luxemburgo parabeniza Galo por sair da zona’

O elenco é disciplinado. A turma que circulava pelo Flamengo e foi para a Europa, se estivesse no Atlético, deixaria o clube assim que ele saísse da zona.

 

…é…

De um grande jornal regional:

** ‘Mulheres de Cambé e Londrina fumam mais cedo’

A que horas será que elas acordam para fumar?

 

…mesmo?

De um grande site noticioso da Internet:

** ‘Angolano com objeto roliço na boca bate recorde’

A notícia não esclarece a quem pertencia o recorde anterior. Monica Lewinsky, talvez?

 

Mundo, mundo

Esquadrão antibomba abre pacote suspeito e… miau? Peritos foram chamados para desarmar explosivos, mas encontraram apenas gatinhos.

Acontece. Há alguns anos, um amigo deste colunista, que morava em Israel, adorava doces sírios. Mas queria os autênticos, não os doces sírios feitos por árabes israelenses. Então, costumava cruzar clandestinamente a fronteira, comprar seus docinhos, cruzar clandestinamente a fronteira de volta, tomar o ônibus e voltar ao kibbutz. Um dia, alguém notou que o pacote estava embrulhado no jornal sírio do dia. Alarme imediato: o pacote foi confiscado e o esquadrão antibombas o mergulhou, com um imenso braço de controle remoto, num tanque dágua, enquanto ele esperneava porque estavam molhando seus doces.

Este colunista também adora doces sírios, mas aceita bem os que são feitos aqui.

 

E eu com isso?

No Brasil, a polícia se mobiliza por causa de uma brincadeira estudantil: nos jogos internos da Unesp, a folhas tantas algumas moças baixam e sobem as calças, enquanto os rapazes aplaudem. No exterior, a polícia está convencida de que tem coisa mais importante a fazer do que policiar bundalelê universitário.

** ‘Demi Moore é traída por flashes que revelam sua calcinha’

** ‘David Beckham troca de roupa no campo e fica de cueca’

** ‘Courtney Love se descuida e deixa bumbum e calcinha à mostra’

** ‘Tcheca perde título de Miss Cerveja por ser estrela pornô’

** ‘Grávida de 6 meses, Luciana Gimenez faz compras com suas cadelinhas, Lola e Sofia’

** ‘Acompanhar a vida dos famosos faz bem à saúde, diz pesquisa’

** ‘Mulher chama bombeiros para salvar cobra de estimação presa em pulseira’

** ‘Naomi Campbell diz que tira férias a cada um mês e meio’

E sempre no Rio!

** ‘Hebe Camargo é flagrada ensaiando horas antes de seu grande show’

E que é que queriam que Hebe fizesse horas antes de seu grande show?

 

O grande título

É um só, mas coisa fina: além de o título não aguentar uma análise lógica, atribui a um clube de futebol o poder de censurar a internet:

** ‘Souza xinga torcer pelo Twitter e Grêmio estuda proibição de rede social’

O que se imagina é que o jogador tenha xingado um torcedor, e que o Grêmio queira proibir seus jogadores de utilizar o twitter. Deve ser isso.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados