Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Reputação ferida, defesa limitada

Um médico famoso, socialmente bem-posto, favorito de casais que necessitam de ajuda científica para ter seus filhos, é de uma hora para outra exposto à artilharia da imprensa, com uma série de acusações graves: dezenas de ex-pacientes, algumas das quais se identificaram, procuram jornais, TV e o Ministério Público para acusá-lo de assédio sexual.

Para o médico, dr. Roger Abdelmassih, proprietário da mais frequentada clínica de gravidez assistida do Brasil, dono de excelentes índices de êxito, a situação é a pior possível: foi acusado, o que prejudica sua clínica; se enfrentar um processo, o resultado final costuma demorar, o que prejudicará ainda mais suas atividades; e não tem contado com a possibilidade de divulgar amplamente sua defesa. Até hoje, se este colunista não se engana, o dr. Roger Abdelmassih, acusado por 63 ex-pacientes, teve para defender-se uma entrevista e um artigo. E uma senhora famosa que foi sua cliente se manifestou, numa coluna social, dizendo que jamais notou nele qualquer atitude estranha, mas que não entraria na polêmica. E só.

Acontece que Abdelmassih tem uma carteira com milhares de clientes, muitos dos quais conhecidos e acreditados por boa parte da opinião pública. Como apresentar sua posição favorável a ele, se a imprensa não lhes tem dado espaço? Enquanto na TV surgiram senhoras fazendo pesadas acusações, permitiu-se à defesa do médico apenas uma curta apresentação de seu advogado. E os artistas, atletas, políticos, socialites que se disponham a depor em seu favor, foram procurados? Terá a imprensa solicitado ao médico que apresente suas testemunhas? Muitos dos nomes são conhecidos; muita gente jamais fez segredo de sua proximidade com Abdelmassih. Por que, até agora, não apareceram?

E seus colegas, que trabalham também na área da gravidez assistida, nada têm a dizer sobre o colega mais famoso? E o Conselho Regional de Medicina, que certamente estará acompanhando o desenrolar do caso, não pedirá à imprensa que abra espaço à defesa de um de seus mais conhecidos associados?

Pode ser que, pela falta de vontade em envolver-se num caso de acusação de assédio sexual, muita gente prefira silenciar. Pode ser que, por estratégia de defesa, se reservem as testemunhas para uma fase posterior do processo. Mas, de qualquer forma, os meios de comunicação precisam mostrar que não têm posição hostil ao acusado, e que, se nada têm divulgado em sua defesa, não é por falta de esforço.

Um caso como este é sempre doloroso. Não cabe a nós, jornalistas, tomar posição sem acesso a todos os fatos, já que em qualquer situação haverá sofrimento. Mas cabe a nós, jornalistas, verificar se os diversos lados da questão estão merecendo tratamento equânime.

 

Cadê a civilidade?

Barbara Gancia, em seu blog e na Folha de S.Paulo (27/2), criticou a postura de Marisa Letícia, esposa do presidente Lula, no desfile das escolas de samba do Rio. Ricardo Kotscho, também em seu blog, reagiu com dureza. Até aí, tudo bem: é exatamente para mostrar variados pontos de vista que existem variados veículos de comunicação.

O que impressiona, entretanto, é o tipo de linguagem dos comentários dos leitores. Primeiro, pelo radicalismo: quem é contra a posição do comentarista é puxa-saco, vendido, safado, toupeira, ratazana, mascate, cretino, aristocrata paulista (só paulista: a aristocracia carioca, baiana ou amazonense, com certeza, deve ser melhor), burro. Discordar das mulheres costuma descambar para a estética: feia, mal-ajambrada, mal-amada. Depois, pela pobreza da argumentação. É tudo xingamento e pronto. Só adjetivos, nada de frases articuladas.

É um exemplo recente, mas está longe de ser único: nas disputas entre blogueiros, nos ataques mútuos entre tucanos e petistas, ignora-se a possibilidade de que o adversário possa errar de boa-fé (a possibilidade de que ele esteja certo, naturalmente, não existe; acreditar nela equivaleria a alta traição). As coisas lembram um pouco os Processos de Moscou: os presos eram automaticamente traidores desde 1917, quando os comunistas tomaram o poder. Ninguém tinha virado traidor em 1920, 1927, 1918: se era traidor, era traidor desde o começo.

Se alguém achar que a Luana Piovani é mais bonita do que alguma parlamentar petista, certamente é puxa-saco do Serra, ajudou o Fernando Henrique a vender a Vale e ainda recebeu algum da zelite. Se achar que a rainha da Inglaterra fala inglês melhor que o Fernando Henrique, isso é prova de que deve estar metido em alguma maracutaia do tipo do mensalão, ou mamando em alguma teta.

Esquecer a civilidade impede que o debate leve a qualquer avanço. Por incrível que pareça para tantos comentaristas de blogs, a boa educação existe para facilitar a convivência.

Quanto à postura da primeira-dama Marisa Letícia no Carnaval, nada a questionar: cada um faz o que quer, aquilo de que gosta, desde que não prejudique ninguém. Que ninguém espere deste colunista, no jogo do Corinthians, que fique sem suar, sem dar sua opinião sobre a família do juiz, sem usar um vocabulário que certamente não utilizaria neste Circo da Notícia.

Voltemos um pouco no tempo. O presidente Hermes da Fonseca era casado com Nair de Teffé, provavelmente a primeira mulher do mundo a fazer caricaturas. Nair promovia saraus musicais no Palácio do Catete, residência presidencial, onde permitia instrumentos como o violão, muito malvisto à época – coisa de vagabundo. Nestes saraus havia gente como Chiquinha Gonzaga, discriminada pela sociedade. E a própria Nair tocou o Corta-Jaca, maxixe de Chiquinha, numa festa em palácio. Na época, Ruy Barbosa bateu duro na primeira-dama, por permitir em ambientes finos a entrada de músicas lascivas e vulgares.

Por que, hoje, no século 21, a primeira-dama do Brasil não poderia brincar o Carnaval, a mais brasileira de todas as festas?

 

Cadê a Paula? Cadê os repórteres?

Paula Oliveira, a brasileira que se disse vítima de um ataque neonazista na Suíça e hoje responde a inquérito por falsa comunicação de crime, desapareceu de nosso noticiário. Ela não fala, o pai dela não fala. E os repórteres ficaram mudos.

E o namorado, caros colegas? O nome do moço e seu endereço são conhecidos (o nome estava até numa plaquinha, na porta do apartamento do casal). Ninguém quis se dar ao trabalho de fazer plantão para encontrá-lo? Ele deve ter algo a dizer. Afinal de contas, caso tenha havido gravidez, ele é apontado como o pai.

E a mãe? A primeira versão de Paula é que conversava com a mãe em português, ao celular, quando foi atacada. Que é que a mãe ouviu? Por que não procurá-la? Deixar, primeiro, que só Paula falasse, e deixar agora que só a polícia fale, é pouco: é preciso ouvir outras versões, para montar um panorama mais preciso.

 

Ele era o bom

Por falar em namorado, por onde anda o noticiário sobre Marcus Elias, o gênio das finanças, o dono da Parmalat, o namorado da modelo Naomi Campbell, o gestor da LAEP – Latin-America Equity Partners, o homem que encontrava tempo para gerir empresas, aplicar dinheiro, divertir-se, ir a todas as festas? Durante um bom tempo, era impossível abrir uma revista de negócios, de celebridades ou de fuxicos sem encontrar fotos, notícias, frases de Marcus Elias (e também muitos elogios, além da previsão de que se transformaria rapidamente no Rei do Leite).

Depois que a Parmalat teve prejuízo de pouco mais de R$ 90 milhões no terceiro trimestre do ano passado, houve algumas matérias de negócios (as tentativas de vender ativos, de convencer os credores a amenizar as condições de pagamento) e só: o assunto sumiu. Ah, a imprensa! Quantos breves gênios não surgiram só porque houve meios de comunicação que acreditaram neles?

 

Bola de cristal voadora

Autoridade fazer bobagem, vá lá: estão sempre ocupadas, os assessores nem sempre são nomeados pelos méritos, essas coisas. Mas jornalista aceitar a bobagem sem questionamento é sério. A decisão de obrigar as empresas aéreas a avisar os atrasos duas horas antes do horário marcado para o voo equivale a obrigar o vendedor de ingressos do estádio a avisar ao torcedor, no momento da venda, que vai chover forte daí a algum tempo; ou obrigar a Bolsa a avisar aos investidores que daí a duas horas o mercado vai cair, ou vai subir.

Há atrasos previsíveis: um avião que saia de Paris fora de hora, ou que tenha de fazer uma escala imprevista, permite à empresa saber (e avisar aos clientes) quanto tempo terão de esperar. Mas imagine um voo Porto Alegre-Rio, ou Belo Horizonte-São Paulo: o tempo fecha no aeroporto de origem e o avião não pode decolar. Como avisar os clientes com duas horas de antecedência, se falta apenas uma hora para a partida? Imagine que um avião tenha tido algum problema no pouso e seja preciso revisar algum de seus sistemas. Como avisar o passageiro com duas horas de antecedência se ele já está pronto para embarcar?

Qualquer repórter que cubra aviação conhece esses problemas. Por que deixar passar a notícia sem analisá-la, como se a questão do atraso fosse apenas um problema de boa vontade das empresas aéreas?

 

Verde-beting

Um dos melhores jornalistas esportivos do país, Mauro Beting, lança na segunda-feira (16/3) seu livro Os Dez Mais do Palmeiras (Saraiva Megastore, Shopping Eldorado, 19h, São Paulo, Maquinária Editora). Mauro escreve sobre os dois temas que prefere: futebol e Palmeiras – o que, aliado a seu talento, deve resultar num livro que seja agradável também aos torcedores de outros times.

Vale a pena aparecer por lá: Mauro Beting é uma grande figura. E na livraria estarão outras grandes figuras: seu pai, Joelmir Beting, a tia Cecília Zioni e a toda-poderosa da família, a mãe Lucila Zioni Beting. Foi ela que obrigou marido, filhos e todos os parentes a torcer pelo Palmeiras. Quem seria maluco o suficiente para contrariá-la?

 

De cocheira

Pouca gente sabe, mas Joelmir Beting, um dos mais famosos jornalistas do país, é de Tambaú, no interior de São Paulo. Quando garoto, foi coroinha do padre Donizetti (Tavares de Lima), conhecido nacionalmente como milagreiro.

Tem gente famosa fazendo plástica que deveria consultar o Joelmir antes de buscar o cirurgião. Há casos em que só milagre resolve.

 

Boa notícia 1

José Nello Marques, um dos bons apresentadores do rádio paulistano, está de volta, agora na Record, 1.000 kHz, todos os dias, das 16 às 18h. Sua proposta é interessante: em vez de entrar na área das notícias, já tão congestionada, quer ser a voz do consumidor que comprou o aparelho quebrado, que foi enganado na negociação, que não consegue que seu telefone seja instalado. Ninguém é perfeito; e Nello compartilha com os Beting o mesmo defeito, ser palmeirense. Mas normalmente seus programas são tão bons que vale ouvi-los. Nello estava fazendo falta no rádio.

 

Boa notícia 2

O FrenteVerso, excelente programa dominical da Rádio Inconfidência de Belo Horizonte, entrevista Angela Gutierrez, colecionadora de arte e dirigente do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, que mantém o Museu do Oratório, em Ouro Preto, e o Museu de Artes e Ofícios, na Capital mineira. Domingo às 21h, em FM, nos 100,9. Ou, pela internet (clicar no link ‘ouvir FM’). A apresentação é de Marco Lacerda. Ou seja, só pode ser bom.

 

Péssima notícia

Walter Silva, o Picapau, do tradicionalíssimo programa O Picape do Picapau, morreu na sexta-feira (27/2), em São Paulo. Walter Silva foi um dos maiores conhecedores da música popular brasileira (e um de seus maiores divulgadores). Trabalhou na produção do primeiro LP de Chico Buarque; produziu o Dois na Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues; comandou toda a série de espetáculos de música brasileira no Teatro Paramount, em São Paulo. E foi o repórter que cobriu o lançamento da bossa nova nos Estados Unidos, no Carnegie Hall.

Sabia tudo de música. E, muito mais importante, era gente finíssima. Mais um grande amigo que se vai.

 

E eu com isso?

A busca da objetividade, no jornalismo, surgiu durante a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos. As comunicações – por telegrama – eram dificílimas, e alguém teve a idéia de mandar um só repórter para vários jornais (com isso, além da economia, haveria a facilidade de mandar um só telegrama, que valeria para todos). A matéria tinha de ser objetiva, para que cada jornal, dispondo das informações corretas, lhe desse o tom que quisesse, em favor de um lado ou outro.

Hoje as comunicações são facílimas. As viagens também são mais baratas e permitem que cada veículo tenha seus próprios repórteres, variando os temas de reportagens. É por isso que, ao mesmo tempo, sabemos que:

** ‘Jessica Alba leva a filha ao supermercado’

** ‘Amy Winehouse mudará de casa’

** ‘Leite de Davi faz Claudinha encerrar show no Olodum mais cedo’

Não é uma gracinha? Segundo Cláudia Leitte, se a mamada demorar demais, o bebê chora de saudades da mãe.

** ‘Gwyneth Paltrow lança filme ao lado de elenco’

** ‘Kate Winslet não se preocupa com o que pensam dela’

 

O grande título

Há um grande concorrente:

** ‘Milhares viram a noite festejando no Salgueiro’

A noite está cada vez mais desinibida: festejou no Salgueiro, na frente de milhares de pessoas!

Mas há um título imbatível:

** ‘Jacaré vai a restaurante no Rio, dorme e é capturado’

Será que ninguém percebeu nada estranho enquanto o bicho estava acordado?

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados