Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Um dia, talvez, quem sabe

O debate é antigo: quando a Rede Globo começou a tomar a liderança do mercado, João Calmon, dos Diários e Emissoras Associados, lançou dura campanha contra a presença do capital estrangeiro na imprensa brasileira (na época, só pessoas físicas, brasileiros natos, podiam deter qualquer parcela do capital de veículos de comunicação). A Globo tinha capital do grupo Time-Life.

Houve também uma guerra paralela: a dos jornais e revistas que, embora não tendo recebido aporte de capital estrangeiro, eram de propriedade de estrangeiros. Só tecnicamente estrangeiros, diga-se: Victor Civita, proprietário da Editora Abril, Adolpho Bloch, da Bloch Editores, e Samuel Wainer, da Última Hora, haviam nascido fora do Brasil, mas aqui viviam e aqui tinham raízes. Contra Wainer a campanha foi feroz, comandada por um dos maiores tribunos da história brasileira, Carlos Lacerda; e Wainer ocultava sua origem bessarabiana, dizendo ter nascido no Bom Retiro, em São Paulo (a história só ficou esclarecida no livro Minha Razão de Viver, autobiografia de Wainer editada por Augusto Nunes). Civita jamais deu importância às acusações. E Adolfo Bloch, tranquilo, contava histórias de sua infância em Kiev, ignorando olimpicamente as acusações de que era vítima.

De lá para cá mudaram as comunicações (com a entrada da internet, principalmente), mudou a lei (hoje, empresas jornalísticas são autorizadas a ter até 30% de capital estrangeiro, e podem ser comandadas por brasileiros naturalizados há mais de dez anos), mudou o país, que já não tem tanta preocupação com o tema. Mas a questão está voltando com força: dois mamutes internacionais, a Telefónica espanhola e a Ongoing portuguesa, entraram no ramo brasileiro de noticiário, e Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert) iniciou campanha contra o portal de internet Terra (da Telefónica) e os jornais ligados à Ongoing (Brasil Econômico e grupo O Dia, do Rio).

É uma excelente ocasião para debater o problema do capital estrangeiro na imprensa, analisar o que significa para o país a presença de investidores internacionais no mercado de notícias e de opinião, a política brasileira no setor, a política das demais nações. Interessa ao país a reserva de mercado, na área noticiosa, para empresas majoritariamente brasileiras? Será isso essencial ou apenas uma relíquia de tempos passados?

É um belo debate – mas, provavelmente, não será desta vez. A audiência pública para tratar do tema, convocada pela Câmara dos Deputados, está marcada para 6 de julho, no meio das férias escolares, perto do recesso, das eleições, logo depois das festas juninas. E, pensando nas campanhas, qual entre os parlamentares terá cabeça para estudar a questão? Depois, com as eleições, a festa da vitória, a escolha do novo governo, tudo fica para o ano que vem, depois do carnaval (ou da Semana Santa). E quem vai lembrar, daqui a tanto tempo, da participação de capital estrangeiro na imprensa brasileira?

 

Enchendo a bola

Este colunista gosta de futebol e acompanha a seleção brasileira (pelo rádio, pela TV, pessoalmente) desde 1954. Sempre torceu por ela, mesmo quando isso foi decretado politicamente incorreto. Mas não está aguentando, nos meios de comunicação, a overdose de Copa do Mundo. Está certo que o país praticamente parou, mas o mundo continua girando. Não podemos ficar reféns da decisão de Robinho de levar a família para Joanesburgo, apesar das ordens do técnico Dunga para que todos mantivessem os parentes afastados de lá, nem dos chiliques de um treinador que, em vez de discutir a atuação do time, prefere brigar com jornalistas (que, aliás, ninguém sabe quem são, já que ele mesmo não dá seus nomes).

A gota dágua para esta coluna é a Copa Fashion – a discussão sobre o agasalho usado por Dunga, o estilista que o produziu, a possibilidade de que tenha sido comprado pela filha do técnico, o ano exato em que foi fabricado. Caros colegas, a São Paulo Fashion Week e a Fashion Rio existem exatamente para essas discussões: não teria sentido debater num desfile de modas as características da bola Jabulani. Não tem sentido, para encher de letrinhas o espaço excessivo dedicado à competição, enfiar notícias de moda, beleza, medicina ortomolecular e progressos nos métodos de fabricação de chuteiras em túnel de vento.

Deixem em paz as roupas de Dunga (e ocupem o espaço com mais notícias sobre outros temas). Se a seleção ganhar, qualquer trapo que Dunga vestir vai virar fashion. Se a seleção perder, qualquer traje chiquérrimo dele será tratado como farrapo – e o próprio técnico, a propósito, será tratado como farrapo humano.

 

A escrita fica

Copa, Copa, que nos sirva de lembrete. Há colegas prevendo há meses o resultado das eleições presidenciais que só vão se realizar em outubro. Os resultados da Copa mostram que muitas vezes a bola gosta de estragar os prognósticos dos sabidos. As urnas também.

 

Bola murchinha

Pois não é que esta coluna publicou, a respeito da guerra dos estádios, que a data da próxima Copa será 1914? E não foi uma vez só, não: foram duas. Mas, corrigidas as datas e pedidas as devidas desculpas aos leitores que dificilmente conseguiriam assistir à Copa de 1914, mesmo com uma boa máquina do tempo (a primeira Copa se realizou no Uruguai, em 1930), a questão central continua: afinal de contas, como foi o processo que levou à desclassificação do Morumbi? Até agora este colunista não leu nenhuma reportagem que busque ouvir todas as fontes e tente esgotar o assunto.

 

Questão de nome

E, já que falamos de Morumbi, por que a palavra ‘estádio’ foi substituída, no noticiário, por ‘arena’? Este colunista conhece muita gente. Mas ninguém jamais o convidou para ir à arena assistir ao ludopédio.

 

Lentes orientadas

Há anos, um candidato comandou um comício que foi um sucesso: o público, que já era majoritariamente favorável a ele, se entusiasmou com aquilo que disse e o aplaudiu o tempo todo. No fundo do recinto, um grupo de não mais de cinco pessoas o vaiou sem parar. No dia seguinte, o que estava nos jornais era que o referido candidato tinha sido vaiado.

Era verdade; as vaias tinham ocorrido. Mas certamente não eram o fato mais importante do noticiário.

É um problema recorrente. Há dias, houve em São Paulo o maior evento cristão do mundo, a Marcha para Jesus. Calcular o número de presentes é dificílimo, já que muita gente marcha e vai embora, outros chegam no meio do dia e assistem a determinados espetáculos, não há possibilidade sequer de fazer as contas com base no espaço disponível, já que a multidão é móvel. Mas um jornal estimou que lá havia 2 milhões de participantes.

O mesmo jornal destacou que houve protestos contra a marcha. Houve, é verdade. Segundo o próprio jornal, cinquenta pessoas protestaram. Representavam 1% dos participantes da Marcha? Não, 1% seriam 20 mil pessoas. Representariam 0,1%? Não, 0,1% seriam duas mil pessoas. Faça a conta, caro colega, para saber qual a porcentagem dos reclamantes. Teria valido o destaque?

O outro caso é do protesto na visita da candidata petista Dilma Rousseff a Paris, que também mereceu título e matéria. Houve protesto? Houve: segundo o próprio veículo, uma pessoa reclamava contra a aliança entre o PT maranhense e Roseana Sarney. Protesto vale mais do que manifestação a favor?

 

Boa notícia

Colunista novo na praça: Cláudio Tognolli estreou na semana passada no Diário de S.Paulo, com periodicidade irregular – ou seja, sai de vez em quando. Tognolli é um bom repórter, sabe fazer pesquisas, tem um jeito todo especial de escrever. Vale a pena acompanhar seu twitter (salpicado de termos que as mamães não aprovam).

 

Como…

Internet, claro. Os sites de fofocas nunca falham. Mas este colunista faz questão de esclarecer que o ator não está grávido.

** ‘John Travolta diz que torce para que filho que espera seja menino’

 

…é…

Do fartíssimo noticiário da Copa do Mundo:

** ‘Duplo homicídio mostram cicratizes do apartheid’

Assim mesmo: sujeito no singular, predicado no plural, a palavra ‘cicratizes’. Mas, mesmo se estivesse tudo certinho, que será que o autor da frase pretendia dizer?

 

…mesmo?

De um portal noticioso da Internet:

** ‘(…) A rica e difícil variedade de pronúncias de vogais no Brasil obriga que todos tenham bem fixa na mente a imagem gráfica da palavra. Do contrário, teremos dificuldade de saber, por exemplo, se `menino´ é com e ou i na primeira sílaba, ou com o ou u na segunda.’

Como é que vão colocar o ‘o’ ou o ‘u’ na segunda sílaba da palavra ‘menino’?

 

As coisas lá fora

E que ninguém pense que a ‘rica e difícil variedade de pronúncias de vogais’ ocorre apenas no Brasil. No inglês, a variedade é ainda mais rica e difícil, e não apenas no caso de vogais. Certa vez, de brincadeira, alguém cunhou a palavra ‘ghoti’, que não quer dizer nada, mas que se pronuncia ‘fish’. É assim: ‘gh’ com som de ‘f’ como em ‘laugh’, o ‘o’ com som de ‘i’ como em ‘women’, o ti com som de ‘sh’ como em ‘motion’.

Não, não somos originais nem em excentricidades idiomáticas.

 

Mundo, mundo…

De um grande jornal:

** ‘Oito macacos fogem de Zoo, mas sete se entregam’

Os fugitivos estavam no zoológico de Niterói. Fugiram, mas sete voltaram assim que bateu a fome. O oitavo, que o jornal diz estar foragido, não está tão foragido assim: aparece na hora das refeições para que os pais o alimentem do outro lado da grade.

 

…vasto mundo

E quem disse que a providência divina não existe?

** ‘Homens obesos têm menos desejo sexual e mais doenças’

** ‘Mulheres obesas engravidam mais sem desejar’

Só pode ser a intervenção da providência divina: uma coisa compensa a outra.

 

E eu com isso?

Não é só nas fotos de Spencer Tunnick que fica todo mundo nu: pelo jeito, a onda do peladão está se espalhando.

** ‘Fazendeiro se revolta com nudez de modelo e interrompe sessão de fotos’

Foi na China. Fotógrafos e modelos foram afugentados a pauladas.

** ‘Cantora fica nua em nuvem de algodão doce’

A cantora é Katy Perry. E ninguém deve sequer ter notado o algodão doce.

** ‘Robert Pattinson diz que vai mostrar bastante o bumbum em novo filme’

** ‘Modelo que desfilou `nua´ usou peruca nas partes íntimas, diz estilista’

A moça confirmou. Mas o produto natural deve, sem sombra de dúvida, ser melhor que o sintético.

E, quando não é nu ao natural:

** ‘Russos desenham pênis gigante de 65 metros em ponte levadiça’

O sexo também está na moda:

** ‘EUA: professora é acusada de oferecer sexo para alunos em estacionamento’

E pensar que, quando este colunista fazia sua escola secundária, o máximo que as professoras davam era umas reguadas!

** ‘Policial é preso por aliviar multa em troca de sexo’

Este foi no País de Gales, Reino Unido. Deve ser horrível viver num país onde se aceita algum tipo de propina para cancelar uma multa!

E há o noticiário frufru propriamente dito:

** ‘Filho de Angélica lança olhar curioso em hotel’

** ‘Christina Aguilera come com cuidado para não estragar o batom’

** ‘Lily Allen diz planejar ter bebê longe do agito das turnês’

Tem razão. Na maternidade é bem melhor.

 

O grande título

A briga é boa: são dois títulos, um daqueles cujo sentido é bem difícil captar, o outro buscando relacionamentos distantes, que talvez só o autor consiga localizar. Vamos lá:

** ‘G1 dança Lady Gaga com game se controle’

E o melhor título da semana:

** ‘Seleção repete time titular em Universidade onde Mandela velou bisneta’

Não é notável?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados