Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Um retrato em pedaços

O presidente da Venezuela, coronel Hugo Chávez, disse que, se ocorrer tentativa de deposição do presidente boliviano Evo Morales, haverá na Bolívia muitos Vietnãs – os Vietnãs do sangue, os Vietnãs dos canhões, os Vietnãs da guerra. E, nesta guerra, a Venezuela se fará presente. Isto está na imprensa brasileira.

O ministro da Defesa, Nélson Jobim, surge nas fotos com farda de camuflagem, como se soldado fosse. E com o mico no colo. E pegando na cobra. E observando a onça. As fotos, no melhor estilo Caras, estão na imprensa brasileira.

O presidente Hugo Chávez comprou 24 caças supersônicos Sukhoi-30, o que há de mais moderno na excelente indústria bélica russa. Comprou submarinos militares. Comprou 100 mil fuzis Kalashnikov e fala em montar a primeira fábrica Kalashnikov na América Latina. Isto está na imprensa brasileira.

Os aviões mais modernos do Brasil são 12 Mirage 2000 usados, que vão lentamente se integrando à FAB. Há também os velhos Tiger F5, reformados para durar um pouco mais. Mas faltam verbas para combustível, para manutenção, para mísseis. O navio mais moderno do Brasil é um porta-aviões que a Marinha francesa descartou, após considerá-lo obsoleto. O Exército não tem verba para balas, para a comida dos soldados, para os treinamentos; o serviço militar obrigatório atinge menos de um terço dos jovens aptos. Isto está na imprensa brasileira.

O comandante da FAB, brigadeiro Juniti Saito, conta que um terço da frota da FAB está fora de uso. Do restante, boa parte não pode voar por falta de peças, de verba para manutenção, de combustível. E os parlamentares, que deviam saber disso (porque está na imprensa brasileira), ficaram surpresos e indignados.

O projeto do submarino nuclear brasileiro é coisa bem para o futuro – muito para o futuro. A indústria bélica brasileira quebrou: se nem as Forças Armadas brasileiras compravam dela, que esperar dos outros países? Os carros blindados Urutu que eram fabricados no Brasil talvez voltem, mas feitos pela Iveco, uma empresa italiana ligada à Fiat. Isto está na imprensa brasileira.

Só falta juntar os fatos – e isto a imprensa brasileira não fez. A Venezuela está se armando pesadamente, com altos gastos (superiores, por enquanto, a US$ 4 bilhões), ameaça intervir em outros países, e o Brasil não tem como se contrapor a tanto apetite. O detalhe é que os venezuelanos não podem chegar à Bolívia, para defender o compañero Morales, sem atravessar o Brasil. E daí, que faremos? Há alguma ameaça real ao país? O que pensam os especialistas em relações internacionais?

Dizem que o primeiro-ministro alemão Bismarck foi interrogado por diplomatas sobre uma ameaça britânica de enviar tropas à Alemanha. Que faria, caso isso acontecesse? Bismarck ironizou: ‘Eu chamaria a Polícia.’ Os ingleses levaram a sério o comentário de Bismarck e voltaram a cuidar de suas Forças Armadas. Deu certo: menos de 50 anos depois, venceram a Primeira Guerra Mundial.



Cadê o escarcéu?

Por falar em ministro Nélson Jobim, este colunista viajou recentemente a Goiânia. As poltronas do avião, na ida e na volta, eram aquelas pequenininhas, que o ministro prometeu aumentar. O embarque, em Congonhas, ocorreu no horário. Mas o avião saiu com uma hora de atraso porque a fila de decolagens era muito longa. Na volta, o avião saiu um pouquinho depois do horário, mas atrasou uns 40 minutos, obrigado a voar em círculos porque a fila de pouso era longa.

Tudo como dantes, enfim. E a imprensa, esqueceu o caos aéreo?



Civilização

Desta vez, o maior alvo de uma operação policial não foi uma empresa brasileira: foi uma multinacional, com sede nos Estados Unidos. E o comportamento, tanto da Polícia como da imprensa, foi comedido – como, aliás, deveria ser em todos os casos: o presidente da empresa foi preso, mas sem exibição de algemas, sem fotos e filmes de sua entrada no bagageiro do camburão, sem aquele gigantesco grupo de homens armados, protegidos por máscaras estilo ninja.

Sem entrar no mérito do que aconteceu, foi uma ação correta, sem estardalhaço, sem humilhações, sem violência desnecessária. Será uma nova fase do trabalho policial ou isso só acontece quando atinge alguma empresa multinacional?



Olha a conta!

De um grande jornal, que sempre se orgulhou de sua editoria econômica:

‘Transporte fluvial de álcool é 8 vezes mais barato, diz estudo.’

Lembremos: se o transporte fluvial fosse uma vez mais barato, nada custaria. E oito vezes mais barato, como é que se faz? Irá o comandante do navio pagar ao proprietário da carga pela honra de transportá-la?



Escutar o quê?

A notícia da frase do presidente Hugo Chávez dirigida ao dirigente cubano Fidel Castro é maravilhosa para quem gosta de duplo sentido. Vamos lá:

‘‘Todo o mundo está eletrizado ouvindo você’, disse Chávez a Castro, ao lembrar que esta é a primeira vez que os cubanos escutam seu líder ao vivo desde julho de 2006, quando o ‘comandante’ teve uma grave crise intestinal.’



E eu com isso?

Este colunista se lembra da Copa de 1962, quando, em grandes praças públicas, uma tela com a imagem de um campo de futebol era pendurada bem alto. Ali, com base na narração do jogo, pelo rádio, uma equipe movia bonequinhos de um lado para outro, procurando dar uma ilusão de partida ao vivo.

Hoje é mais fácil: o Brasil joga com o Equador no Maracanã e o Brasil inteiro vê o jogo ao vivo. Os convidados VIP (ou seja, políticos que interessam à Rede Globo, anunciantes da Rede Globo e artistas da Rede Globo) ganham até um camarote especial, de onde jorram notícias:

1 – Dieckmann devora salsichão no Maracanã;

2 – Flávia Alessandra se refresca com geladinho;

E uma fantástica, que somente uma sociedade moderna pode entender:

‘Estou pegando um artista’, diz Ivete Sangalo.

Nós, consumidores de notícias, não precisamos nos preocupar com a possibilidade de ficar desinformados. Como explica um jornal,

‘A assessoria de Syang (ex-Casa dos Artistas) enviou nota oficial para avisar que a cantora está grávida. Já Mariana Kupfer mandou foto com seu novo corte de cabelo, igual ao de Deborah Secco.’



O grande título

A competição é feroz. Começa por aquela novidade que até já deixa de ser novidade: o redator faz o título do tamanho que quiser, entra na tela o que cabe e seja o que o deus dos internautas quiser.

Diário Oficial do governo da BA reproduz entrevista de

Há alguns bons exemplos de títulos que alguém, com certeza, deve entender:

1 – SONOCO LANÇA O ULTRAPEELT, UM FECHAMENTO ESPECIAL PARA EMBALAGENS RETORT ESTERILIZÁVEIS

2 – Usuário pode restaurar seu PC popular ao seu estado original em caso de migração para o pirata

E há dois magníficos exemplares de duplo sentido, sem dúvida os melhores desta safra:

Astro pornô quer doar equipamento

Não, não se assustem. O astro David Cardoso nem é pornô: fazia pornochanchadas, aqueles filmes nacionais em que, nas maiores orgias, os homens ficavam de cuecas e as mulheres não tiravam as calcinhas. E o equipamento que ele deseja doar – em vida, saliente-se – são cinco toneladas de câmeras, moviolas e outras máquinas, a quem quer que queira montar um museu do cinema.

Miss Brasil fica assustada com o tamanho da repercussão e não quer mais sair com Aécio

O governador mineiro Aécio Neves, depois que se separou, teve muitas namoradas (incluindo a própria ex-esposa). Mas, ao que se saiba, nenhuma até agora tinha reclamado do tamanho da repercussão.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados