
(Foto: Fabio Pozzebom/ Agencia Brasil)
A função auxiliar e consultiva do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS), órgão desprovido de qualquer poder deliberativo sobre a política de comunicação no Brasil, foi estabelecida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 224, e pela lei nº 8.389, de 1991.
Mas a explicação para isso vai muito além da letra fria da lei e reside numa história marcada por disputas intensas entre dois segmentos antagônicos durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), realizada entre 1987 e 1988: de um lado, os radiodifusores, em defesa do status quo do mercado de mídia e da legislação de rádio e TV então vigente; de outro, a sociedade civil, representada por entidades profissionais e que defendiam a democratização do setor.
A ANC se dedicou à formulação de uma nova Constituição, mais democrática, cidadã e participativa, selando o fim de um período de repressão às liberdades, de tortura às vozes dissidentes e de censura. Graças à oportunidade política que emergiu daquele contexto, os movimentos sociais que almejavam mudanças na comunicação ganharam notoriedade e relevância política e social no embate que estava prestes a ser travado no campo da comunicação.
Naquele momento, diferentes organizações da sociedade civil, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e de movimentos sociais que também defendiam mudanças democráticas no setor, se defrontavam com a ala empresarial da mídia para a formulação de um capítulo constitucional dedicado à Comunicação Social. A Fenaj liderava a ala dita progressista, de esquerda, que reivindicava alterações na regulação da área. Essa ala era uma junção de diversas entidades da sociedade civil em torno do Movimento Nacional pela Democratização da Comunicação (MNDC), que nasceu em 1987 da Frente Nacional de Lutas por Políticas Democráticas de Comunicação, já atuante entre 1984 e 1986, e que, mais tarde, se tornaria o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Um espaço para o exercício da democracia na comunicação
Entre as inúmeras demandas que constavam da agenda dessas organizações, pelo menos uma estava em evidência: a inserção da sociedade civil no debate e formulação de políticas públicas. Isso se daria por meio de um Conselho Nacional de Comunicação (CNC) de amplas atribuições. A proposta originou-se de um encontro nacional promovido pela Fenaj, em 1984, quando a entidade também elencou outras questões consideradas relevantes a serem apresentadas na Assembleia Constituinte.
A ideia de um CNC foi apresentada como Emenda Popular e propôs incluir no capítulo da Comunicação Social dez artigos referentes ao Conselho. A proposta consistia em um órgão colegiado autônomo nacional e com seções nos estados, composto por representantes da sociedade civil, de entidades empresariais e da academia.
A emenda teve amplo apoio popular, com mais de trinta mil cidadãos signatários, além de parlamentares e entidades da sociedade civil a defenderem o CNC, que teria um papel regulatório relevante, isto é, elaborar e fiscalizar as políticas públicas de comunicação, mas com controle social. Além disso, teria como atribuições outorgar, renovar e revogar concessões de rádio e televisão, tarefas que a Constituição Federal de 1988 compartilhou entre os poderes Executivo e Legislativo (Congresso Nacional) – antes, eram prerrogativas apenas do primeiro.
Nasce o “Conselho possível”
Na Constituinte, agora na forma de anteprojeto de lei, a sugestão não obteve êxito e sofreu profundas modificações nas duas comissões legislativas pelas quais tramitou, até ser extinta em sua ideia original. A morte da proposta do CNC significou o nascimento do CCS, previsto na Carta Magna de 1988 como órgão colegiado do Congresso Nacional, com funções unicamente consultivas e auxiliares; portanto, sem a autonomia reivindicada pela sociedade civil para propor, executar e fiscalizar as políticas públicas.
A criação do CCS só se efetivou em 2002, onze anos após ter sido regulamentado por lei, em 1991. Considerada por estudiosos como “a máxima concessão feita à ala progressista”, e mesmo que desprovido de funções executivas e regulatórias, a formalização do Conselho de Comunicação Social como órgão a serviço do Congresso é atribuída a uma “pressão da esquerda”, indo de encontro aos interesses dos concessionários de radiodifusão. Tais forças, consideradas as mesmas que se articularam pela derrota do CNC na Constituinte, também foram responsabilizadas pela sociedade civil por postergarem a instalação do CCS.
Na ConfeCom, proposta gera pânico no empresariado
A última vez que a ideia de um espaço de participação social nos moldes do CNC foi apresentada oficialmente na esfera institucional foi durante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (ConfeCom), realizada em 2009. Inclusive, essa proposta, dentre outras, foi o estopim para a debandada de seis das oito entidades empresariais que integravam a comissão organizadora da ConfeCom – entre elas, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), com forte atuação na Assembleia Constituinte –, lá restando apenas duas representantes do mercado, a Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA) e a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil).
De lá para cá, tudo indica que esse modus operandi de pressão e lobby empresarial protagonizado pelos “donos da mídia” pouco se alterou. É o que apontam pesquisadores e organizações da sociedade civil. A análise predominante é a de que a atuação política dos empresários – em especial, dos grandes radiodifusores – continua a impor obstáculos à modernização do arcabouço legal do setor, ainda refém, em grande medida, de regras estabelecidas há mais de seis décadas (caso do Código Brasileiro de Telecomunicações, o CBT, de 1962, e do Decreto-Lei 236, de 1967).
Também é consenso que a ausência de combate à formação de monopólio e oligopólio no setor, a pouca transparência sobre aspectos regulatórios e a legislação fragmentada e senil colaboram decisivamente para que os atores empresariais continuem a dar as cartas na agenda político-regulatória, o que deixa a democratização da comunicação e a participação efetiva da sociedade civil na definição da política pública longe de se tornarem uma realidade possível.
O futuro da comunicação exige a participação da sociedade hoje
O cenário atual da comunicação é bem diferente daquele da Constituinte, muito mais complexo e com novos players na disputa por corações, mentes e dados. O que não muda é a urgência de dotar a sociedade de um papel protagonista nos debates e decisões sobre as políticas desse setor estratégico para o país, colocando-a no mesmo patamar de relevância que gozam o empresariado da mídia tradicional e a classe política.
Tal tarefa, o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional é incapaz de cumprir.
Referências bibliográficas
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LIMA, Venício Artur de. Conselhos de Comunicação Social: a interdição de um instrumento da democracia participativa. Brasília, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), 2013.
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Vilson Vieira Junior é jornalista formado em Comunicação Social e mestre em Ciências Sociais pela UFES.
