Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Moro vai colar o crime de corrupção à imagem de Bolsonaro e deixá-lo sangrar

(Foto: Alan Santos/PR - Fotos Públicas)

(Foto: Alan Santos/PR – Fotos Públicas)

Eu li, vi e ouvi todos os conteúdos que publicamos nos dias seguintes ao depoimento do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, na Polícia Federal (PF), em Curitiba (PR). Ele pediu demissão (em 24 de abril) depois de um longo processo de fritura por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que exigia ser abastecido com informações a respeito de inquéritos policiais e outros assuntos em andamento na superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. A gota d’água que levou Moro a pedir as contas foi a demissão, por Bolsonaro, do diretor-geral da PF, o delegado Maurício Valeixo. Valeixo era homem de confiança do então ministro quando ele foi juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba, e comandava a Operação Lava Jato, que lhe deu fama mundial como combatente contra a corrupção ao colocar na cadeia vários grandes empresários e o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Na época, Lula era o principal adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Sua prisão facilitou a vitória do atual presidente. No final de 2018, Moro aceitou a oferta para ser ministro do presidente eleito, deixando para trás uma carreira de 22 anos como magistrado para investir todo o seu capital de respeito adquirido na Lava Jato no novo governo. Ao deixar de ser juiz, Moro tirou a pele de cordeiro e vestiu a de lobo. O presidente abandonou a pele de cordeiro e vestiu a de lobo em 1988. Ele era tenente do Exército e, após liderar um motim, acabou indo para a reserva como capitão – há um vasto material disponível na internet.

A história dos lobos não terminou, eu volto a falar nela logo adiante. Antes, vou voltar a falar sobre o depoimento do ex-juiz – que está disponível na internet. Ele prestou depoimento na PF de Curitiba a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde de sábado (2 de maio). Foi ouvido a respeito da tentativa do presidente de usar indevidamente a PF para coletar informações sobre os seus desafetos políticos no Rio de Janeiro. Foram quase dez horas de depoimento, quando o ex-juiz repetiu o que já havia dito em uma entrevista coletiva e deu algumas pistas sobre o comportamento de Bolsonaro. Na opinião geral dos repórteres e comentaristas políticos, Moro não disse nada que não se soubesse. A grande novidade é que aquilo que até então era apenas uma conversa entre ele e o presidente foi para o “papel”, ou seja, tornou-se oficial. Dessa forma, pode acabar de duas maneiras: sendo engavetada ou se transformando em um processo no STF. Depois de ler, ouvir e ver tudo o que se publicou sobre o depoimento, lembrei-me de um ensinamento que aprendi no dia seguinte ao que coloquei os pés em uma redação de jornal, lá em 1979: “Wagner”, alertou-me um velho repórter, ”lobo não come lobo. Nunca esqueça isso”. Na verdade, Moro e Bolsonaro sempre foram lobos vestidos com pele de cordeiro, como diz o dito popular. Basta olhar a história recente dos dois. A respeito do ex-juiz, em 2019 o site The Intercept Brasil denunciou uma série de ilegalidades cometidas por ele e por procuradores da República na Lava Jato no caso de Lula – matérias na internet. Bolsonaro e os filhos Carlos, vereador no Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo, têm histórias ainda não explicadas, mas que estão sendo investigadas, de envolvimento com os milicianos cariocas e a produção em escala industrial de fake news.

Voltando à história do lobo. Os dois são lobos e não vão se comer. Mas vão brigar pela liderança da matilha. Aqui, meus colegas jovens repórteres, nós temos que prestar atenção ao seguinte. Até agora, a oposição não conseguiu se organizar e ainda não tem um candidato forte para as eleições de 2022. Lula é o único que tem votos, fôlego e prestígio para desafiar a reeleição do presidente. Mas não pode concorrer por causa da lei da Ficha Limpa. Sem uma candidatura forte da esquerda, Bolsonaro perde os votos anti-PT responsáveis pela sua eleição em 2018. Para quem vão esses votos? Para uma candidatura de centro, que hoje tem um congestionamento de candidatos. Moro, empunhando a bandeira contra a corrupção, tem boa chance de se posicionar entre os candidatos de centro na disputa pelo poder. Se essa hipótese se concretizar, Moro precisará ter a “bala de prata” contra o presidente. E qual seria essa “bala de prata”? Um crime de corrupção envolvendo Bolsonaro. Até agora, Bolsonaro tem sobrevivido a todas as acusações dos seus inimigos políticos, como a de ser homofóbico, defender a execução de bandidos, admirar torturadores de presos políticos e de pregar um golpe militar. Por que ele sobrevive a essas acusações? Simples, sempre admitiu publicamente essas coisas. Aliás, muitos dos seus eleitores votam nele exatamente por isso. Crime de corrupção é outra conversa. E não é por outro motivo que Bolsonaro quer usar a PF do Rio para obter informações sobre investigações policiais. Uma dessas investigações é sobre a “rachadinha” – uma prática na qual funcionários de parlamentares devolvem uma parte dos seus salários para o deputado que os emprega – que existia no gabinete do seu filho Flávio, quando este era deputado estadual. Mais ainda: a relação dele e dos seus filhos com Fabrício Queiroz, um ex-policial militar que teve ligações com os milicianos. As milícias cariocas, que são formadas por PMs, movimentam milhões em operações ilegais, como a construção de prédios clandestinos e outras atividades comerciais nas favelas.

Aqui chegamos a um importante ponto dessa história. O caso de Queiroz e da “rachadinha” está rolando há um bom tempo e ainda não deu em nada. A história de Lula com o apartamento tríplex, no Guarujá, litoral de São Paulo, começou em 2014 e o processo só tomou um rumo quando os procuradores da Lava Jato e o então juiz Moro apostaram nele e acabaram sentenciando o ex-presidente à prisão, em 2018. Moro não é mais juiz. Mas sabe como fazer andar um processo. E tem os contatos para fazer isso na Justiça. Portanto, é o ”cara” que tem como conseguir a “bala de prata” contra Bolsonaro. E isso o torna uma pessoa interessante no tabuleiro da disputa política. Em 25 de abril, fiz o post “A aliados, adversários e especuladores do mercado interessa Bolsonaro sangrando”. Trato do sangramento do prestígio político do presidente que vem sendo causado pelas crises do seu governo, a maioria delas derivada de trapalhadas do próprio Bolsonaro. Na época, perguntei se Moro iria se juntar aos que se interessam em ver o presidente sangrando. Como sempre repete um amigo descendente de colonos italianos: “a vingança é um prato que se come frio”.

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter.