Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mr. Obama não vai curtir

Uma “nova concorrência” parece deixar os jornais perplexos: as redes sociais e os buscadores.

A disputa da mídia impressa pelos leitores na internet tem sido um dos grandes desafios da indústria da comunicação. Como fazer jornalismo nesse meio e como distribuí-lo? Como implementar novas tecnologias? Qual é o conteúdo que o leitor deseja encontrar?

São perguntas de difíceis respostas, que demandam investimentos e criatividade. Mas, nesse campo, a despeito dos desafios lançados, os jogadores jogam de igual para igual.

As redes sociais ganharam forte adesão, especialmente no Brasil, e tornaram-se grandes difusoras de informações, a ponto de terem sido um dos meios mais utilizados por movimentos sociais na mobilização das recentes manifestações no país.

Ao mesmo tempo, com base nessa afluência e influência, essas empresas foram construindo estratégias comerciais de venda de publicidade. Com conteúdo, público, espaço qualificado e tecnologia, passaram a ser uma alternativa atraente de mídia publicitária.

Foco prioritário

Pesquisas mostram o crescimento do investimento publicitário na internet e o avanço dos portais, redes e buscadores sobre fatias dos demais meios. No primeiro bimestre deste ano, por exemplo, os anunciantes investiram mais na internet do que em revistas.

O faturamento nesse meio ainda é muito inferior ao dos jornais impressos, mas é crescente, enquanto que, para a imprensa de papel, o cenário é de crise.

Isso explica em grande parte a ofensiva que a imprensa vem fazendo contra a “nova concorrência”.

Entretanto, os jornais não assumem a discussão sob esse ângulo. Preferem questionar a seriedade com que as redes sociais protegem as informações dos usuários. Lançam suspeitas sobre o fornecimento dos dados a serviços de inteligência, atacam as políticas de uso. Criticam os usuários, chamando-os de “bobos” por produzirem conteúdo gratuito para as redes e disporem tantas informações pessoais.

Mas os jornais também estão nas redes, oferecem informação de graça e dispõem para os administradores das redes, também de graça, quem são seus seguidores, que notícias compartilham, como trafegam.

Os dados dos usuários parecem ser o grande achado das redes sociais. Pela atividade das pessoas, seus comentários, fotos de família, viagens, animais de estimação, festas e pratos preferidos, e “curtidas”, as redes detêm um conhecimento de seu público que nenhum jornal tem de seu leitor de internet – e que dificilmente terá.

As empresas jornalísticas não dispõem da mesma poderosa tecnologia das empresas de redes sociais, nem de recursos, nem mais de tempo para construir algo semelhante e enfrentar essa concorrência.

Além disso, o foco prioritário dos jornais é produzir conteúdo e veiculá-lo na tecnologia disponível ou na que pode ser desenvolvida para tal finalidade. Ao mesmo tempo, as redes sociais, também dentro do seu foco, estão em pleno desenvolvimento de ferramentas que vão refinar ainda mais o conhecimento dos seus usuários para os anunciantes.

Exposição voluntária

É uma disputa desequilibrada pelas mesmas verbas publicitárias e um ponto de inflexão, que vai além da discussão do futuro da imprensa.

Essa fragilidade a que as empresas jornalísticas estão expostas, contudo, não é responsabilidade dos usuários das redes. A nós foram dados uma fantástica forma de estabelecer relacionamentos e um canal de expressão que nenhum meio de comunicação já pode proporcionar. As pessoas usam as redes conscientes da exposição a que se submetem voluntariamente.

Não parece sensato que mr. Obama tenha interesse nos nossos posts, nas nossas fotos. Quem tem interesse nisso está muito mais perto de nós. E os incomodados que se retirem.

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Sandra Muraki, jornalista, é coordenadora do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo)/Observatório da Imprensa