Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia estrangeira dá vexame e flerta com vale-tudo

Abrindo o texto da manchete on-line do “New York Times”, final da tarde de ontem, uma semana depois do desaparecimento do Boeing-777: “A caçada pelo jato se expandiu para a vastidão do Oceano Índico”.

O satírico “The Onion” foi mais preciso: “No rastro do noticiário conflitante, a investigação foi ampliada para abarcar não só falha mecânica, erro do piloto, ato terrorista e sequestro, mas o âmbito abrangente do espaço, do tempo e do lugar da humanidade no Universo”.

Nos primeiros dias ainda houve espaço para uma crítica que levasse o noticiário a sério. Surgiram alertas, por exemplo, para que o jornalismo não reproduzisse ou retuitasse qualquer coisa –como a notícia falsa originada no Vietnã sobre ter sido detectado o sinal do jato.

Anthony De Rosa, referência para o jornalismo on-line nos EUA, postou então “Em defesa de esperar”, propondo deixar de lado a corrida pela notícia em primeira mão.

Mas aí até a cobertura mais tradicional partiu para a franca especulação, quando não para o escracho.

Sete dias

Na TV americana, ontem [sexta, 14/3], a CNN se perguntava se “o avião pode ter pousado?”, e a ABC se “as comunicações foram desligadas deliberadamente?”. A Fox arriscava nova linha de investigação, “um ato de pirataria”, e a NBC, “um evento sísmico detectado por cientistas chineses”.

A ex-ministra da Secretaria de Comunicações do Brasil, Helena Chagas, tuitou de Nova York: “Agora, na CNN, teorias conspiratórias: suicídio do piloto, estrepolias alienígenas”.

A veneranda BBC, que hoje tem uma operação para ecoar informações irrelevantes mas que chamam a atenção, o BBC Trending, destacou que um xamã apareceu no aeroporto da capital da Malásia para “enfraquecer os maus espíritos” que atrapalham as buscas.

No Twitter, onde o caso se espalha através de “hashtags” como PrayForMH370, (“reze pelo voo”), as buscas se tornaram um folhetim sem intervalo, obsessivo.

Foi assim que Uri Geller, que já entortava talheres no “Fantástico” nos anos 70, tuitou ontem ter sido “convocado a ajudar”.

O “paranormal” postou um mapa do Sudeste Asiático e escreveu aos seus seguidores: “Eu acredito em visão remota. Você pode tentar ver’ onde acredita que o avião caiu? O que diz seu sentido intuitivo?”. Ecoou não só em rede social, mas em sites de jornais europeus, como notícia.

Em sete dias de vexame, a distância entre jornalismo e o vale-tudo da internet diminuiu um pouco mais. A esperança para o primeiro está agora em achar uma notícia, um fato, em meio às especulações desvairadas.

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Nelson de Sá, da Folha de S.Paulo