Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Paradoxos de um hipotético impeachment da presidente

O objetivo indisfarçável das forças de oposição, na grande mídia e nos bastidores, de fato é acelerar o fim do governo Dilma Roussef, de preferência já neste primeiro ano do segundo mandato.

Há risco real de impeachment? Sim, muito.

Base jurídica, até o momento, não há nenhuma – mas infelizmente, na prática, isso importa muito pouco neste caso. O governo está enfraquecido nas ruas e no Congresso, em grande parte por conta de seus próprios erros e fragilidades.

É claro que a oposição sistemática e uníssona da grande mídia (que age mais como partido político do que como veículos de jornalismo) agrava esta situação. Todavia, o principal culpado pelo seu mau momento é o próprio governo, flagrantemente incompetente em comunicação e protagonizado por uma presidente inapta em fazer política, que insiste em exercer o cargo como se a Presidência da República fosse um cargo burocrático-técnico-administrativo. Esse tipo de abordagem é equivocado e insuficiente até quando os números, no geral, denotam competência administrativa do governo – o que, desde 2011, não é o caso.

Em última instância, quem vai decidir se o impeachment sai ou não será o PMDB.

No curto prazo, esta opção pode ser interessante para a sigla, que colocaria Temer na Presidência e passaria a assumir o controle absoluto tanto do Poder Legislativo quanto do Executivo. Temer governaria como um Cesar, ainda mais com o presumível respaldo e festejo da grande mídia, que ficaria embriagada de satisfação orgástica de ver o PT saindo do poder.

O problema é no médio e longo prazo. A estratégia “Volta Lula” para 2018 tem poucas chances de dar certo se aplicada na sequência de quatro anos de um governo medíocre protagonizado por Dilma. Mas, se apresentado como oposição a um governo do PMDB, poderia constituir o cenário ideal para uma narrativa de triunfante retorno de Lula. Pode parecer paradoxal em um primeiro momento, mas o cenário de impeachment, ao mesmo tempo em que representaria a morte política de Dilma e um período de “geladeira” para o PT, representaria também a hipótese mais apropriada para um campanha bem-sucedida de “Volta Lula” em 2018.

Corrupção de aliado vai para debaixo do tapete

Em síntese: os cenários mais prováveis envolvem o PT deixando o poder após as eleições de 2018 ou mesmo antes, em caso de impeachment. O cenário mais difícil e improvável, no momento, é aquele no qual Dilma faz um governo suficientemente bem-sucedido a ponto de possibilitar que ela eleja um sucessor.

O que me parece certo é que a polarização PT x PSDB, que domina a cena política nacional há 21 anos, já começa a dar adeus. O PT não tem mais credenciais para representar as aspirações do eleitorado de esquerda (talvez nem mesmo do eleitorado de centro-esquerda) e nenhuma concessão que fizer jamais vai salvar a sigla do ódio que o eleitorado de direita sente pelo partido. O PSDB, que não vence uma eleição nacional desde 1998, não tem substância ideológica, nem quadros, para sustentar a sua pretensão de liderar as forças de oposição (para tristeza da grande mídia do centro do país, que adotou o partido como sua sigla oficial não confessada). Novas forças de direita e de esquerda deverão adquirir protagonismo.

O mais importante, no meio de tudo isso, é que as forças políticas em conflito consigam tirar um tempo, no meio de seus projetos de poder, para levar adiante uma reforma política que crie as condições institucionais para a evolução da política democrática no país. O PMDB já começa a se mover para aprovar uma reforma visando legalizar o financiamento privado de campanhas, inclusive com previsão expressa na Constituição – o que implicaria simplesmente a institucionalização da corrupção endêmica e persistente da nossa política.

A grande mídia, que se gaba de “combater a corrupção”, até agora não deu nenhuma importância ou destaque para o fato – evidenciando aquilo que todo observador atento já percebeu há muito tempo: a mídia brasileira não vê problema algum em casos de corrupção, desde que os envolvidos não sejam adversários políticos. Corrupção de aliado sempre dá para varrer para debaixo do tapete. E aquilo que irá definir a forma como as pessoas vão enxergar a corrupção, em última instância, não é a realidade dos fatos, mas sim, a forma como o Jornal Nacional for editado.

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Henrique Abel é advogado, mestre em Direito e professor universitário