Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Das (i)licitações públicas

De algumas coisas, todos têm conhecimento, ou ao menos intuem ou presumem, se bem que perante a lei a presunção primeira é a da inocência, até que se prove o contrário, embora a prática, em tempos midiáticos, pareça ser a de se acusar e enxovalhar reputações (nem sempre tão reputáveis assim) e deixar que o tempo (ou a Justiça) se encarregue do resto – além domais, nesse jogo, quem pode mais costuma chorar menos – e a corda é fraca para tanta caçamba.

A percepção popular, até por uma questão de sobrevivência, cria antídotos para a dura realidade. Talvez por essa razão muitas vezes não parece tão surpresa assim diante do surgimento de um novo escândalo a cada semana, como o da revelação dos bastidores de licitações viciadas envolvendo a prestação de serviços para o Instituto de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em reportagem exibida pelo Fantástico, da TV Globo, [domingo, 18/03/2012] e seus desdobramentos no JN ao longo da semana.

Isso não quer dizer que não haja indignação; há de sobra na sociedade, mas ao senso comum não foi esta a primeira nem será a última irregularidade em tais processos – embora não se deva meter tudo no mesmo balaio, ainda que seja bem largo e fundo. O risco de tal resignação com esse estado de coisas é o da imutabilidade e da precariedade das instituições. E há de se admitir que, sem certa dose de cinismo e hipocrisia, quase nenhuma instituição (talvez nem a nossa frágil democracia) consegue resistir a um exame mais aprofundado de seus mecanismos internos, não restando mais que decoradas fachadas – se bem que a César não lhe basta que a mulher pareça honesta, nem essa costuma ser a prática.

Corrupção não passa recibo

O jeitinho, sobretudo o mau jeitinho, está mesmo incorporado ao cotidiano da vida pública, impregnando de vícios e deformidades as relações entre repartições (sejam nas esferas federal, estadual ou municipal) e empresas, num verdadeiro conluio, cuja única finalidade não é outra senão o desvio de recursos públicos e a locupletação, além do financiamento de campanhas políticas (com gordas propinas) porque não é preciso muita perspicácia para puxar dessa meada tal fio.

Já que somos todos inocentes – e muito criativos –, não faria mal algum aperfeiçoar os mecanismos de controle e apuração das licitações (no exame acurado de indícios ou estranhas coincidências em editais e parcerias de empresas, por exemplo). E isso não significa tornar as licitações ainda mais burocráticas, mas sim transparentes, porque basta uma olhadela em contratos e nas tomadas de preços para constatar a supervalorização de produtos e serviços, ainda mais em se tratando de bens atrelados a treinamento, como no uso de softwares, por exemplo, ou capacitações e serviços, o que torna difícil obter parâmetros para comparação de valores com o que se pratica no mercado. Todos acabamos por arcar com tais custos, ou no próprio bolso ou em infraestrutura, em atraso e especialmente no custo social que isso representa.

Demais, a corrupção não passa recibo – excetuando-se os flagrantes de dinheiro em maletas, em envelopes pardos, em cuecas, em caixas de uísque, vinho e afins. Ficamos nós com “a bunda exposta na janela” e a cara deslavada dos envolvidos (acompanhados de bons advogados) a desmentir ou a criar versões de verdades inverossímeis para aquilo que todos já sabem, se não intuem ou presumem.

Fiscalização, transparência e muita ética

Espera-se – para além do jogo de cena e CPIs a toque de fanfarra que pouco ou nada esclarecem – uma fiscalização mais atenta, o emprego de dispositivos mais eficazes de apuração e muita transparência na administração pública, porque somente a aparência de legalidade nas transações, nas licitações, na aprovação das contas (que nem sempre significam que os recursos foram bem empregados) parece bastar para inibir a sanha predatória de maus políticos e empresários oportunistas.

Daí também a importância do papel dos meios de comunicação como prestadores de serviço à sociedade, observados os princípios do bom jornalismo nas práticas investigativas, e não no mero denuncismo ou servilismo.

Só assim – com fiscalização, transparência e muita ética, além de planejamento sério – se firma uma verdadeira democracia.

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[Afonso Caramano é funcionário público municipal, Jaú, SP]