Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Só escreve errado quem quer

A leitura é condição indispensável para escrever bem. Infelizmente, as escolas parecem ter abandonado os livros. Em muitas regiões do Brasil, inclusive em São Paulo e no Rio de Janeiro, os alunos vão passando de ano sem aprender sequer o português, língua em que todas as disciplinas são ensinadas. Então, como os professores vão ensinar as outras matérias?


Há alunos que não erram em português, como não erram em matemática, mas escrevem como certos economistas, por exemplo – alguns dos quais criticam a condução econômica do governo Lula depois de terem sido ministros de governos que permitiram taxas de inflação superiores a 80% ao mês. E agora dão consultorias sobre o que não souberam fazer. Devem confiar na lendária falta de memória do brasileiro…


A mídia, especialmente a internet, vem cumprindo funções didáticas, com ou sem professor, apresentando ferramentas que podem resolver muitos problemas de quem escreve. Dois exemplos: os dicionários Aulete Digital e Porto Editora. O primeiro pode ser baixado gratuitamente, mediante cadastramento e respectiva senha. O segundo é de consulta livre, on-line.


Tropeços com verbos e pronomes


Nas bancas, o leitor pode encontrar o Resumão, que, como o nome indica, é um resumo de diversas matérias. A coleção é editada por Barros, Fischer & Associados. O Resumão/Língua Portuguesa é publicado sob licença editorial do espólio de Eduardo Martins (1939-2008). O número 1 trata dos 150 erros mais comuns e começa assim: ‘Um bom texto não deve apenas ser fluente, criativo e elegante. Ele deve também respeitar as normas da língua culta. Veja a seguir uma relação de 150 dos erros mais comuns do idioma e a melhor maneira de evitá-los.’


Para quem domina a norma culta do português, alguns exemplos soam simplórios, mas uma rápida consulta a jornais, revistas e portais mostra como esses tropeços são frequentes. Os exemplos de concordância são os mais notórios. Há quem diga e escreva ‘fazem x dias que…’ e Eduardo Martins os desasna assim: ‘Fazer, quando exprime tempo, é impessoal (não varia: faz dez dias./ Fez dois meses./ Fazia cinco séculos.’


Outros tropeços são detectados com o verbo haver. Didático, ele dá primeiro o erro – ‘haviam’ muitos alunos – e depois explica às hortaliças: ‘Haver, no sentido de existir, também é invariável: Havia muitos alunos na classe./ Houve muitos acidentes./ Pode haver novos casos de dengue.’


Outro terreno pantanoso é o do uso dos pronomes. Em ‘está tudo certo entre eu e você’, Eduardo Martins explica àqueles que faltaram à aula no dia em que isso foi explicado: ‘Depois de preposição, usa-se mim e ou ti: `Está tudo certo entre mim e você´.’ Ele não dá o seguinte exemplo, mas é bom recordar: ‘Está tudo certo entre você e eu.’


Redatores nem consultam Manual de Redação


Um outro caso desconcertante no uso dos pronomes é o do ‘lhe’. Você baixa o programa de antivírus e lá vêm as temidas instruções, com os habituais crimes de lesa-gramática, do tipo ‘para lhe proteger’, semelhante ao de algumas canções que apregoam para ‘lhe amar’. O incansável Eduardo Martins retoma a paciência e lembra aos enfermos da língua a bula gramatical: ‘Lhe não pode ser usado com verbos diretos, pois substitui a ele, a eles, a você e a vocês: Não o conheço./ Nunca a deixarei./ Nós o convidamos./ O marido a ama./ Dois exemplos com lhe: Pedi-lhe (pedi a ele) o favor./ Ficou contente e lhe (a ele) agradeceu.’


Na questão das formas verbais, ele ilustra o que prescreve com um exemplo muito comum: ‘O Estado interviu’, em que o falante ou escrevente errou a conjugação. O certo é ‘o Estado interveio’. ‘Intervir conjuga-se como vir.’ Adiante explica outros dois verbos em que muitos tropeçam: mediar e intermediar. É errado ‘A ONU intermedia conflitos’. ‘Mediar e intermediar seguem odiar: A ONU intermedeia conflitos./ Empresários medeiam negócios.’


Eduardo Martins faz muita falta. Especialmente na redação de O Estado de S. Paulo, antes um jornal mais bem cuidado no quesito língua portuguesa. Alguns de seus redatores sequer consultam o seu antológico Manual de Redação e Estilo do Estadão, um guia seguro para escrever bem. Resumão neles, ao menos.

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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras