Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pausa para o comercial

Willian Bonner e Fátima Bernardes na bancada do Jornal Nacional. (Foto: Creative Commons/Rede Brasil Atual)

Em espaço nobre, no encerramento do Jornal Nacional, do último dia 17 de outubro, a “notícia” de que a TV Globo fechou o patrocínio da Copa do Mundo de 2018 com seis “grandes marcas brasileiras”. Com algum atraso, segue-se a informação de que em agosto, dois meses atrás, foi fechado o patrocínio da cobertura do Futebol 2018, assim como o do Campeonato Mundial de Fórmula Um.

Para ilustrar, três artes em destaque trazem as listas de todas as empresas patrocinadoras, que tiveram os seus nomes citados um a um pelo apresentador e editor-chefe do telejornal. Dois minutos de “informação” sobre as “grandes marcas” de tradicionais anunciantes, que demonstraram ter “confiança na emissora e no Brasil”.

O poder de influência dos departamentos comerciais em toda a mídia brasileira só cresce. Telespectadores, ouvintes e leitores já viram revistas e jornais embalados com capas publicitárias imitando as originais, matérias pagas sem identificação, apresentadores e locutores de TV e rádio fazendo merchandising em programas, “entrevistas” com anunciantes, repórteres encerrando seus informes sobre o trânsito repetindo slogans de empresas.

Mas mesmo com todas essas situações, cada vez mais comuns, não deixa de ser surpreendente ver o resultado de uma negociação privada de venda de publicidade, de uma emissora como a TV Globo, ocupar espaço do seu noticiário.

Há alguns anos isso seria inconcebível. Havia um distanciamento, mesmo que protocolar, entre as áreas comercial e jornalística. A promiscuidade com o jornalismo foi se estabelecendo por meio do esporte.

Os eventos passaram a ser cobertos não por sua importância e representatividade, mas pautados pelos patrocínios e com enfoque nada crítico. Muitos, de grande repercussão, simplesmente passaram a ser ignorados, porque promovidos por empresa concorrente e as notícias divulgadas de forma incompleta.

No vôlei os nomes de algumas equipes foram mudadas ou omitidas, alguns jornais e revistas manipularam fotos para esconder nomes dos patrocinadores, topos de cabeças foram cortadas para esconder bonés e faixas e inúmeras entrevistas deixaram de ser exibidas para não mostrar marcas de empresa. Os telejornais passaram a ser paginados de acordo com o intervalo comercial patrocinado.

Hoje continuam as restrições às marcas não patrocinadoras, mas o que dizer da profusão de inserções, artes, slogans, projeções virtuais, e do excesso de poluição visual atrás de cada entrevista coletiva, de cada pódio, de cada largada, de cada espaço nos estádios? Existe algo mais constrangedor do que assistir aquelas tapadeiras de acrílico sendo transportadas para cá e para lá pelos campos de futebol para fazer fundo para as entrevistas? O que mais vão inventar para vender, vender, o que deveria ser apenas notícia ou transformar em notícia aquilo que não o é? Fica a pergunta…

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Nereide Lacerda Beirão é jornalista. Foi Diretora de Jornalismo da EBC e da TV Globo Minas. Professora e Diretora do Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais. É autora do livro “Serra”, publicado em 2012.