Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma reflexão para além do senso comum

“Duas tragédias antes da tragédia: sem família, sem escola”. É emblemática a capa do jornal Extra, do Rio de Janeiro, na sexta-feira ( 22/5). Parabenizo o jornal por ir além do senso comum e jogar luz, reflexão, a um debate no qual tem gritado alto as vozes do ódio, do simplismo, da busca por audiência ou voto a qualquer custo.

A mídia tenta tornar um adolescente que cometeu um crime bárbaro e, claro, passível de punição, no símbolo da luta pela redução da maioridade penal. Mas, é importante ressaltar que, geralmente, quando um jovem comete tal atrocidade, já foi ele vítima de várias outras tragédias ao longo de sua curta vida. Geralmente ele não teve oportunidade de ter acesso sequer ao sonho de uma vida melhor, já que muitas vezes está fora da escola, abandonado pela família e pela sociedade.

Nossa mídia clama por encarcerar nossos jovens que, se erram, devem, sim, ser punidos, claro. Mas não estimula um debate profundo sobre a redução da maioridade penal. Por isso a capa do Extra é um alento. Será que o Estado brasileiro está cumprindo o seu papel com as nossas crianças e jovens? Será que os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estão sendo cumpridos?

A capa do jornal Extra e a declaração do delegado responsável pelo caso, Rivaldo Barbosa, ao jornal O Dia, deixam claro: assim como muitos outros adolescentes que cometem crimes, este adolescente que infelizmente assassinou um inocente na Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, também é uma vítima. Disse o delegado: “Se as pessoas virem o local onde ele mora, vão entender o problema social.”

O lado errado

Entendo as pessoas que defendem a redução da maioridade penal. Afinal, à primeira vista, e diante de tanto apelo de Datena, Marcelo Rezende e Cia., parece ser uma fórmula fácil para reduzir a violência. Mas é preciso ir mais longe neste debate. Mais importante do que clamar pela redução da maioridade penal, é lutar para tirar nossos jovens da tragédia social na qual muitos estão inseridos. A tragédia social é fator fundamental para os alarmantes índices de violência.

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo já se posicionou contra a redução da maioridade penal, alegando que crianças e adolescentes são “pessoas em desenvolvimento, o que as coloca em um patamar especial, devendo ser alvos de políticas de proteção e promoção de saúde, educação e lazer, entre outros direitos, com total prioridade sobre outras demandas sociais”.

Hoje se discute a redução da maioridade de 18 para 16 anos. Ao se fichar um adolescente já desde os 16 anos diminui-se suas chances de reinserção ou inclusão social, já que infelizmente ainda há diversas barreiras para a contratação de ex-detentos no mercado de trabalho. Quem não teve ou ouviu falar de quem teve de apresentar atestado de antecedentes criminais na hora da contratação para um trabalho?

Além disso, o adolescente, em um momento de autoafirmação, tende a aprender muito mais coisas erradas ao lado de detentos mais velhos, com mais experiência no mundo do crime, do que em instituições focadas na ressocialização do menor infrator, como a Fundação Casa, em São Paulo, por mais deficiências que esta possa ter – este é assunto para outro debate.

Acesso a direitos negados

E se, ou melhor, quando, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos não funcionasse, qual seria a saída? Baixar para 14 anos, 12 anos, 10 anos? Como bem disse a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianela, esta semana, ao portal El País Brasil: “Se a maioridade penal baixar, o crime recrutará menores.” Até onde iremos nessa sanha?

Também é importante frisar a questão social. O pobre, o excluído, como o menino abandonado pelo pai e pela mãe, que vive nas ruas, ou cujos pais são dependentes químicos, ou que vivem em situação de extrema pobreza, não têm condições de dispor de bons advogados, não tem família influente…

Por que não se pediu redução da maioridade quando um menor de idade de classe média ajudou a atear fogo no índio Galdino, em 1997? Por que não se pediu redução da maioridade penal quando o filho menor de idade de um diretor poderoso da RBS, afiliada da Rede Globo, assumiu ter estuprado uma garota de 13 anos, em 2010?

Boa parte dos defensores da redução da maioridade penal usam discursos vagos, de ódio, para disfarçar seu objetivo maior, de encarcerar pobres. Reduziremos a maioridade penal até ponto de que quem nascer pobre, em situações de exclusão, já vai direto para a cadeia?

Em minhas visitas a diversas comunidades, deparo com situações de vida no limite, de condições que infelizmente ainda estão muito abaixo do que gostaríamos que as pessoas vivessem. Em vez de lutar para encarcerar nossos jovens, temos de lutar para que ele tenha condições adequadas para estudar, seja na escola pública ou em casa, onde muitas vezes não há prazer em se ficar porque corre esgoto nas paredes do quarto, porque corre rato por todo canto, porque não há o mínimo de conforto. Em vez de lutar para encarcerar nossos jovens, temos de lutar para que ele tenha acesso à cultura, ao esporte, ao lazer antes que o tráfico, as drogas, o crime, os seduzam. Em vez de lutar para encarcerar nossos jovens, temos de lutar para garantir para que nossos jovens tenham acesso aos direitos que lhes vêm sendo negados.

Apesar da boa vontade de muitos e do oportunismo de outros, o fato é que a redução da maioridade penal não é, nem nunca será, solução para o enfrentamento de nenhum tipo de violência.

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Valdir Roque é vereador, Osasco, SP