Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A informação para poucos

Devido a sua evidente relevância nas relações sócio-políticas, a comunicação é objeto de discussão frequente. ‘Frequente’ não significa que seja ampla no sentido demográfico.


Quem se ocupa desse assunto é uma parcela ínfima da população, e mais ínfimo ainda é o subconjunto daqueles que abordam a questão com algum embasamento ou conhecimento de causa.


Não é para menos. O Brasil é um país de analfabetos, conforme mostra o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, produzido pela Fundação Paulo Montenegro (ver resumo aqui). Em 2007, ano do último levantamento, nada menos de 73,8% da população brasileira era analfabeta funcional, ou seja, mostrava-se incapaz de compreender um texto simples que lessem.


O analfabetismo funcional tem forte relação com o grau de escolaridade, mas não é idêntico a este. Ter chegado ao ensino médio e mesmo à universidade não garante alfabetização plena.


Assim, enquanto 64% daqueles que frequentaram total ou parcialmente as quatro séries do ensino fundamental são analfabetos funcionais, o mesmo acontece com 27% dos que passaram pelos quatro anos seguintes (o antigo ginásio), com 8% dos que chegaram ao secundário e com 2% dos universitários. (A referência aos anos da escola transformou-se em exercício de desvendamento de enigmas, introduzindo um potencial de confusão particularmente na construção de séries históricas. Não existem mais 1ª, 2ª etc. séries, mas ‘anos’. A 1ª série corresponde ao 2º ano e assim vamos. Algum gênio da educação deve ter achado que ‘curso primário’, ‘curso ginasial’, ‘curso colegial’ são expressões politicamente incorretas, ou algo semelhantemente sensato.)


Então, a comunicação e seus vagares é tema de pouquíssimos.


Estudos inexistentes


Um dos motivos pelos quais no Brasil se comunica pouco (e quando se comunica costuma haver mais calor do que luz) decorre da inadimplência de muitos dos intermediários naturais da informação.


Explica-se: informação só existe em fluxo. Dados guardados em repositórios e que não sejam transmitidos de um emissor a um receptor não constituem informação.


Os intermediários da informação são aqueles que, por motivos diversos (normalmente movidos por interesses ou por aspirações), coletam dados de certo tipo e os submetem a agregação, filtragem e interpretação, com o objetivo de explicar ou focalizar algum aspecto do mundo.


Em tese, tais intermediários são associações profissionais e empresariais, sindicatos de trabalhadores, associações comunitárias, ONGs, acadêmicos.


Naturalmente, a imprensa é o intermediário mais importante, embora em diversos territórios ela se situe na ponta, e não no início, da cadeia de transmissão de informação. Não se deve esperar da imprensa que analise em profundidade nenhuma espécie de assunto, e nem que se ocupe de todo e qualquer assunto.


Assim, para que haja um fluxo de informações a respeito de indicadores educionais, ou de saúde, ou de saneamento, ou de produção de minério de manganês ou qualquer outra coisa, é imprescindível que algum intermediário anterior tenha coletado e analisado dados primários.


Quem faz isso, no Brasil? Muito poucos.


Quantas ONGs brasileiras produzem algum tipo de informação objetiva a respeito de sua área de interesse, ainda que seja para guiar a sua ação? Contam-se nos dedos.


Quantas associações empresariais se ocupam de produzir estatísticas concernentes a sua área de interesse? Tome-se a maior delas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, FIESP. Ganha um sorvete de pimenta-do-reino quem encontrar alguma espécie de estudo aprofundado produzido por essa entidade. A única produção dela é o índice de emprego da indústria.


Razão fundamental


A informação especializada é, no Brasil, tratada como todo o resto. Constitui bem privatizado pelas elites (entre as quais se incluem as sindicais, as das ONGs etc.) e pelas oligarquias (que, não raro, têm linha direta com o Estado e acessam privilegiadamente informação que deveria ser pública).


Ou seja, existem fluxos de informação, mas circulam entre os donos do poder.


Como a imprensa é também altissimamente concentrada, o resultado é que a população brasileira vive num mundo de desinformação.


O diabo é mudar isso, pois a razão fundamental é econômica — e mudar a economia é algo que apenas se faz contrariando os interesses dos que se beneficiam da situação.

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Jornalista