Wednesday, 22 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1321

Fim da escala 6×1 é empurrado goela abaixo da imprensa

(Foto: StartupStockPhotos/Pixabay)

“Vocês vão ter que me engolir!”. O desabafo feito por Zagallo, logo após a conquista da Copa América de 1997, exemplifica como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que acaba com a jornada de seis dias de trabalho por semana para um de folga (6×1) foi empurrada goela abaixo da imprensa. Protocolada no Congresso pela deputada Erika Hilton (Psol-SP) no dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, a proposta passou ao largo dos jornais por meses a fio, sem ocupar uma linha sequer. A virada de chave aconteceu somente após o assunto ganhar força nas redes sociais no dia 10 de novembro, um domingo, quando o debate acerca da PEC ficou em primeiro lugar nos assuntos mais discutidos pelos internautas na rede social X, antigo Twitter, segundo a Agência Brasil.

Já na segunda-feira, 11 de novembro, a repercussão do assunto nas redes sociais alcançou o Congresso. Até então, a medida, que precisava do aval de 171 dos 513 deputados, um terço do total, para avançar na Câmara dos Deputados, tinha o apoio de apenas 71, segundo reportagem do Correio Braziliense. No dia seguinte, já tinha alcançado a marca de 130 assinaturas, quase o dobro, conforme a Folha de S. Paulo.

A partir daí, o assunto começou a ocupar a pauta da imprensa, ainda que de forma tímida, sobretudo a partir de declarações de representantes do governo federal e do Congresso, que passaram a ser questionados sobre o tema. O vice-presidente Geraldo Alckmin defendeu o debate sobre a redução da jornada. O candidato favorito à presidência da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), esboçou preocupação com a proposta, embora também tenha defendido um amplo diálogo. Já o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que o tema deveria ser tratado em convenções e acordos coletivos entre empresas e empregados. Depois recuou e apoiou a causa.

Mesmo diante do clamor popular – um abaixo-assinado em apoio à PEC alcançou a marca de 1,6 milhão de assinaturas, tendo sido divulgado apenas nas redes sociais. Hoje, já são quase 3 milhões – e após a proposta ter atingido o quórum de assinaturas necessário para começar a tramitar na Câmara, em apenas três dias, a imprensa publicou diversas reportagens e análises desfavoráveis à redução da jornada de trabalho, reação sintomática sempre que direitos trabalhistas são discutidos. O sentimento de setores da economia ecoado pela imprensa é sempre o de que o momento não é apropriado, como não era na abolição da escravidão, em conquistas como férias e 13º salário etc.

Embora outros projetos com teor similar tenham sido apresentados, como a PEC 221 de 2019, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), nenhuma esteve tão presente no debate público. A proposta apresentada pela deputada Erika Hilton nasceu a partir do desabafo de um jovem negro cansado, balconista de farmácia, publicado no TikTok. A comoção resultou no movimento Vida Além do Trabalho (VAT), responsável pelo abaixo-assinado, e na eleição do autor, Rick Azevedo (Psol-RJ), para a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Rick, contudo, não concedeu entrevistas, nem teve artigos publicados nos principais jornais do país para defender sua pauta. Representantes da classe trabalhadora tampouco.

Já entidades de praticamente todos os segmentos que se colocam contra a PEC encontraram ressonância nas grandes mídias, utilizando argumentos como “os brasileiros já trabalham menos que a média mundial”, “os empregos serão destruídos”, “haverá pressão inflacionária, escassez de mão de obra e aumento da informalidade”, entre tantos outros. Uma declaração que repercutiu de forma significativa foi dada pelo presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Júnior, que afirmou que a PEC é uma “ideia estapafúrdia”.  

O tamanho do espaço dado pela imprensa para os que se colocam contra o fim da escala 6×1, na comparação concedida aos que são favoráveis, talvez justifique o fato de o assunto ter praticamente desaparecido da pauta dos jornais nos últimos dias, com a mesma rapidez que surgiu. O fato é que, mais cedo ou mais tarde, a questão terá de ser enfrentada, a contragosto, ou não, da mídia.

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João Pedro Fragoso Schleder é Pós-graduado em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e jornalista com 15 anos de experiência.