
(Foto: Ivča/Pixabay)
As primeiras atividades profissionais em assessoria de imprensa surgiram formalmente no Brasil a partir da criação do Departamento de Relações Públicas da The São Paulo Tramway Light and Power Co. Limited, em 1914. No entanto, esse tipo de atividade só se consolidou nos anos 1950, com a entrada de funcionários com mais conhecimentos técnicos sobre o setor, muitos dos quais vindos de redações de jornais, rádios, revistas e agências de notícias.
A ampla profissionalização da assessoria de imprensa só ganhou força entre as décadas de 1970 e 1980, quando houve a percepção das organizações e empresas de que as relações com a imprensa exigiam profissionais competentes e conhecedores desse serviço. As improvisações deram lugar então ao profissionalismo.
Há 40 ou 50 anos, a assessoria de imprensa ainda era pouco conhecida de muitas empresas. Na época a confusão com publicidade ainda era bem presente. Por sinal, algumas agências de publicidade de maior porte às vezes tinham um pequeno departamento para fazer ações de assessoria de imprensa para seus clientes como complemento às campanhas publicitárias e até mesmo como um “bônus de reconhecimento” quando o cliente fazia grandes investimentos em compras de anúncios, pelos quais as agências ganhavam comissionamento. Mas isso acabou.
Naquela época, no segmento publicitário havia até quem também chamasse a atividade de assessoria de imprensa de “publicidade redacional” ou “publicidade editorial”. E o problema agravava uma situação que perdura em muitas empresas até hoje, a confusão entre publicidade e jornalismo.
Por outro lado, aconteceu também a descoberta do serviço de imprensa por muitos nichos de mercados que não tinham ideia de como era possível se tornar notícia naturalmente sem que fosse necessário comprar espaços publicitários tradicionais e redigir o que se chamava “matéria paga”. Preocupada com a melhoria do entendimento do setor, a então Comissão Permanente de Assessoria de Impresa do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo até criou, nos anos 1980, o Manual de Assessoria de Imprensa, com o propósito de explicar melhor o funcionamento do serviço. O guia foi encampado e reeditado algumas vezes pela Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj.
A grande ferramenta da assessoria de imprensa até aqui tem sido o press release ou news release, cuja tradução literal seria notícia solta, notícia distribuída, ou comunicado de imprensa, que é redigido a partir das diretrizes do cliente e que chega aos jornalistas nas redações apresentando uma informação noticiosa, relevante para a opinião pública, e que “merece ser divulgada”. Por sinal, a frase “Tudo aquilo que merece ser publicado” é o famoso slogan/lema do jornal americano The New York Times.
Para as gerações mais novas, que não conhecem os primórdios da atividade, o press release no início era um texto datilografado em máquina de escrever num papel chamado lauda. Ela era demarcada por quatro linhas de margens que enquadravam o texto noticioso. Uma lauda continha geralmente 20 linhas de 70 caracteres (e todos os veículos a usavam nas suas redações), portanto devia ter 1.400 caracteres obrigatoriamente, que na época se chamavam toques. Esse padrão de quantidade de caracteres era para facilitar o trabalho de diagramação.
A lauda do release procurava seguir o mesmo visual, e no alto da folha estampava o logotipo do cliente e às vezes do cliente e da assessoria contratada. Na realidade, era uma forma estética de as assessorias endossarem que o release era uma notícia de fato sobre o cliente para os veículos noticiosos publicarem.
Inicialmente os releases eram enviados apenas pelo correio. Todos devidamente dobrados e inseridos em envelopes formato ofício timbrados e remetidos nominalmente ao jornalista. Fotos reveladas em preto e branco geralmente acompanhavam os releases. Fotos em cores eram caras e raras. E quando os jornais ainda eram impressos em preto e branco, desnecessárias. Em certas situações excepcionais eram entregues em mãos nas redações pelos próprios assessores de imprensa, prática que hoje parece não existir mais. O follow-up só era empregado quando a pauta dada a sua importância exigia um esforço maior.
O ponto em comum de todos os releases era que apresentavam numa narrativa jornalística que se assemelhavam ao máximo ao conteúdo editorial das publicações. Naquela fase havia uma obsessão pelo texto jornalístico perfeito, ou seja, claro, objetivo, conciso e preciso.
Todo profissional de redação ou de assessoria estava em busca de um texto primoroso. As assessorias de imprensa atuavam muito como uma agência de notícias das organizações. Não havia preocupações com SEO e outras novidades de hoje em dia. Naturalmente, existiam também, em menor número, assessorias de relações públicas ou de comunicação empresarial que, além do serviço de relações com a imprensa, organizavam eventos e desenvolviam outras ações direcionadas aos públicos de interesse (stakeholders).
Com a evolução natural, novas tecnologias eletrônicas e de telecomunicações foram chegando nas empresas de comunicação empresarial. Primeiramente o telex, nos anos 1980, depois o fax, e atualmente o e-mail e o WhatsApp. Surgiram também, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, as plataformas de gestão de mailing lists, com os cadastros da maior parte de todos os jornalistas das redações da grande imprensa e da imprensa especializada. Tudo ficou mais organizado e mais rápido. Os contatos ficaram mais diretos.
Hoje, o número de assessorias de imprensa cresceu, inclusive com profissionais autônomos fazendo esse serviço isoladamente. Certas assessorias contam com centenas de funcionários na sua estrutura. Algumas se transformaram em assessorias de comunicação ou de relações públicas, ampliando seu leque de serviços, oferecendo também gestão de mídias sociais, organização de eventos, produção de blogues e publicações, lobby, programas de relações com públicos de interesse e produção de podcasts, entre outras várias possibilidades.
O core business de cada assessoria de imprensa/comunicação/relações públicas varia de acordo com sua aptidão, filosofia e interesse de mercado. Algumas preferem focar apenas no serviço de imprensa, outras optaram por fazer a comunicação mais abrangente. O cliente escolhe aquela que atende aos seus interesses e proporciona os resultados planejados. É possível encontrar hoje longos casamentos entre assessorias e clientes, mas há também rodízios contumazes. Nessa fase pós-moderna da imprensa, além de jornais, revistas, rádios, televisões e agências de notícias se somaram os sites, blogues e portais de notícias. Não falaremos aqui do marketing de influência e redes sociais, que é outro universo da comunicação.
O Anuário da Comunicação Corporativa de 2023, uma das fontes mais relevantes do setor, aponta que 900 assessorias integram o censo oficial do setor. Mas oficiosamente há quem estime que este número seja muito maior. Não há um número exato, mas alguns pesquisadores calculam que nas grandes redações um jornalista receba de 500 a 600 releases diariamente por e-mail, outros chegam a registrar 900 recebimentos, dependendo do dia e especialidade. Vários editores reclamam que boa parte deles não tem a menor relevância.
Tudo indica que os releases são examinados, aproveitados ou descartados, apenas com a leitura do título e do lead, pois o tempo ficou cada vez mais curto nas redações. Essa difusão em massa só tende a crescer e a volta do pauteiro em larga escala poderia ser a solução para que todos possam ser analisados numa primeira fase para desafogar os editores.
Outra mudança importante foi que o mercado ficou mais competitivo do que nunca e frequentemente há algumas desavenças por causa da prospecção de clientes. Todos os dias, assessorias de imprensa ou de comunicação estão em busca da ampliação de sua base de clientes e procuram por prospects que estão descontentes com seus resultados na imprensa ou querem experimentar a ferramenta pela primeira vez. Há muito mais protagonistas, hoje em dia, demandas maiores e mais variedades de assuntos. Alguns usuários são sensatos quanto aos resultados, outros esperam verdadeiros milagres do além.
O problema dos desentendimentos, conflitos e discordâncias entre assessorias ainda está num patamar aceitável, e a área está distante do que acontece com o setor de Publicidade, onde foi necessário criar um órgão próprio para regular as práticas comerciais do segmento, o Cenp – Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário. Nele participam representantes de anunciantes (empresas e organizações), agências de publicidade, elos digitais e veículos de comunicação.
A questão da ética em assessoria de imprensa é complexa, porque ela ainda é regida indiretamente pelo Código de Ética dos Jornalistas da Fenaj. Mas, na verdade, a atividade de assessor de imprensa teoricamente e legalmente não é absolutamente jornalística. Inclusive, o site da Justiça do Trabalho publicou em 2022 que o “assessor de imprensa não obteve enquadramento como jornalista”.
Para a 8ª Turma do TST -Tribunal Superior do Trabalho, as atividades não se enquadram como jornalísticas. Vale ressaltar que executivos de Relações Públicas também atuam em assessoria de imprensa, e inclusive na literatura técnica daquela área, da Comunicação Social e do Marketing, consta a assessoria de imprensa como sendo uma das especialidades legítimas daqueles profissionais. É assim no mundo inteiro. O jornalista Ivy Ledbetter Lee, criador das Relações Públicas, começou a atividade pela assessoria de imprensa que depois ampliou.
Em relação à ética na assessoria de imprensa não há muitas opções normativas. No Código de Ética dos Profissionais de Relações Públicas do Conselho Federal de Relações Públicas, de 2001 não há qualquer citação ou menção sobre a atividade de assessoria de imprensa, relações com a mídia, serviço de imprensa, divulgação jornalística ou termos semelhantes.
Talvez o maior problema do setor de assessoria de imprensa neste momento seja o chamado “release gate”. Trata-se da proliferação e envio exagerado de press releases para as redações dos veículos sem gancho jornalístico, valor para a audiência e pertinência para a editoria contatada. Mas como os contratos atuais desse tipo de prestação de serviço geralmente determinam índices quantitativos de produção, os profissionais precisam se desdobrar para realizar o que foi planejado e às vezes, lamentavelmente, apesar do esforço, sem o resultado imaginado pelo cliente.
Falar sobre o futuro da assessoria é difícil, principalmente com o advento da inteligência artificial. A atividade da comunicação empresarial cresce com a inclusão de outras ferramentas de comunicação digital, enquanto a imprensa sofre para sobreviver. Há mudanças que não se imaginava cinco ou dez anos atrás, especialmente no marketing, que procura usar muitas vezes na assessoria de imprensa a mesma a lógica publicitária e do marketing digital, o que não é indicado. Contudo, as situações vão se acomodando, as mudanças acontecem e o mundo evolui.
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Paulo Sérgio Pires é jornalista, publicitário e professor de Comunicação. É pós-graduado e mestre em Comunicação pela USP, onde também foi pesquisador-bolsista (Fusp). Trabalhou como assessor de imprensa da Manah, Basf, Secretaria de Planejamento e Secretaria de Agricultura de São Paulo, entre outras organizações. Atuou como diretor da Brooklin Editora e Assessoria de Imprensa. Foi repórter do jornal Metrô News e Diário do Comércio e Indústria (DCI), e colaborador da Folha de S.Paulo, Agência Folha, Diário do Comércio, revista Man’s Health e revista Querida, além de diversas publicações especializadas.