Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por que o ônus da prova pesa tanto no jornalista

Foi Liz MacKean – a repórter da BBC do telejornal Newsnight que investigava o caso do apresentador Jimmy Savile – que disse que a emissora “devia confiar em seus jornalistas”. Exceto, é claro, que ninguém parece confiar muito em repórteres, inclusive os chefes da BBC. Pesquisa feita pelo instituto Ipsos Mori, que começou a fazer esse trabalho em 1983, mostra que a proporção de público que confia em jornalistas tem sido, em média, de 17%. Acontecimentos recentes – grampos telefônicos em tabloides britânicos, por exemplo – podem ter abalado um pouco mais a percepção do público, mas não foi apenas o comportamento de uma minoria que levou ao ponto atual.

David Walsh, o redator do Sunday Times que fez o que pôde para expor o envolvimento de Lance Armstrong com drogas, acabou não podendo defender seu jornalismo na justiça britânica, em 2005. O ciclista, que reconhecera ter tomado drogas, cercou-se de uma boa defesa no tribunal e o Sunday Times não conseguiu provar o que queria. Isso, em parte, é porque o ônus da prova em casos de calúnia e difamação fica por conta de quem publicou a denúncia – e em parte porque a prova na qual Walsh confiava não era conclusiva. Walsh recebera informações de uma massagista, Emma O’Reilly, que lhe falara de “seringas vazias” jogadas no lixo – o tipo de prova que os juízes do tribunal concluíram que apenas poderia “sugerir culpa (no sentido de tais drogas terem sido tomadas) ou, pelo menos, que existiriam razoáveis motivos para suspeitar que ele tomasse drogas”.

Com o ônus da prova, o jornalista David Walsh teria necessitado uma confissão direta (agora disponível na rede de TV de Oprah Winfrey) ou uma filmagem secreta para provar a veracidade de sua matéria no tribunal. Como a denúncia não pôde ser sustentada, e as provas apresentadas implicavam culpa, o Sunday Times recuou, pagando £1 milhão (cerca de R$ 3,1 milhões) por danos e custos judiciais a Armstrong. O jornal até teve que afirmar, no tribunal, que “nunca pretendeu acusá-lo de ser culpado de tomar drogas para melhorar seu desempenho”.

Outros motivos

Walsh acabou tendo razão. Os juízes não acreditaram nele porque o ônus da prova era muito alto. O mesmo talvez também pudesse ser dito sobre Savile. O homem que agora acreditamos ter sido praticante contumaz de casos de estupro e abuso sexual também usou advogados para impedir que jornalistas falassem dele: segundo Dominic Carman, filho do famoso advogado George Carman, este impediu que o Sunday Mirror publicasse uma matéria em 1994 sobre suposto abuso sexual praticado por Savile na escola Duncroft, para meninas com problemas, em Staines (Surrey). Qualquer editor de jornal saberia que confiar nas provas de um relato de 20 anos antes por mulheres que teriam sido vulneráveis seria facilmente derrubado no tribunal; e, mais uma vez, o jornal teria sido considerado “errado” quando, na realidade, o relato das mulheres e os instintos do jornalista estavam certos.

Não basta por a culpa nas leis de calúnia e difamação. Pressões de cunho corporativo também pesam. Atualmente, há 22 jornalistas do Sun detidos pela Operação Elveden, que investiga a corrupção em pagamentos feitos a autoridades públicas. No jornal The Sun, desde o início, pagar pela notícia era a forma pela qual a Redação funcionava: o público era convidado a vender matérias ligando para o telefone da redação. Uma coisa é subornar uma autoridade pública – mas outra, bem diferente, é concordar em pagar uma gorjeta de £300 (cerca de R$ 930) a um soldado ou carcereiro. Na época, ninguém preveniu os jornalistas que aquilo que era visto como “seu trabalho” poderia ser ilegal. Mas agora – com as provas divulgadas após a crise dos grampos telefônicos – alguns repórteres têm que esperar meses a fio antes que a polícia decida o que fazer sobre os pagamentos que foram feitos.

É claro que, sem dúvida, os jornalistas também erram. Mas quando são apanhados no fogo cruzado entre a lei e instituições imperfeitas há outros motivos para que a confiança na profissão seja tão baixa.

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