
(Foto: Mircea Iancu por Pixabay)
Comecei a ouvir que o “jornalismo é essa cachaça mesmo”, primeiro, em uma roda de conversa entre colegas que estavam terminando a faculdade. Quando comecei a estagiar em uma redação de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, ouvi com mais frequência. E aí passei a matutar essa expressão romântica, que deve ter surgido em algum bar, e ao mesmo tempo incômoda.
Incômoda porque, ao ter entendido que a frase diz respeito aos prazeres e as contradições da profissão, me apeguei mais na segunda parte, na ideia de que a cachaça é um vício e o jornalismo uma profissão que faz de nós, jornalistas, trabalhadores. Então, seríamos nós jornalistas viciados na profissão, como consequência, no trabalho? Em que momento essa ideia passou a ser romântica?
Assim surge um projeto de pesquisa e uma pergunta que me provoca todos os dias nas escolhas profissionais. Mas, na tentativa de responder um problema, sempre surgem outros, E, enquanto pensava na paixão pelo jornalismo como uma condição alienante, me dei conta que muitos apaixonados estão conscientes sobre os termos desse romance entre jornalistas e condições do trabalho jornalístico.
Bater na tecla na alienação seria, além de um essencialismo desnecessário, também desconsiderar todas as nuances desse projeto de paixão. Mas, sigo pensando nas contradições: como uma profissão considerada essencial para a democracia leva tantos profissionais a mudarem de carreira? Como uma profissão que nos ajuda a conhecer o mundo está em crise? São os modelos de negócios? A descrença nas instituições?
O Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 tem números que sinalizam possíveis caminhos para chegar as respostas. A pesquisa teve a participação de 6.594 jornalistas. Destes, 57,9% tinham remuneração de até R$ 5500 – um dos índices que ajudam a entender a precarização do trabalho. Na saúde, 66,2% disseram sentir estresse no trabalho. E 31,4% tomam antidepressivos. São pequenos recortes de tantas outras porcentagens da pesquisa que nos fazem olhar para o futuro da profissão e a nossa paixão por ela.
Publicado originalmente em objETHOS.
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Leandra Cruber é Jornalista, é doutoranda do PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS